Cultura

O DILEMA DO ILÊ AIYÊ E OS DOIS BLOCOS CARNAVALESCOS, POR TASSO FRANCO

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| 02/12/2009 às 09:25
Ilê Aiyê no desfile do Carnaval apresenta sua coreografia na avenida
Foto: Pura Política

            A diretoria do Ilê Aiyê faria um enorme bem à entidade e à luta pela valorização da comunidade negra baiana se, ao invés de criar um bloco alternativo para negros, brancos, tupinambás e amarelos com a sua chancela e a marca "Eu Também Sou Ilê", abrir espaços de participação na entidade mãe e se apresentar no Brasil e internacionalmente como um grupo contemporâneo. Optando pela dualidade étnica, o bloco, que já é marcado com o carimbo de racista seria ainda mais criticado, desta feita com sob signo mercantil.

           

           Pela história do Ilê, por seu simbolismo junto à comunidade afrodescendente de acordo com os postulados de Durban, não tem sentido um deslize dessa natureza. Ora, aceitar brancos, asiáticos e tupinambás num bloco que é sua própria encarnação e vetar que essas mesmas pessoas possam participar do desfile carnavalesco do Ilê, abertura que já existe na Senzala do Barro Preto nos ensaios e shows, seria fustigar o cão com vara curta.

           

             Não dá para usar dois pesos e duas medidas, acender uma vela a Deus e outra ao diabo. "To be, or not to be. That is the question" (Ser ou não ser está á a questão) isso é tão antigo quanto a tragédia do príncipe da Dinamarca em Hammelt, de William Shakespeare. Porém, o ser ou não ser exige evolução, reflexão, mudança e o Ilê Aiyê ainda é o único bloco afro nascido para abrir um novo espaço à comunidade negra no Carnaval, na década de 1970, que mantém uma característica étnica imutável.

           

            De lá pra cá o mundo girou 180 graus, o multiculturalismo avançou em todos continentes a Conferência de Durban aconteceu em 2001, na África do Sul, quando se oficializou o conceito de afrofescendentes com a introdução do princípio da diversidade cultural no direito internacional, os Estados Unidos alcançaram níveis de ascensão social que remontam do "black capitalism" do presidente Nixon, entre outros, a ponto de eleger um presidente negro, Barack Obama, e a própria cidade do Salvador não é a mesma.

           

            Há de se dizer que as desigualdades sociais aumentaram muito na Salvador com seus 1.000.000 de habitantes em 1970 e a Salvador atual com 3.000.000 de almas e que a comunidade afrodescendente é a que mais sofre. Evidente que isso é real porque tem maior densidade demográfica, mas, aconteceram melhorias na cidade, na qualidade de vida de sua população como um todo, e, sobretudo na percepção do conhecimento e da informação. Hoje, a população está mais organizada e conhecedora dos seus direitos do que há 30/40 anos.

           

          Todos os outros blocos congêneres ao Ilê - Malê, Olodum, Ara Ketu, Muzenza, etc - mudaram seus perfis e admitem nos seus quadros a diversidade étnica e cultural. Destes, o que mais se destaca no plano internacional é o Olodum, graças às bases que implantou na Europa e nos Estados Unidos e a linguagem contemporânea que adotou. De Michael Jackson a série Ó Pai Ó a marca do Olodum está presente. Essas entidades também diversificaram suas ações culturais e sociais, inicialmente sustentadas no Carnaval, e agora durante todo o ano com trabalhos educativos e de formação para a vida profissional.


           Digamos que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, desejasse sair no Carnaval de Salvador. Na proposição inicialmente divulgada pela direção do Ilê ele teria que desfilar no "Eu Também Sou Ilê" porque, sendo filho de mãe branca e pai negro, não teria chances de subir a ladeira do Curuzu com o bloco mãe, salvo como acompanhante ou participante da cerimônia na casa da mãe Hilda. E se um descendente de tupinambá, filho do solo, desejasse também fazer o mesmo, teria o mesmo caminho.


            Essa discussão chega em boa hora. Em artigo anterior, nesse mesmo espaço, disse que a comunidade negra havia conquistado níveis de consciência quase plenos de sua identidade e valoração, faltando, agora, avançar em novas conquistas. E o Ilê, se abrir suas portas para todos, daria um bom exemplo de que seu nível de consciência está mais contemporâneo, antenado com o mundo atual.