Cultura

QUANDO A PROPAGANDA NÃO É A ALMA DOS NEGÓCIOS, POR MARCO GAVAZZA

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| 30/09/2009 às 09:00
O publicitário Nizan Guanaes que alia criatividade ao bom senso empresarial
Foto: Diário do Rio
 

Contam as biografias jornalísticas que o bilionário mexicano Carlos Slim, desde muito cedo demonstrou sua vocação para os negócios.  Nas festas que se realizavam com freqüência em sua casa -seu pai era um próspero empresário- Carlos, com oito ou dez anos, fazia grandes bandejas com doces e salgados e as levava para a rua, onde vendia tudo para colegas, amigos, passantes etc.


Quando Carlos já mais maduro anunciou que iria casar, seu pai o presenteou com um terreno num dos mais nobres bairros da cidade e um cheque para construir uma mansão digna do casal. Carlos simplesmente projetou e lançou no local um prédio com doze apartamentos. Vendeu onze com facilidade e ficou com um para morar.  Com a grana que ganhou, criou uma construtora, veio mais dinheiro e aí a história fica chata, repetitiva, pois é só dinheiro o tempo todo.


O que tem isso a ver com propaganda?  Não muito, mas a habilidade de Carlos Slim para os negócios me faz lembrar empresários de propaganda que na verdade são 90% negociantes e 10% publicitários. Se tanto.  São homens que se possuíssem não uma agência de propaganda, mas um salão de beleza estariam igualmente ricos, construindo a partir dos espelhos grandes negócios e lucros.


Aqui na Bahia o exemplo mais antigo que me ocorre é Milton Barbosa, detentor nos anos 60/70 da conta da Feira dos Tecidos e criador do varejo escandaloso que ainda hoje é praticado.  Milton pouco ou quase nada entendia de propaganda, mas era um sagaz negociante e habilíssimo vendedor da própria imagem. Organizava jantares em homenagem a ele mesmo, tendo alguém como padrinho e lá se apresentava para receber um diploma de alguma coisa que ninguém sabia ao certo o que era.  Como dinheiro não traz necessariamente bom gosto ou elegância, Milton era também capaz de comprar um Mercedes Benz 0 km amarela e mandar pintar quadrados pretos no capô, formando um surreal tabuleiro de xadrez a circular pela cidade.


Nesta linha dos 90% empresário+10% publicitário surgiram vários outros. Alguns acabaram gostando da propaganda, aprendendo suas manhas e tornando-se por fim grandes publicitários, como Sérgio Amado, que criou a imagem do "shopping da Bahia" para o Iguatemi e atualmente é presidente da Ogilvy para a América Latina.  Outros seguem até hoje entendendo o mínimo de propaganda, mas possuindo uma faro extraordinário para ganhar dinheiro com suas agências, aqui ou do outro lado do Atlântico.


Existem também os que fizeram o caminho inverso, para garantir a continuidade de suas empresas. O exemplo mais emblemático é Roberto Duailibi, um dos melhores redatores que a propaganda brasileira já teve -e tem- que montou em São Paulo a DPZ tendo como sócios Francesc Petit e José Zaragoza, dois diretores de arte. Vendo que seus sócios só pensavam em criar anúncios e ganhar prêmios, Duailibi largou a máquina de escrever e deixou correr o sangue turco em direção aos negócios, cuidando para que a DPZ fosse além de premiada e respeitada internacionalmente, sólida como uma rocha.


O grande fenômeno, entretanto desta linhagem específica de publicitários é o baiano Nizan Guanaes.  Redator de talento, a partir do momento em que recebeu do Banco Icatu, através de Daniel Dantas (esse mesmo), uma verba de um milhão de dólares para montar uma agência e cuidar da sua conta, atracou-se com uma calculadora e nunca mais a abandonou.  Habilíssimo também em vender a própria imagem e com o bom gosto que faltou a Milton Barbosa, Nizan comprou a marca DM9, migrou para São Paulo e não parou mais, deixando o sangue também turco tomar as rédeas de sua carreira.  Entre outras tantas coisas, Nizan é sócio do Hospital da Bahia que nada tem a ver com propaganda.


Mas Nizan começou a vida dentro de uma agência de propaganda e sabia muito bem como mover os cordéis e manter o carrossel girando.  Tive pouco, muito pouco contato direto com ele. Lembro uma vez em plena campanha de Waldir Pires para governador da Bahia, de ter visto Nizan apostando uma caixa de uísque com o saudoso Geraldão, que Waldir perderia.  Waldir ganhou escandalosamente como muitos se lembram, mas não sei se Nizan lembrou de pagar os uísques de Geraldão.  Décadas depois, contribuiu de forma decisiva para a construção da Praça Geraldo Walter no Rio Vermelho e a aposta ficou mais que quitada.


Admiro muito mais o Nizan Empresário que o Nizan Publicitário, pois o primeiro é possuidor de uma ousadia extraordinária.  Desde enfiar Dinha num avião com torço e tabuleiro para fazer acarajés em São Paulo e depois convencer a Vasp a patrocinar um toldo para ela no Rio Vermelho; até oferecer um jantar para 500 pessoas no Rockfeller Center em New York, mês passado, como um dos patrocinadores da Clinton Foundation, do ex-presidente Bill Clinton, para arrecadar recursos destinados a fundos sociais.  Em pleno país da propaganda.


Já o Nizan Publicitário -aquele que botava títulos em anúncios e criava roteiros de comerciais- perdeu a parada para o Nizan dos negócios.  Cercou-se de parcerias, virou DM9DDB, contratou os mais promissores profissionais de criação, mas quem sempre ganhava com tudo isso era o Nizan Empresário.


Hoje é muito mais fácil lembrar da ascensão de Nizan como tal que lembrar alguma peça publicitária que ele tenha criado. Sozinho. 


Enquanto isso alguns publicitários extraordinários, geniais mesmo, mas sem talento sequer para negociar o próprio salário, foram tragados pelas turbulências do mercado, pelo tsunami de estagiários recém-formados, pela reengenharia em downsizing da propaganda. Outros sobrevivem até hoje no anonimato das folhas de pagamento de agências mais espertas.   E assim caminhamos todos para o Marlboro Land, where the flavor is, cada qual vestindo seu uniforme ou sua fantasia.


No fim de tudo, acho que tem que ser assim mesmo.  Quando alguém usa 100% do cérebro para pensar em música, tem que ter outro alguém que use 100% do cérebro para conseguir um lugar e vender os ingressos para que o primeiro possa tocar.  Ficando com uma parte da bilheteria, claro. 


Qual a parte?  Olha infelizmente o espaço da coluna está acabando, o telefone também parece que está tocando, deixa isso pra depois, está bem assim?