Cultura

A DIFÍCIL MISSÃO DE POSTAR UM OUTDOOR CRIATIVO, POR MARCO GAVAZZA

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| 21/10/2009 às 10:27
Muita iformação em outdoor só atrapalha a compreensão do leitor
Foto: Arquivo


Entre as centenas de ferramentas utilizadas pela propaganda para dar o seu recado, considero o outdoor a mais difícil do ponto de vista da criação. Seus 27 m2 representam um enorme espaço disponível, mas o que nele é colocado precisa ser visualizado, entendido e convincente em pouco tempo.  O outdoor é direcionado em 90% de sua potencialidade a quem passa em deslocamento rápido, seja de carro, ônibus ou moto,  salvo é claro, as situações de engarrafamentos. Mas ninguém cria um outdoor pensando em engarrafamentos, momento inclusive em que os motoristas geralmente estão de péssimo humor e acham ruim qualquer coisa que se lhes ofereçam.  


Em Londres fizeram um outdoor, em Chelsea, com um longuíssimo texto falando sobre o comportamento correto no trânsito, para evitar exatamente o engarrafamento crônico no local onde ele foi colado. Dava para cada motorista ler umas três vezes. Mas é uma exceção. Para vender  apartamento, curso universitário ou suco, tem que ser direto, objetivo e claro para quem passa on board  poder entender.


Dificilmente um pedestre gruda o seu olhar num outdoor. Seu horizonte geralmente está na linha dos próprios olhos e daí para baixo, atento ao lugar em que pisa.  O outdoor, sem possuir recursos de movimento ou som, salvo algumas traquitanas que aparecem de vez em quando, por tudo isso precisa ser extremamente direto e objetivo.


Nas últimas semanas escapei de provocar alguns acidentes no trânsito tentando entender o que pretendia me informar um outdoor que andava colado por aí.  O título que mais se destacava na mensagem dizia: "A saúde para os médicos é uma grande receita".  Não consigui ler algum complemento que desse um outro sentido à frase, provocando uma surpresa ou uma conceituação impactante. Assim, fiquei com as duas leituras possíveis da mensagem principal: "Para os médicos, a saúde dá uma grana legal".  Ou então:  "Para os médicos a saúde se resolve com muito remédio".  


Se estas eram as únicas leituras existentes, temos aí uma peça publicitária que ataca de frente a classe médica, o que seria no mínimo esquisito. Não que a classe seja inatacável, mas porque o fórum para esta discussão é outro. Pior: o outdoor ao que me parece, é assinado por uma empresa de seguros. Nem isso deu pra ver claramente. Aí tudo vira um completo mistério.  O outdoor era dirigido apenas à classe médica, informando que vale a pena cadastrar-se no tal plano de seguro-saúde?  Se era, foi dinheiro jogado fora, pois o marketing direto via e-mail funcionaria muito mais verticalmente e por um custo muito menor.


De qualquer forma, este outdoor a que me refiro é apenas um exemplo de como o meio vem sendo usado de forma inadequada pela propaganda baiana. Algumas exceções existem e de vez em quando nos brindam com peças magníficas. Porém a enorme maioria é de um primarismo incompreensível. 


Outdoors de festas e/ou shows carregam tanta informação que mesmo se fossem um folheto distribuído nos sinais de trânsito daria trabalho para ler.  Os de cursos universitários ou escolas de nível médio fazem questão de serem filosóficos, construindo títulos repletos de malabarismos semânticos que mostrem a "inteligência" de quem assina a peça.  Os de imóveis são todos iguais. A fachada do empreendimento, o local, o preço em destaque, a quantidade de quartos, uma família feliz. Sempre. Em tese estão corretos, mas em função da semelhança com tantos outros de tantos diferentes empreendimentos, se perdem em sua função de destacar o que está sendo anunciado.


Onde foram parar os surpreendentes outdoors do COT?  Ou  os impactantes do Olodum? Ou os bem humorados do IRTE?  Ou os marcantes do Detran?  Cadê novas genialidades como "Matrículas Fechadas" do Ballet Rosana Abubakir? Apenas duas palavras para passar todo um conceito de preferência e por extensão, qualidade. Sumiram.


Não se pode creditar a queda de qualidade dos outdoors baianos apenas aos criativos das agências de propaganda. Esta queda na verdade faz parte de um conjunto de fatores que vem influenciando a propaganda baiana já há algum tempo. Um deles é que na prática a gestão da propaganda saiu das mãos das agências para as mãos dos próprios anunciantes.  Poucas agências em Salvador possuem hoje o privilégio de terem clientes que nelas confiem plenamente.


Todos os anunciantes passaram a se considerar publicitários, a partir do momento -anos trás- em que descobriram o quanto algumas agências faturavam em cima dos trabalhos desenvolvidos para eles. Overprice, comissões de produção muito acima das tabelas existentes, custos de criação estratosféricos, descontos de veículos não repassados para o anunciante e outras práticas pouco recomendáveis.  Com isto os clientes passaram a tratar as agências na corda curta, interferindo em todo o processo, desde a construção do briefing até a emissão da nota fiscal, o que levou inevitavelmente à interferência também na criação.


Só pra dar uma idéia de como trabalham agências menos sedentas, a J.W.T por muito tempo -não sei se até hoje o faz- descontava dos honorários que tinha a receber, o custo de veiculação da sua assinatura nos anúncios de jornal e revista.  Aquele espaço mínimo onde colocava sua identificação, era medido, calculado o seu valor de mídia e deduzido da fatura contra o anunciante. Também para se ter idéia de como, em função desta postura das agências, os clientes as respeitavam, vi pessoalmente (desculpem a redundância)  um cliente, diretor da Nestlé, após assistir a apresentação de uma campanha para a água mineral Minalba dizer: "Eu não gosto, mas se vocês acham que vai vender meu produto, podem produzir".


Como o que aconteceu por aqui foi muito diferente destes exemplos, os anunciantes resolveram tomar as rédeas do negócio da propaganda e passaram a ser os verdadeiros "diretores" da maioria das agências. Estas por sua vez cederam, concluindo que seria melhor deixar irem-se os anéis e preservar os dedos.  Hoje, grande parte dos clientes de diversas agências baianas ditam suas vontades nos textos, nos layouts, nos planos de mídia, nas fotos, enfim, em todas as fases do desenvolvimento de uma campanha publicitária. Brincam de fazer propaganda com o próprio dinheiro, transformando muitas agências em escritórios executores de suas idéias.


Como eles, os anunciantes, podem entender de pães, escolas, eletrodomésticos, apartamentos, automóveis etc. mas entendem quase nada de propaganda, o resultado é este que vai para o ar. Porque cisnes, quando desenhados por comitês, costumam ter a aparência final de rinocerontes.


Mas, como todo mundo meteu a colher na canjica, não existe responsabilidade direta pelo angu que resulta de tudo isso.  E vamos ao happy hour que ninguém é de ferro.