Cultura

OSCAR, O PUBLICITÁRIO E A CRIATIVIDADE NAS AGÊNCIAS, POR MARCO GAVAZZA

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| 09/12/2009 às 09:11
Hoje, dizer que você é publicitário não provoca nenhuma curiosidade ou admiração
Foto: OLX

Meu primeiro emprego em São Paulo foi numa agência chamada Bureau de Propaganda.  Era uma agência pequena, bem estruturada, com um bom faturamento, embora economicamente erguida numa faixa de risco, pois cerca de 80% deste faturamento vinha de uma única conta.  Mas a história que quero contar é outra.


Como toda empresa bem organizada, o Bureau tinha sua copa-cozinha e um garçom.  Pernambucano atarracado, muito forte, bichissíma até a última gota de Avon, Oscar -era o seu nome- se divertia ameaçando agarrar os japoneses do Estúdio.  De repente ouviam-se gritos e saía japonês correndo por todas as portas, com medo de serem subjugados fisicamente por Oscar e submetidos às suas vontades lascivas. Era tudo brincadeira, mas os niseis e sanseis, por via das dúvidas, saltavam fora e Oscar ria até cair sentado no chão.


Porém, numa sala de reuniões ou nas salas dos diretores, Oscar era outra pessoa. Compenetrado, seriíssimo, sem nenhum vestígio de suas preferências sexuais. Tinha um método próprio de servir à mesa e até uma hierarquia que ele mesmo criara. A copa-cozinha era cuidada com um rigor espartano. O mais curioso de tudo isso é que se perguntado por alguém a respeito de sua profissão, Oscar respondia sem hesitar: "Publicitário". Garçom, nem pensar.  E acreditem: se saísse de uma agência, ele ficava meses desempregado até encontrar vaga em outra. Só trabalhava em agências de propaganda.


Fico me perguntando onde foi parar o charme, o glamour e o encantamento que atraíram tanta gente para a propaganda.  Nenhuma agência hoje lembra remotamente o que elas foram há uma ou duas décadas.  A MPM em São Paulo tinha na recepção do andar da Criação um piano de cauda, onde os mais inspirados curtiam jazz e jam sessions after five.  A Norton Publicis -onde também trabalhei- tinha no 4º andar um restaurante para diretoria e funcionários. Mas não era um restaurante qualquer. Era o Santo Colomba, antigo restaurante do Jockey Clube do Rio de Janeiro, de móveis e balcões centenários, desmontado, levado para São Paulo e remontado peça por peça na agência.  Aos sábados e domingos o Santo Colomba abria para o público e havia semanas de espera para reservas.  A Lintas Worldwide possuía suites para quem, após trabalhar até mais tarde, preferisse dormir por alí mesmo.  Só ou acompanhado.


Uma agência de propaganda hoje é um escritório como outro qualquer, um pouco menos formal e com resíduos de irreverência aqui e ali. Mais nada.  Acho que em alguns escritórios de arquitetura, por exemplo, respira-se mais criatividade que em muitas das agências locais. Alguns poucos -pouquíssimos-  Diretores de Criação ainda são capazes de pegar um violão e puxar "aquela canção do Roberto" dentro de sua sala, num momento de descontração. Mas é raro.  E rapidinho.


O crescimento natural dos mercados, do comércio, dos serviços, do varejo, dos imobiliários, enfim, dos segmentos de sustentação das agências, aliado à "abertura dos portos" promovida por Collor e que permitiu o desembarque de marcas estrangeiras no Brasil, gerou uma concorrência acirrada. 


O sobe-desce das classes sociais somado à multiplicação dos veículos de comunicação e mídia criou equações complexas de serem resolvidas.  Sem se anunciar, surgiam em nossas vidas GRP's, DAR-Day After Recall, Share of Mind e outras siglas esquisitas que éramos obrigados a entender e pior: obedecer. Os anunciantes não mais aprovavam suas campanhas, apenas por gosto pessoal ou convencidos pela argumentação da agência. Eram necessários os famigerados pré-testes e as pesquisas de mercado. 


Diante de um roteiro criativo, engraçado, bem-humorado, era necessário conter o entusiasmo até que se avaliasse sua capacidade de retorno em pontos percentuais.  A propaganda tornou-se extremamente técnica e pasteurizou-se.  Por via das dúvidas e para evitar eternas refações, acabamos deixando de lado o croissant de pêssego, passando a servir o sem contra-indicações pão com queijo. E enfiamos a viola no saco.


Mas as seguidas crises econômicas enfrentadas pelo Brasil acabaram por fazer  anunciantes eliminarem os custos de pesquisas, pré-testes e outras tecnologias da propaganda, voltando tudo ao tempo do "gosto ou não gosto".  Mas aí o charme da propaganda já tinha ido procurar outra pousada. Tenho diversos amigos e amigas que foram colegas de agências e hoje trabalham, em veículos ou no marketing dos anunciantes, com o mesmo entusiasmo. Não há mais o componente abstrato que tornava uma agência de propaganda um lugar absolutamente diferente dos outros para se trabalhar. 


As variáveis que influenciam o consumidor hoje são tantas que é difícil -na maioria dos casos- determinar até onde as vendas são conseqüência direta da propaganda.  Para o anunciante hoje ela é tão importante quanto o modo de dirigir do motorista que transita pela cidade com o caminhão da sua loja ou o treinamento da sua telefonista. E ele está certo.  A propaganda resvalou para o lugar comum de "uma das ferramentas" do marketing.


Hoje, dizer numa roda de pessoas em uma festa que você é publicitário, não provoca nenhuma curiosidade ou admiração.  A menos que v. diga "Oi gente, eu sou o publicitário Nizan Guanaes", o que poderá gerar algumas perguntas, referências, admiração etc. Se v. disser "Oi gente, eu sou o publicitário Washington Olivetto", alguém pode lembrar "Ah, aquele do primeiro sutiã".  Se v. disser "Oi gente, eu sou o publicitário Duda Mendonça" já não acontece muita coisa.  Talvez alguém murmure no ouvido de outro "É aquele cara do mensalão". 


Publicitário hoje só é sucesso entre publicitários.   Tipo "Carlos amava Dora que amava Lia que amava Lea que amava Paulo que amava Juca que amava Dora que amava...".


O que me dá um forte sentimento de perda não é a falta de reconhecimento e o sucesso nas festinhas. Isso qualquer Oscar consegue correndo atrás de rapazes atraentes e gritando "Eu sou o publicitário Oscar".   A perda que lamento é a da espontaneidade, da irreverência e da ousadia, portas sempre abertas à criatividade e ao prazer de resolver tarefas complexas com a mesma satisfação de quem compõe uma sinfonia. Isto não tem volta.