Cultura

A OBRA DE HÉLIO OITICICA E A PRESERVAÇÃO DA ARTE, POR LIGIA AGUIAR

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| 06/11/2009 às 12:00
Caetano na época da Tropicália usando um dos parangolés de Oiticica
Foto:
  Lamentável o incêndio que destruiu grande parte do acervo deixado pelo artista plástico Hélio Oiticica, morto em 1980, aos 43 anos de idade.


  Eram mais de mil obras mantidas na reserva técnica, localizada em um dos andares da casa no Rio de Janeiro, onde mora César Oiticica, irmão do artista e guardião das obras, que eram avaliadas em R$100 milhões.


  É sem dúvidas a maior tragédia envolvendo as artes plásticas no Brasil.


  Os Parangolés, espécie de capa confeccionada em algodão, foram totalmente destruídos. Os Bólides, objetos que marcam o início das grandes instalações desenvolvidas pelo artista, como Tropicália e os Penetráveis, podem ser restaurados.


  As pinturas, pouco conhecidas do público, foram também totalmente destruídas, mas cerca de 500 desenhos, como a série Metaesquemas foram salvos.


  Como Hélio era muito cuidadoso com tudo que ele produzia, deixou muitos manuscritos e esquemas de todos os seus projetos, podendo ser facilmente reproduzidos.


  Hélio Oiticica, um dos artistas mais inventivos e audaciosos é um personagem importantíssimo para se entender a arte contemporânea, e um dos expoentes do movimento Neoconcreto, juntamente com Ferreira Gullar, Lygia Clark, Lygia Pape, Cildo Meireles, Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Aloísio Carvão, entre outros.


  Hoje, o Neoconcretismo, importante movimento de vanguarda surgido no Rio de Janeiro em 1959, como reação ao Concretismo ortodoxo, rompeu fronteiras e é reconhecido internacionalmente.


  É uma pena que o legado de um artista desse porte, tão significativo para a história da arte, seja objeto de disputa. Com esse incidente levanta-se a discussão sobre como preservar a memória cultural de um país, e fica bem claro o problema que envolve o direito autoral e a difícil relação entre o público e o privado.


  Apesar de existir desde 1996, o Centro Municipal Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro, com cerca de dois mil metros quadrados, realiza somente algumas exposições temporárias, mas poderia abrigar todo o conjunto artístico, caso o impasse entre os herdeiros de Hélio e a Prefeitura encontrem a melhor forma de resolver essa questão. O município está disposto a receber o acervo em comodato, e de arcar com toda a responsabilidade pela sua preservação, pesquisa e divulgação.


  Os herdeiros de Oiticica interromperam, em abril deste ano, a exposição do artista no Centro de Arte Hélio Oiticica, que ficaria em cartaz até junho, e retiraram todas obras mantidas na reserva técnica do espaço. Alegaram que deveriam receber em janeiro a segunda parcela de R$ 276 mil, como haviam acordado com os responsáveis pelo Centro.


   Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, que coordena o Centro, o atraso do pagamento se deu pela mudança de gestão, que de início gerou uma auditoria interna.


  No entanto, as obras estão sendo vendidas para o exterior, como por exemplo a instalação Tropicália, que inspirou o movimento Tropicalista (1960/70), está no Tate Modern, em Londres, assim como mais sete trabalhos do artista. Em Nova York o MOMA, Museu de Arte Moderna, adquiriu 12 trabalhos


 Essas atitudes sempre acontecem quando envolve, entre as partes, interesse financeiro.


  Recentemente tivemos um caso bem parecido como este, aqui em Salvador: a família do escritor Jorge Amado não conseguiu se  entender com o Estado, e com isso a Bahia, perdeu o direito de deter todo o acervo, que foi leiloado  pela família.


  Assim foi com outros artistas, como o baiano  Rubem Valentim que viveu maior parte da sua vida  em Brasília, e ao desaparecer, os herdeiros também não conseguiram entrar em acordo com o governo de Brasília, deixando o acervo dividido entre várias cidades.


