Hitler não era burro. Ficou depois, quando ignorou que não dava pra engolir a Europa de um gole só, após anos de batalhas furiosas, resistências monumentais e com suas forças armadas precisando ao menos de um feriadão em Salvador pra recompor as energias. Mas isso é outra história.
Antes de ficar burro, Hitler percebeu que era fundamental recuperar o orgulho alemão, abalado por uma inflação estratosférica e com a maioria da população vivendo na linha da pobreza extrema. Para esta operação ele lançou mão da propaganda. O Nacional Socialismo foi tratado como uma empresa do ponto de vista da comunicação. A suástica e a marca da SS são trabalhos de um belo design ainda hoje, mesmo com o tempo pesando sobre elas.
O desenho das fardas militares também foi algo pensado e a hierarquia definida em cores (o comando do Reich usava uniformes cinza com sobretudos pretos e quepes vermelhos, a SS uniformes totalmente pretos, os primeiros escalões das três armas uniformes verde, daí pra baixo marrom escuro e assim por diante) significava uma identificação à distância do nível da autoridade. Todo o partido recebeu um tratamento gráfico e programação visual que incluía desde o tratamento da fachada dos grandes centros de comando até os caminhões de transporte de soldados.
Além da identidade corporativa, Goebbels cuidou de divulgar panfletos, cartazes e principalmente filmes, em que o heroísmo do soldado alemão e as constantes vitórias sobre o inimigo eram exaltadas ao limite. Ele vivia à cata de heróis em combate para transformá-los em "garotos propaganda" de um regime vitorioso, lavando a alma do povo germânico ao mostrar sua superioridade ao mundo.
Antes disso tudo, muito antes mesmo, os romanos também lançaram mãos de recursos de comunicação para conquistar, dominar e manter dominados os territórios que formavam o Império Romano. A proposta alí era outra: mostrar aos conquistados que era motivo de orgulho passar a ser um cidadão romano.
Asterix e sua turma não acreditaram nisso, mas foi apenas uma magnífica fantasia da exceção. A enorme maioria aceitou e gostou. Até Cleópatra achou que ser Imperatriz de Roma tinha mais charme que Rainha do Egito. Deu-se mal, mas foi lá tentar.
Estes dois exemplos históricos mostram a propaganda política em ação, porém em um cenário específico: a guerra, onde a propaganda servia para motivar os combatentes e acalmar os derrotados. E fora da guerra, pra que serve a propaganda política?
Eu sou o futuro do mundo/sou a esperança da minha Nação/ Sou o povo do amanhã, sou a nova inspiração/ Por favor/ deixe que haja para você e para mim/ um amanhã/ Se todos concordarmos/ haverá uma bela harmonia
Prometa-nos um amanhã/ e construiremos um mundo melhor.
Se você achou que estes versos são de algum jingle de um candidato a um cargo político, tem todas as razões para ter chegado a esta conclusão. Eles são uma mensagem de esperança, força e união em busca de um objetivo, usando as crianças como agentes do futuro melhor, do mundo melhor.
Mas isso aí é a letra de um jingle da Coca-Cola, criado no final da década de 80, para conseguir sair do fracasso que foi o lançamento da New Coke, uma tentativa precipitada de atender um mercado diet então quase inexistente.
A propaganda política (que não é usada com a mesma intensidade em tempos de guerra) tem hoje a mesma missão: elevar a aceitação de um "produto" e tentar corrigir seus erros. O produto aqui é o político, o partido, o mandato. Estes usam a propaganda para mostrar que são competentes, que são honestos que estão trabalhando pelo povo e que merecem ser re-eleitos ou eleitos para um cargo mais alto; embora a mídia geralmente insista em mostrar exatamente o contrário. Mas a mídia, sabemos todos, gosta de contrariar.
Por aí segue a propaganda política ou eleitoral, conseguindo bons resultados para seus clientes, embora as variáveis que levam ao resultado final, revelado pelas urnas, sejam imensas e nem sempre controláveis. Ainda assim, na maioria das vezes, dá certo. Temos exemplos emblemáticos, como a campanha Muda Brasil, Tancredo Já, que conseguiu alterar a configuração da república brasileira naquele momento, onde não havia o voto direto e ainda assim venceu quem o povo queria. Temos a campanha de Fernando Collor, o "caçador de marajás" e protetor dos "descamisados" que saiu do zero para o 35 milhões de votos em um semestre. Temos a(s) campanha(s) do "Lula-lá" que deu mais trabalho, porém chegou lá.
Ao se transformar em produto, um homem público precisa apresentar um conjunto de qualidades que o destaque entre a "concorrência" além da promessa de benefícios que despertem no consumidor -os eleitores- o desejo real de ter aquele produto. Assim como a gente fica morrendo de vontade de ter uma Ferrari em vez do nosso Totalflex 1.0. básico. A maioria dos candidatos/produtos faz isso com habilidade, ajudado por profissionais da maior competência e acaba por conseguir o seu objetivo que é a eleição.
A partir daí é que começa a complicação. Eleito, o candidato deixa de ser produto e volta a ser um cidadão comum, com um cargo público. Mas seus eleitores continuam vendo-o como produto e esperando que ele faça tudo que a propaganda dizia que ele iria fazer. Como raramente isso acontece, o ex-produto e ex-candidato, agora prefeito, deputado, governador, senador ou presidente, passa a ser uma New Coke, precisando de um esforço descomunal para se posicionar novamente junto aos seus eleitores, como um produto ainda funcional e com tempo de validade para novas conquistas eleitorais.
Como a propaganda possui recursos que surpreendem até o capeta, algumas vezes dá certo, antes que o produto apresente sinais evidentes de fadiga ou defasagem com a realidade. Aí ele vira um Sarney e fica se segurando de qualquer forma nas prateleiras sem que ninguém mais o compre. Mas, bem ou mal, com uma carreira feita. A propaganda então, discretamente, sai de cena.