Cultura

QUER SABER POR QUE NETO RETOU? LEIA O LIVRO, POR MARCO GAVAZZA

Vide

| 25/11/2009 às 08:20
Duas visões emtre o que está no livro e o que se mostra na tela do cinema
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Porque é tão comum a gente sair do cinema dizendo: "Gostei mais do livro."?  Quase sempre o livro supera o filme para contar a mesma história, embora este possua todos os recursos que conhecemos e naquele, como diz o escritor-personagem de Harvey Keitel em De Encontro Com O Amor, "tudo se resume a arrumar as letras de forma diferente". 


São raras as exceções e no momento a única que me vem à cabeça é O Nome da Rosa. O livro de Umberto Eco, como todos os seus outros livros, exige idas e vindas constantes de raciocínio para acompanhar a história ou a idéia central. Afinal, o homem é um semiólogo.  Já o filme é extraordinário, objetivo e com direito a dois momentos históricos do cinema: a atuação de Sean Connery como o monge e a cena do seu seminarista sendo iniciado sexualmente por uma aldeã na cozinha do mosteiro, sobre sacos de batatas.  Por favor, não pensem os meus raros leitores que sou um degenerado, porém depois daquela cena, nunca mais pude ver um saco de batatas sem ter pensamentos eróticos. Sei que é estranho, mas admitam que tem lógica.


Voltando ao assunto, quase sempre achamos o livro melhor que o filme. O Código da Vinci é um exemplo irretocável. Quando lemos o livro, pensamos imediatamente: "Isso dá um belo filme." Esperamos um ano para finalmente ver o filme com Tom Hanks fazendo papel de bobo sem saber direito o que está acontecendo ali, entre cenários grandiosos, esmagado por atuações superiores dos seus coadjuvantes e seguindo um roteiro que luta contra o tempo.  Com Anjos e Demônios foi pior ainda. 


Acho que é simples. O livro não tem intermediário. O pensamento do autor vai direto para as páginas impressas e o resto é com nossa imaginação. Já nos filmes todo mundo mete a mão. A partir do produtor -que assina o cheque preocupado com o retorno financeiro- até quando o filme chega à tela, mexe na história o roteirista, o autor, o diretor, o consultores, o ator, a atriz, o editor e por aí vai.  Por isso filmes que possuem roteiros criados diretamente para o cinema e não adaptados de livros, sempre são melhores.


Em propaganda acontece a mesma coisa. Entre a idéia que surge na cabeça do profissional de criação e o que finalmente vai para a telinha (ou para o rádio, os jornais, revistas, outdoors, internet etc.) há uma distância incrível.  Às vezes alguém olha um comercial ou um anúncio e comenta: "Como é que se pode gastar dinheiro para fazer uma coisa tão ruim?" O que a pessoa não sabe é que provavelmente aquilo não nasceu ruim. Foi ficando aos poucos.  


A partir do cliente, que entende ser o fato de estar pagando uma espécie de pós-graduação em propaganda, até o estagiário que trouxe de casa uma sugestão oferecida à distância pelo pai, mãe ou irmão, todo mundo interfere no que foi criado. É evidente que existe a necessidade de uma direção de criação, caso contrário coisas sem qualquer sentido poderiam ir ao ar.  Mas este controle nem sempre é técnico, nem sempre é impessoal e quase nunca é único.  Junto com a interferência profissional que serve para evitar erros, entram a vaidade, as demonstrações de alta criatividade e a exibição de autoridade. Quando estas coisas se misturam, a idéia original raramente resiste.  Mas ninguém fica sabendo.


A diferença entre as interferências no cinema e na propaganda é exatamente esta. Como em propaganda não existe "o livro" para o consumidor ler antes, ou seja, ninguém conhece o roteiro de um comercial ou o layout de um anúncio, além de quem está envolvido nele, o consumidor vê somente "o filme", aquilo que vai finalmente vai para a rua.  Ele assim não tem parâmetro de comparação.


Por isso quando a gente vê certas coisas na televisão, no rádio ou nas ruas, que são espantosamente ruins, não faz idéia dos caminhos que foram percorridos até se chegar àquele resultado terrível.  Ou seja, nem sempre a culpa é da propaganda.


Entretanto, existe uma outra diferença nas conseqüências das interferências no cinema e na propaganda. É que o cinema, na maioria das vezes trata da fantasia e da ficção, mesmo quando mistura tudo isso com a realidade, como em Titanic. Mas a propaganda necessária e obrigatoriamente trata da realidade.  Pior: da realidade posta à venda. 


Desta forma as interferências durante o processo de transformação da criação em produto final, afastando-se do original -no cinema- correm apenas o risco de desagradar quem leu o livro.  Já na propaganda, quanto mais ela se distancia da realidade, seja por "palpites" espontâneos ou intencionais, ou o resultado final fica muito ruim ou então -o que é mais grave- fica mentiroso e o prejuízo é bem maior.


Quando a gente vê diversos cartazes (busdoors, defensas etc.) espalhados pela cidade informando que "Neto Retou" está vendo provavelmente o resultado de interferências diretas do anunciante que com certeza "sabe" exatamente porque a campanha ou o comercial dele deve ser assim. Só ele sabe, mas ninguém pensa nisso na hora de opinar. Especialmente quando se é um opinante com poder de decisão.  Pessoalmente não creio que interesse a muita gente saber quem é Neto e muito menos porque ele retou.  Mas se Neto acha isso importante e é ele quem paga, será assim, mesmo que não traga qualquer resultado.  


A gente vê aquilo na rua e fica se perguntando por que a propaganda é uma profissão tão cheia de badalação, salários (alguns) milionários, charme indiscreto e egos transbordantes. Para fazer essas coisas?  Mas ninguém não sabe o que está por trás "daquilo" nem que caminhos foram percorridos até se chegar "àquilo".  Releve.   Deixe que Neto se rete sozinho e fique em paz.


Porém, quando as interferências buscam conscientemente aproximar a propaganda do sonho e da ficção, deixando a realidade em segundo plano, aí fica mais grave, porque alguma coisa você sairá perdendo.  Então é bom v. se retar e tomar providências.


As vezes você vê na televisão o comercial daquele carro supereconômico, que transporta cinco passageiros com todo conforto e é baratíssimo; quando está vendo na realidade o comercial é de um carrinho apertado onde se espremem três adultos e uma criança, consome combustível como carro americano e custa a metade de um apartamento.  


Ou você vê o comercial de uma grande obra que custou milhões de reais ao poder público, com nossos impostos, para facilitar a vida de todo o país, quando na verdade está vendo algumas cartas de intenções que foram assinadas e não significarão coisa alguma durante décadas.  São comerciais que se afastaram da realidade, seja por interferências casuais ou intencionais.


Para você, comprar este carro ou esperar que a obra pública melhore sua vida significa que mais cedo ou mais tarde -ao contrário do que acontece na saída do cinema- estará fatalmente comentando: "Gostei mais do filme".