  Assim está sendo com o legado da artista Lygia Clark e de Lygia Pape, de posse das famílias, sem nenhum resultado concreto para a preservação da suas histórias artísticas.


  Um fato curioso se deu com os herdeiros de Carlos Drumond de Andrade. Após a morte de Drumond, qualquer citação da obra do escritor, a família exigia que se pagasse direito autoral, com isso, principalmente os canais de comunicação deixaram de mencionar qualquer fato que tivesse relação com Drumond. Quando eles sentiram que as portas fecharam, e que o nome do grande poeta tendia a desaparecer, rapidamente decidiram entrar em acordo.


  Abre-se novamente a ferida que afeta o público e o privado, sem solução, para manter viva a história recente da arte brasileira, hoje revista pelo tradicional e hermético eixo Europa-Estados Unidos, abrindo espaço para vários movimentos e artistas individuais, antes ignorados.


  Com isso, outras questões começam a aparecer, como a fragmentação desses acervos, tão essenciais para contar a história da arte brasileira, em seu local de origem.


  Sábios foram os escultores Rodin e Franz kracjberg, que ainda em vida doaram toda sua obra para o Estado. Um ano após a morte de Rodin, o governo Francês abriu o  Museu Rodin, em Paris, para o público, onde é mantido até os dias de hoje.


  Franz kracjberg, amarga, ainda em vida, os trâmites da burocracia estatal, mas sairá de cena com a certeza que a sua contribuição para a arte contemporânea e o meio ambiente, será recompensada pelo entendimento das suas obras, pelas gerações futuras. Acredito.


  Para acabar com esses tipos de polêmicas e disputas os artistas notáveis deveriam, ainda em vida, decidir o melhor local para abrigar o seu acervo e deixar já acordados os processos legais para a sua segurança, preservação e divulgação. Assim impedirá que o seu legado seja objeto de especulação, como se fosse uma mera mercadoria.


Hélio Oiticica - Biografia


Hélio Oiticica (Rio de Janeiro 1937-1980). Artista performático, pintor e escultor. Inicia, com o irmão César Oiticica, estudos de pintura e desenho com Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ, em 1954. Nesse ano, escreve seu primeiro texto sobre artes plásticas; a partir daí o registro escrito de reflexões sobre arte e sua produção torna-se um hábito. Participa do Grupo Frente em 1955 e 1956 e, em 1959, passa a integrar o Grupo Neoconcreto.


Abandona os trabalhos bidimensionais e cria relevos espaciais, bólides, capas, estandartes, tendas e penetráveis. Em 1964, começa a fazer as chamadas Manifestações Ambientais. Na abertura da mostra Opinião 65, no MAM/RJ, protesta quando seus amigos integrantes da escola de samba Mangueira são impedidos de entrar, e é expulso do museu. Realiza, então, uma manifestação coletiva em frente ao museu, na qual os Parangolés são vestidos pelos amigos sambistas.


Participa das mostras Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira, apresentando, nesta última, a manifestação ambiental Tropicália. Em 1968, realiza no Aterro do Flamengo a manifestação coletiva Apocalipopótese, da qual fazem parte seus Parangolés e os Ovos, de Lygia Pape.


Em 1969, realiza na Whitechapel Gallery, em Londres, o que chama de Whitechapel Experience, apresentando o projeto Éden. Vive em Nova York na maior parte da década de 1970, período no qual é bolsista da Fundação Guggenheim e participa da mostra Information, no Museum of Modern Art - MoMA.


 Retorna ao Brasil em 1978. Após seu falecimento, é criado, em 1981, no Rio de Janeiro o Projeto Hélio Oiticica, destinado a preservar, analisar e divulgar sua obra, dirigido por Lygia Pape, Luciano Figueiredo e Waly Salomão.


Entre 1992 e 1997, o Projeto HO realiza grande mostra retrospectiva, que é apresentada nas cidades de Roterdã, Paris, Barcelona, Lisboa, Mineápolis e Rio de Janeiro. Em 1996, a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro funda o Centro de Artes Hélio Oiticica, para abrigar todo o acervo do artista e colocá-lo à disposição do público.