Cultura

GRANDE PARTE DO ACERVO DA OBRA DE HÉLIO OITICICA SE PREDE EM INCÊNDIO

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| 17/10/2009 às 20:01
Hélio Oiticica foi um dos maiores artistas plásticos do Brasil
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Grande parte do acervo de um dos maiores representantes do neoconcretismo brasileiro foi destruído no fim da noite desta sexta-feira. Um incêndio na casa da família do artista plástico carioca Hélio Oiticica, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio de Janeiro, atingiu a sala onde ficavam guardadas esculturas, pinturas e outras instalações revolucionárias do artista.


O pintor e arquiteto César Oiticica, irmão do artista morto em 1980 aos 42 anos, estima que 90% do acervo de 2 mil obras tenham sido danificados. "Perdemos cerca de 200 milhões de dólares, mas esse não é o valor principal, o valor em dinheiro não significa nada. É uma perda que o mundo inteiro irá lastimar. A cultura brasileira ficou ferida. Eu me sinto pessimamente", disse César, em entrevista à Rádio CBN.

Ainda não se sabe o que teria causado o incêndio iniciado no primeiro andar da casa. Segundo a família, os bombeiros do quartel do Humaitá demoraram para chegar e começar o combate ao fogo.


PARANGOLÉS

"Todos os parangolés foram queimados, os originais e as réplicas - talvez tenham sobrado algumas reproduções que o Hélio deu de presente para alguns amigos ao redor do mundo. Grande parte dos quadros foram destruídos também". César Oiticica, irmão do artista plástico Hélio Oiticica, contabiliza os estragos do incêndio que atingiu a casa da família nesta madrugada, onde estavam diversas obras do carioca, morto em 1980. 

Segundo César, o acervo não tinha seguro, e o prejuízo pode passar dos US$ 200 milhões. "Não tenho certeza do número físico de obras espalhados em todo o mundo, mas em termos de valor, 90% da produção de Hélio foi perdida", explica.

Apesar do incêndio, que aconteceu na noite desta sexta-feira (16) para sábado (17) na casa de César no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, nem todas as obras foram danificadas. "Os desenhos dele (Hélio) foram salvos - a hemeroteca onde eles estavam guardados não foi atingida pelas chamas".

O irmão também afirma que quase todo o corpo de obras produzido por Hélio foi registrado digitalmente, com fotografias e scanners, e que esse material também resistiu às chamas. 

Apesar de peças como os bólidos terem sido destruídas, exemplares da série permanecem seguros em museus como o Tate Modern em Londres, o MoMa em Nova York e o Malba em Buenos Aires. "Também estamos estudando que obras podem ser recuperadas, como o caso dos dobráveis, cuja estrutura parece ter resistido ao incêndio. Também temos a opção de construir réplicas para fins didáticos, para mostrar como eram certas obras - especialmente as instalações", conta César.



Penetráveis salvos


Entre as instalações que foram salvas estão os penetráveis, que ficaram em exposição neste ano no Centro de Arte Hélio Oiticica, no centro do Rio. A mostra terminou em agosto, mas o material foi mantido em uma sala especial do Centro.

"Estávamos preparando a nossa reserva para receber essas peças, e por isso deixamos elas lá". Após uma disputa com a Secretaria de Cultura sobre o pagamento da exposição, a mostra chegou a ser fechada para o público, mas acabou reaberta. A família de Oiticica havia retirado as obras restantes do artista do Centro de arte, e chegou a considerar o pedido da troca de nome do local.

"Cheguei a cogitar pedir a retirada do nome do Hélio do Centro. Achamos que a proposta atual não tem mais a ver com a proposta que pensamos inicialmente - não é uma crítica à política atual, mas só acho que não tem mais a ver com o que foi pensado. Cheguei a consultar um advogado na época, mas acho que agora temos coisas mais importantes com que nos preocupar", revela César. 


Ele conta que o incêndio também vai impossibilitar planos para novas exposições com a obra do artista. "Estávamos planejando uma exposição em 2010, antes do verão norte-americano no MoMa, outra exposição no Itaú Cultural e uma itinerante passando por todos os EUA e Europa para 2012. No momento todos esses eventos estão cancelados". 


Desumidificador


As obras da "reserva técnica" de Oiticica(obras que não estão em mãos dos colecionadores, nem em exposições permanentes), parte das quais foram expostas há dois anos em uma mostra especial organizada pelo museu Tate Modern, em Londres, eram mantidas em uma sala do primeiro andar da residência.

O fogo destruiu totalmente a sala-oficina que contava com sensores de umidade e temperatura, alarme anti-incêndio e diferentes dispositivos de segurança.

Segundo os familiares do artista, o incêndio começou por volta das 22h de sexta-feira (horário de Brasíia). Os bombeiros conseguiram controlá-lo três horas depois, antes de as chamas se expandirem para outras salas ou para o segundo andar da residência. 


O laudo investigando as causas do incêndio deve demorar até 30 dias para ser emitido, segundo os bombeiros. César diz desconfiar de um desumidificador, que poderia ter entrado em curto. "As luzes estavam apagadas e o ar condicionado fica ligado do lado de fora. Creio que foi um dos desumidificadores, que estava mais próximo de onde parece ter sido o início do fogo", especula.

O artista


Hélio Oiticica é um dos mais importantes artistas brasileiros das décadas de 50 em diante. Participou do movimento neoconcretista ao lado de nomes como Lígia Clarke, Amílcar de Castro e Ferreira Gullar.

Nascido no Rio de Janeiro, em 1937, Oiticica fez parte de seus estudos e teve obras expostas em âmbito internacional. Entre seus trabalhos mais conhecidos estão os parangolés (espécie de capas coloridas, arte para ser vestida) e penetráveis (instalações). É autor da conhecida frase "Seja marginal, seja herói", que escreveu em uma bandeira sobre a foto do bandido Cara de Cavalo morto publicada em um jornal carioca em 1968, durante a ditadura, e foi um dos grandes inspiradores do movimento tropicalista com sua obra "Tropicália".

De 1970 a 1978, Oiticica viveu em Nova York, onde participou da mostra Information, realizada pelo MoMA (Museu de Arte Moderna).

Em 1981, um ano após a sua morte - em 22 de março de 1980 -, foi criado no Rio de Janeiro o Projeto Hélio Oiticica, para preservar a obra do artista. A Secretaria municipal de Cultura do Rio criou o Centro de Artes Hélio Oiticica em 1996. Além de obras do acervo de Oiticica, o espaço promove exposições temporárias de artistas nacionais e estrangeiros.