Cultura

A PROPAGANDA, A MÚSICA E A MEMÓRIA, POR MARCO GAVAZZA

Veja
| 28/10/2009 às 07:13
Melhoral, Melhoral, é melhor e não faz mal - velhos tempos da medicina e propaganda
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Alguns jingles, assinaturas ou vinhetas musicais se fixam para sempre em nossas mentes e décadas depois de saídos do ar ainda "puxam" uma série de memórias relacionadas à época.  Querem ver?


"Melhoral, Melhoral, é melhor e não faz mal".


Melhoral é do tempo em que a maioria dos males da saúde eram curados em casa mesmo, com chás, pomadas, remédios caseiros ou outras receitas e quando eram mais resistentes, para  resolve-los existiam os médicos da família.  Eles chegavam com mágica maleta preta que só era aberta depois de um minucioso exame visual e tátil do enfermo, o que muitas vezes já era suficiente para um diagnóstico.
 
Depois, um estetoscópio aqui, um termômetro ali e todos respiravam aliviados. Servia-se um lanche ao "doutor" e estava tudo resolvido. Se houvesse a necessidade de exames de laboratório, a família entrava em alerta laranja. A coisa era séria. Mas havia hospitais e maternidades públicos que atendiam a maioria da população. Apenas os ricos se davam ao luxo de tratar seus males em hospitais particulares. Ir visitar alguém em um deles era quase um programa social. 

Envergava-se a melhor roupa, compravam-se frutas ou flores para o paciente e ia-se àquele lugar vasto, brilhante e silencioso, onde geralmente freiras deslizavam a três ou quatro centímetros acima do chão, sorrindo mecanicamente.  Hoje são os médicos que sorriem mecanicamente, por atrás de suas escrivaninhas, onde após perguntar o que estamos sentindo, sacam um bloco de papel timbrado e pedem exames dos mais inusitados, geralmente sem sequer tocar no coitado do enfermo. Depois dos exames eles usam um software e chegam a um diagnóstico, receitando então remédios de preços sempre altíssimos.  Se der certo, sorte nossa.


"No ar, mais um Caravelle da Cruzeiro do Sul, a bordo tudo azul".  


O Caravelle foi o primeiro jato puro a voar no Brasil, pela empresa aérea Cruzeiro do Sul, por volta de 1970. Possuía duas turbinas na parte traseira, acopladas aos profundores e leme. Transportava menos de 100 passageiros em apenas duas fileiras de poltronas com duas delas em cada. Igual aos ônibus até hoje.  Tempos depois a Cruzeiro do Sul foi comprada pela Varig e foi com sua marca na fuselagem que um Caravelle fez um pouso terrível num campo de cebolas, a menos de 5 km da cabeceira da pista de Orly, em Paris.

A bordo 95 passageiros mortos envenenados e na cabine de comando, toda a tripulação amontoada e respirando pelas janelas que ali, se abrem. A versão oficial é que a morte dos passageiros foi causada por fumaça tóxica gerada por um incêndio num dos banheiros do avião, provocado por um cigarro. Era permitido fumar à bordo na época. Mas ninguém aceitou totalmente este explicação, achando a outra -extra-oficial- de que o Caravelle transportava armas químicas no depósito de bagagens e que algo teria provocado um vazamento, muito mais lógica.  Não existem mais Caravelles, Cruzeiro do Sul, Varig, nem ditadura militar.  Já aviões com marca de empresas brasileiras seguem caindo por aí.



"O tempo passa, o tempo voa e a Poupança Bamerindus continua numa boa".


Um trio de cantores entoava este refrão em diversas situações, apresentando a Caderneta de Poupança Bamerindus como a melhor opção de investimento popular. A situação econômica do país era sempre instável, mas a poupança era considerada sagrada, mesmo depois de profanada por Collor e sua sacerdotisa Zélia Cardoso, que depois casou com Chico Anísio, provando que este é mesmo um eterno piadista. A caderneta de poupança ainda existe, mas rende algo próximo do nada, para quem ainda consegue guardar alguns tostões ao final do ordenado. O Bamerindus comprou o Banco Econômico e depois foi comprado pelo Banco Real que por sua vez foi comprado pelo HSBC.  

Ou será que foi o contrário? Não sei. Na verdade acho que não foi nada disso.  Mas a época era de uma compra e venda voraz de bancos e perdemos até o Baneb, banco estadual baiano, para o Bradesco.  O fato é que o Bamerindus não existe mais e a poupança -na real- também não.  Mas os bancos não cansam de encontrar formas de nos convencer a entregar nosso dinheirinho aos seus cuidados, cobrando taxas sobre qualquer coisa que depois a gente decida fazer com ele. Ainda assim o Banco do Brasil insista em dizer que ele é meu, seu, nosso. Estou aguardando o dia em que os bancos passarão a cobrar ingressos para entrada em suas agências. 


"Veja o Brasil no pára-brisa, veja o Brasil num Chevrolet."


A Chevrolet saia na frente da modernização da indústria de montagem de automóveis -não temos uma marca nacional até hoje- no Brasil, lançando o Chevette.  Antes dele o que rodava pelas ruas brasileiras com a marca GM eram várias versões do Opel, aqui batizado como Opala.  A Petrobras não era uma das maiores multinacionais do planeta e por isso a gasolina era farta e barata. Deveria ser ao contrário, mas a gente não entende nada de economia, portanto fiquemos quietos. 

Opalas Comodoro deslizavam por aí com motores de seis cilindros e 4.0 de cilindradas, queimando um litro de gasolina a cada quatro ou cinco quilômetros. Quem se importava com isso?  Mas os árabes já estavam prontos para tornar o preço do barril de petróleo uma arma e todos passaram  a produzir carros econômicos.  Para reduzir mais os efeitos da crise anunciada, inventamos o álcool combustível e o adesivo "Carro a álcool: você ainda vai empurrar um".  

 E a Chevrolet seguia liderando vendas e sugerindo que enfrentássemos as temíveis estradas brasileiras. Já a Ford insistia em manter o Corcel, respirando por aparelhos, enquanto a Volkswagen lançava o Brasília, talvez o primeiro e único carro no mundo a ter o motor dentro do compartimento de passageiros.  Tínhamos que conviver com o barulho do motor no pé do ouvido e com o cheiro de gasolina queimada odorizando o ambiente. Em compensação, se o carro quebrasse era só virar pra trás e dar uma olhada no motor.  Se fosse coisa simples dava pra consertar sem sair do carro. Meu Deus.  Como já sofremos neste país.  Mas o jingle Veja o Brasil num Chevrolet, de Sá, Rodrix e Guarabira, era uma canção lindíssima.  


"Plim-plim".


Talvez o Brasil seja o campo mais fértil para os jingles produzirem resultados. A nossa musicalidade deve ajudar bastante nisso.  Seguimos até hoje tendo exemplares magníficos de assinaturas musicais, vinhetas e jingles.  Talvez mais pra frente, lá no futuro, as lembranças que eles ressuscitem sejam melhores que estas poucas mostradas aqui. Ou piores, não dá pra prever.  Mas sem dúvida alguma sempre haverá alguém que diga: "Você lembra daquele jingle? Bons tempos, hein?".