Quando a propaganda criava tendências, além dos produtos, também seus temas de campanha, expressões e personagens acabavam sempre caindo na cultura popular, virando gíria ou moda. O título desta matéria é um exemplo antológico desta fase.
Uma antiga campanha nacional do Guaraná Antarctica criou um personagem chamado Teobaldo, que não bebia o guaraná e por isso era chamado pela galera de boko-moko. Na época equivaleria ao "cafona" ou o mais recente "careta"; e todo mundo com esse perfil passou a ser chamado de boko-moko. O slogan mil e uma utilidades usado muito tempo pelo Bombril, serviu para que as pessoas mais versáteis recebessem como apelido o nome do produto. Um jingle dos Cobertores Parahyba (veiculado essencialmente no frios estados do sul) determinava a hora das crianças dormirem. Era veiculado diariamente logo após o Jornal Nacional e a garotada sem perguntar nada já ia pra cama Cantando o jingle. Tem mil exemplos em http://museudapropaganda.blogspot.com
Muito antes que surgisse a campanha não é nenhuma Brastemp, usava-se como expressão popular para definir uma coisa de pouca qualidade, não é lá essa Coca Cola toda. São incontáveis as absorções pela cultura popular de ícones da propaganda.
Aqui mesmo na Bahia isso acontecia com alguma freqüência. Quando o personagem Tio Correa fez sucesso nas campanhas das lojas Correa Ribeiro, qualquer homem gordo e de bigodes passava a ser chamado de Tio Correa. O sistema de pré-datados do supermercado Superbox que lançou o seu Cheque Tartaruga afirmando ser o de maior prazo, o último a chegar, também virou sinônimo de lentidão. Jornais noticiavam que as obras de duplicação da Otávio Mangabeira estavam em ritmo de cheque tartaruga.
Mas essa época acabou. Quem cria tendências agora é a mídia, principalmente a televisão e mais principalmente ainda, as novelas. A última coisas que efetivamente se tornou popular vinda da propaganda, foi a expressão nós viemos aqui pra beber ou pra conversar, campanha da Cerveja Antártica com o genial Adoniran Barbosa. Ou mais recente, porém com menos força, a própria não é nenhuma Brastemp e o jingle o tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus continua numa boa que era cantarolado de vez em quando dependendo da situação, da conversa ou da intenção.
De lá pra cá, se algo criado pela propaganda tornou-se gíria, piada, apelido, expressão ou brincadeira foi por alguns poucos dias. Ou seja, não caiu na boca do povo.
Até magnífica campanha também de cerveja (e para mim, a melhor coisa feita no Brasil para este produto) a número um, já inverteu o processo. O gesto de levantar o dedo pedindo "mais uma" é histórico e a genialidade da campanha residiu na leitura deste gesto como pedir a n° 1 e associar este número à Brahma. O mesmo acontece com a expressão "desce redondo" assumida pela Skol, mas sem o mesmo brilhantismo.
Creio que a propaganda perdeu essa característica de transferir para o coloquial seu conteúdo por duas razões fundamentais. Primeiro porque a rotatividade das campanhas tornou-se muito acelerada para fazer frente à enxurrada de produtos similares que surgiram no mercado após a necessária "abertura dos portos" promovida pelo maluco do Collor e a crescente industrialização do país. De repente não havia no mercado apenas Antarctica e Brahma, mas dezenas de marcas de cerveja. Circulando pelas ruas, não mais simplesmente Gol, Chevette, Corcel ou Fiat, mas novidades como o Clio, Peugeot e outros. Na moda, a mesma coisa. Lee e Levi's deixaram de ser sinônimos de jeans e perderam mercado para inúmeras griffes, começando pela carioca Fórum.
Com o acirramento da concorrência, a propaganda optou por reciclar continuamente suas campanhas, o que não tenho certeza se foi -ou é- uma boa estratégia. A cerveja inglesa Tetley's manteve no ar uma mesma campanha por 25 anos e junto com ela, expressiva fatia de mercado. Mas isso foi lá na velha Albion. Aqui a rápida troca de campanhas, somada à existência de diversas outras campanhas concorrentes, não permitiu mais ao consumidor "se acostumar" com a propaganda.
Ao mesmo tempo, a mídia se fragmentou e se antes apenas o rádio, os jornais, as revistas e os letreiros em néon exibiam mensagens publicitárias, de repente além da televisão em época já mais próxima, o marketing direto botou a cara nas ruas, o merchandising instalou-se onde foi possível, outdoors e outras mídias externas multiplicaram suas presenças e finalmente, a internet -primeiro com os insuportáveis pop-ups e depois com os criativos banners- transformaram a propaganda numa imensa babel visual e auditiva. Sem falar no controle remoto para "pular" comerciais numa boa.
As verbas encurtaram, o direcionamento de mensagens passou a ser fundamental e uma linguagem linear quase necessária para se fazer entender rapidamente no meio de tantas mensagens e por um consumidor cada vez menos alfabetizado.
O próprio conteúdo midiático multiplicou a velocidade e a quantidade de informações, principalmente televisão e rádio que usam como canal a internet. Hoje, para se manter atualizado, após ler um jornal é preciso imediatamente começar a ler outro.
Como perguntou Caetano Veloso em Alegria, Alegria: quem lê tanta notícia? A pergunta que se segue é conseqüência imediata: quem vê tanta propaganda? Cerca de 70% dos panfletos de propaganda oferecido nos sinais de trânsito são recusados pelos motoristas.
Daí, fica difícil que motes publicitários encontrem espaço na memória dos consumidores para lá permanecerem e ainda se incorporarem ao seu dicionário. A propaganda não perdeu a força, mas saiu da zona de interesse comum dos cidadãos. Ela hoje só é percebida por quem está interessado no produto anunciado, precisa conhecer todas as opções disponíveis, quais seus benefícios e diferenciais. Em certas ações de comunicação, o merchandising é muito mais eficiente.
Não desperta mais nenhum interesse saber que nove entre dez estrelas do cinema usam Lux. Porém o tipo de roupa que Thaíz Araújo está usando na nova novela, certamente já está sendo copiado de forma acelerada por costureiras de moda feminina, enquanto a industria trabalha para produzi-los em série. Depois a propaganda vem e anuncia como lançamento. Por entre fotos e nomes, sem lenço e sem documento, seguimos nós.