Cultura

JOGOS OLIMPÍCOS: O RECORDE DE OTIMISMO JÁ BATEMOS, POR MARCO GAVAZZA

VIDE
| 07/10/2009 às 00:27
Existirão campanhas publicitárias oficiais e outras oportunidades nesse segmento
Foto: Rafael Oliveira

Acho uma temeridade previsões sobre qualquer coisa por períodos superiores a uma semana, especialmente no Brasil. Estamos num formato sócio-economico mundial em que as coisas acontecem e "desacontecem" a cada minuto, à exceção -como sabiamente dizem os norte americanos- da morte e dos impostos.  Em 2016 o Rio poderá ser até mesmo uma cidade submersa, como prevê Chico Buarque de Hollanda em Futuros Amantes, a depender do Protocolo de Kyoto, da resistência das calotas polares e do humor nuclear da Coréia do Norte.


Assim, vejo com certo distanciamento essa empolgação nacional como esperança de uma vida melhor para todos os brasileiros, por ter o Brasil sido escolhido sede da Copa 2014 e das Olimpíadas 2016. Falta muito tempo e até lá teremos duas eleições para Presidente, Senadores, Governadores, Deputados Federais e Estaduais e mais duas para Prefeitos e Vereadores. Como a continuidade de projetos não é uma característica nossa, é possível que lá pra 2012 tudo que já esteja em andamento seja cancelado para dar lugar a novos projetos que levem a marca dos novos governantes. Ou seja, dinheiro em cima de dinheiro, vaidade em cima de vaidade e o povão por baixo de tudo isso.


Para falar a verdade, vejo mesmo é com preocupação estas escolhas, farejando uma inquietante similaridade entre a situação atual e o tricampeonato mundial de futebol em 1970, que mesmo distante do país, fez com que o governo do General Médici e seus assessores tentassem nos fazer esquecer completamente o gigantesco lamaçal econômico e social em que patinávamos.  Era o "milagre brasileiro" de Delfim Neto.


Acredito que a partir da sexta-feira passada, tudo que for planejado neste país, todos os centavos disponíveis, será em função destes dois eventos. Politicamente tudo será feito para tirar benefício das escolhas, surgindo dezenas de pais dos projetos e das ações estratégicas que levaram até elas. Assim como a Ford aqui em Camaçari tem incontáveis políticos "responsáveis" pela sua instalação.


Diversos órgãos públicos já foram criados para organizar tudo e milhares de gordos empregos  já estão sendo disputados avidamente, numa espécie de primeira prova olímpica: a corrida aos cargos.


E a educação, que não é modalidade olímpica? E a saúde para quem não vai entrar em campo nem disputar nada?  E as pensões dos aposentados que há muito deixaram de transpor obstáculos? E os grotões da pobreza no vastíssimo interior do Nordeste, onde uma piscina olímpica salvaria a vida de milhares de crianças?  E as estradas que não existem para ligar a agricultura familiar aos centros de distribuição e consumo? Sem dúvida continuarão olimpicamente esquecidos. 


As grandes cidades  brasileiras, que serão sedes ou sub-sedes dos eventos inegavelmente ganharão melhorias em sua estrutura urbana, além de poderem aproveitar o que for construído para os eventos, após sua realização, com finalidades locais. Mas pára por aí.  Ninguém vai investir milhões de dólares na construção de um hotel, por exemplo, para ficar lotado apenas durante um mês ou dois. Se as cidades não possuem um programa permanente de incentivo ao turismo e em cuidam do setor com a importância que ele tem, com Copa ou sem Copa, com Olimpíada ou sem ela, ninguém vai botar dinheiro ali.


Por outro lado, considero ingenuidade ou coisa pior dos cientistas políticos brasileiros (perdoem a minha presunção)  afirmarem categoricamente que estas duas escolhas terão influência nas eleições de 2010, 2012, 2014, como já se apregoa. Está certo que o eleitor brasileiro não é alguém extremamente consciente do ocorre nos bastidores dos partidos e das casas governamentais, mas também não é um idiota completo. O resultado das urnas, por mais surpreendente que possa parecer, sempre contêm um recado da sociedade.  Isso desde que os cariocas elegeram o rinoceronte Cacareco vereador, em 1959.


Agora, chegando finalmente ao nosso assunto, o mercado publicitário, este sem dúvida alguma ganhará algum bronze, com diversos de anunciantes tentando capitalizar um pouco da Copa e das Olimpíadas para si.  Porque a prata e o ouro já estão reservados para as multinacionais que normalmente bancam este porte de eventos.  Ou vocês acham que vai sobrar uma plaquinha sequer em um estádio para as Casas Bahia?  Os eventos são mundiais e a transmissão de suas etapas também. Só entra quem faz parte do time global. Ou você ficou sabendo de algum restaurante bacana que existe em Berlim, graças à sua propaganda na Copa de 2006?


Com um déficit considerável de leitos na rede hoteleira em todas as cidades sedes e sub-sedes dos dois eventos,  estas ficarão literalmente lotadas e todo o comércio, prestação de serviços, equipamentos de lazer etc. serão naturalmente demandados ao limite, sem a necessidade de qualquer esforço publicitário. Até carrinho de pastel terá o seu faturamento extra graças à população flutuante.


As empresas que formam o cluster do turismo também não sentirão necessidade de anunciar nada, pois hotéis, pousadas, linhas aéreas, ônibus interestaduais, tudo estará hiperlotado sem qualquer esforço de marketing.


Mas sempre existirão aqueles que se elegerão o refrigerante oficial da Copa, o boné oficial das Olimpíadas e por aí a fora, fazendo questão de anunciar isto como estratégia de fixação de marca e presença institucional.


Existirão concretamente -é claro- as campanhas publicitárias oficiais, sejam do Governo Federal ou dos Governos Estaduais, mas estas já tem dono e já começaram a ser produzidas.  Farão campanhas de orientação, de esclarecimentos, de conscientização. Farão campanhas veiculadas no exterior (apesar de inúteis)  convidando todo mundo a assistir Copa/Olimpíadas no Brasil.  Farão ainda, campanhas eleitorais tendo os eventos como conquistas decorrentes diretamente das ações políticas dos candidatos. E nada muito além disso.


Não sou o corvo empoleirado no alto da árvore esperando que tudo dê errado para dizer: Eu não avisei?.  Claro que fico feliz por termos sido o país escolhido para sediar estes eventos mundiais. Estaremos no centro das atenções do planeta num espaço de dois anos e acredito que por mais voltados para o próprio umbigo que sejam nossos políticos, alguma coisa farão por nossas cidades, até mesmo porque é uma exigência dos organismos internacionais que organizam os eventos.  Melhorias urbanas, de sistemas de transporte, de equipamentos esportivos deverão acontecer, porém beneficiando uma parcela muito pequena da sofrida população brasileira.


Hoje somos cerca de 100 milhões de brasileiros abaixo ou próximos da linha da pobreza. Não cabe tanta gente em nenhum podium do mundo.