Lá pelas décadas de 70/80 do século passado, Rodrigo Sá Menezes, presidente da então GFM/Propeg, defendia com unhas e dentes uma "regionalização" da propaganda. Fazia anúncios da agência mostrando que carpete em Recife era conhecido como alcatifa e que tangerina em São Paulo atendia pelo nome de mexirica. Por isso -achava ele- era indispensável que a propaganda fosse criada e veiculada de forma regional pelos grandes anunciantes nacionais pois só assim eles falariam a linguagem de cada mercado; embora eu nunca tenha visto uma campanha nacional de tangerinas nem de mexiricas. Em sua cruzada Rodrigo conseguiu até instituir em 1980 o Prêmio Caboré, patrocinado por Meio & Mensagem, para premiar campanhas que usassem linguagens regionais.
Daquele tempo até hoje, a Rede Globo integrou o país com sua malha de emissoras e programação ao vivo para todo território nacional. As novelas e telejornais se encarregaram de uniformizar em grande parte a linguagem brasileira. Duvido que ainda hoje alguém entre numa loja em Pernambuco e pergunte quanto custa o metro de alcatifa. Da mesma forma que há muito tempo não ouço, aqui em Salvador, alguém dizer que alguma coisa é porreta.
Depois veio a popularização do transporte aéreo e o incentivo ao turismo interno, fazendo com que as pessoas transitassem com mais freqüência pelo país, trocando experiências e conhecendo as características de outras regiões. Em seguida os celulares encurtaram ainda mais as distâncias. Você liga para aquela possibilidade de um fim de semana inesquecível e ouve do outro lado: Amor, não vai dar. Eu estou em Belo Horizonte. Morreu o fim de semana e você ainda vai pagar um interurbano que não estava programado.
Por fim, entrou em cena a internet e o Brasil ficou "destamaninho". Orkuts, e-mails, facebooks, you tube, msn, teleconferências, salas de chat, portais, blogs e finalmente o twitter possibilitam que cada um de nós tenha amigos e acesso a informações em qualquer parte do mundo. Mas estamos falando de Brasil e voltemos a ele, portanto.
As diferenças e características regionais ou culturais brasileiras permaneceram, mas a linguagem se horizontalizou. Não importa se o acompanhamento é fritas, lambreta ou torresminho. Todo mundo entende o que significa uma cerveja que desce redondo.
A feijoada sergipana continua como era, a feijoada carioca também, mas não é necessário um fogão sergipano ou um fogão carioca para fazê-las. As indústrias sabem que algumas diferenças existem e as levam em conta. Nos lotes de margarina destinados ao Nordeste elas são mais salgadas e amarelas. Biscoitos, mais tostados e mais doces. Automóveis tem suspensão mais reforçada e sistema de refrigeração mais potente. Mas em qualquer lugar do país margarina é margarina, biscoito é biscoito e carro é carro. Ou seja, falamos todos a mesma linguagem de consumo, mesmo que tenhamos expressões típicas para o dia a dia ou produtos regionais exclusivos e também típicos.
As agências de propaganda ampliaram suas áreas de atuação a partir da própria matriz, em função desta horizontalidade e do avanço nos sistemas de pesquisa. Já tivemos na Bahia filiais da Norton, da Denison, da Standard, quando as distâncias eram enormes e as diferenças pouco conhecidas. Isso acabou. Ninguém precisa de filial em Salvador para saber que -quase todos- gostamos de praia, axé, acarajé, candomblé, Senhor do Bonfim, Ivete, festa e feriado.
Agora ouço falar novamente em regionalização como uma solução mágica para a estagnação do mercado publicitário baiano. Uma espécie de Bolsa Família da propaganda fornecida por grandes anunciantes nacionais para agências locais com problemas de faturamento. É ingenuidade ou conformismo.
O piso escorregadio em que a propaganda baiana derrapa foi formado por dois fatores. O primeiro, quando a Bahia entrou em ponto morto. O desempenho da propaganda reflete o desempenho do mercado. Perdemos grandes empresas, grandes anunciantes, perdemos como destino turístico, não temos indústrias de bens de consumo final (até o leite de coco que compramos é fabricado em Sergipe), não temos investimentos do agronegócio que é quase 100% exportador e por aí vamos. A Bahia parou de crescer e o mercado publicitário freou junto.
Segundo, quando as agências, para manter e rentabilidade optaram por abrir mão da qualidade, reduzindo equipes, congelando salários, substituindo profissionais por iniciantes e usando outros recursos de gestão similares. Acontece que sem qualidade perde-se também competitividade. A Pejota teve nas mãos a conta da Embratur e faliu. A Link teve as contas do Ministério dos Transportes e dos Correios. Também faliu. Hoje, poucas agências baianas estão qualificadas para ir até outros mercados e voltar com um cliente na carteira.
Alex Periscinotto, ex-presidente da Almap, certa vez disse numa entrevista que ficava angustiado quando via diariamente, por volta das 7 da noite, todo o seu patrimônio descendo pelos elevadores. Ele conhecia as razões do sucesso de sua empresa, mas não tinha certeza se elas voltariam no dia seguinte.
Não sou peso-pesado da propaganda baiana, mas há uns 25 anos (passei uns 15 anos trabalhando em outros estados) assisto de dentro para fora suas mais surpreendentes performances. Na minha percepção, a propaganda baiana somente voltará a andar quando a Bahia voltar a crescer ou quando, a qualquer tempo, suas agências perceberem que o maior diferencial que elas podem possuir para competir no mercado, local ou não, é o talento.
Duvido muito que grandes anunciantes nacionais achem necessário regionalizar -e aumentar custos, é claro- suas verbas e se ainda assim o fizessem, sem qualquer hesitação, suas agências viriam cuidar disso. A ProBrasil Nordeste, filial da ProBrasil, foi criada e implantada aqui para atender a Ricardo Eletro desde que esta decidiu instalar-se na Bahia.
Será que Rodrigo Sá Menezes, se ainda fosse presidente da atual Propeg, que atende de forma extremamente competente a Insinuante com suas 233 lojas em 12 estados brasileiros, continuaria achando necessária a regionalização da verba publicitária deste seu cliente?