Cultura

MINHA VOZ CONTINUA A MESMA SOBRE A PROPAGANDA, POR MARCO GAVAZZA

Para contato gavazza@mg3brasil.com
| 23/09/2009 às 08:09
Guaraná Antarcitca da época de Teobaldo aos dias atuais, mudança radical
Foto: Maria Bonita
  Quando afirmei neste espaço que a propaganda não mais cria tendências e sim as segue; recebi diversas críticas de pessoas -a maioria de publicitários, é evidente- que discordam   desta tese. Como tão laconicamente respondem as revistas às empresas, instituições e pessoas que contestam suas reportagens, respondo eu: a coluna mantém o que foi publicado. É brincadeira, só pra me sentir momentaneamente poderoso. Não fico por aí; explico porque entendo assim a mudança de papéis entre a propaganda e a mídia. 


  Quando a propaganda criava tendências, além dos produtos, também seus temas de campanha, expressões e personagens acabavam sempre caindo na cultura popular, virando gíria ou moda. O título desta matéria é um exemplo antológico desta fase.


  Uma antiga campanha nacional do Guaraná Antarctica criou um personagem chamado Teobaldo, que não bebia o guaraná e por isso era  chamado pela galera de boko-moko.  Na época equivaleria ao "cafona" ou o mais recente "careta"; e todo mundo com esse perfil passou a ser chamado de boko-moko.  O slogan mil e uma utilidades usado muito tempo pelo Bombril, serviu para que as pessoas mais versáteis recebessem como apelido o nome do produto.  Um jingle dos Cobertores Parahyba (veiculado essencialmente no frios estados do sul)  determinava a hora das crianças dormirem. Era veiculado diariamente logo após o Jornal Nacional e a garotada sem perguntar nada já ia pra cama  Cantando o jingle. Tem mil exemplos em http://museudapropaganda.blogspot.com


  Muito antes que surgisse a campanha não é nenhuma Brastemp,  usava-se como expressão popular para definir uma coisa de pouca qualidade, não é lá essa Coca Cola toda.  São incontáveis as absorções pela cultura popular de ícones da propaganda. 


  Aqui mesmo na Bahia isso acontecia com alguma freqüência. Quando o personagem Tio Correa fez sucesso nas campanhas das lojas Correa Ribeiro, qualquer homem gordo e de bigodes passava a ser chamado de Tio Correa.  O sistema de pré-datados do supermercado Superbox que lançou o seu  Cheque Tartaruga  afirmando ser o de maior prazo, o último a chegar, também virou sinônimo de lentidão.  Jornais noticiavam que as obras de duplicação da Otávio Mangabeira estavam em ritmo de cheque tartaruga.


  Mas essa época acabou. Quem cria tendências agora é a mídia, principalmente a televisão e mais principalmente ainda, as novelas. A última coisas que efetivamente se tornou popular vinda da propaganda, foi a expressão nós viemos aqui pra beber ou pra conversar, campanha da Cerveja Antártica com o genial Adoniran Barbosa.  Ou mais recente, porém com menos força, a própria não é nenhuma Brastemp e o jingle o tempo passa, o tempo voa e a poupança Bamerindus continua numa boa que era cantarolado de vez em quando dependendo da situação, da conversa ou da intenção.


   De lá pra cá, se algo criado pela propaganda tornou-se gíria, piada, apelido, expressão ou brincadeira foi por alguns poucos dias. Ou seja, não caiu na boca do povo.


  Até  magnífica campanha também de cerveja (e para mim, a melhor coisa feita no Brasil para este produto) a número um,  já inverteu o processo. O gesto de levantar o dedo pedindo "mais uma" é histórico e a genialidade da campanha residiu na leitura deste gesto como pedir a n° 1 e associar este número à Brahma.  O mesmo acontece com a expressão "desce redondo"  assumida pela Skol, mas sem o mesmo brilhantismo.


  Creio que a propaganda perdeu essa característica de transferir para o coloquial seu conteúdo por duas razões fundamentais. Primeiro porque a rotatividade das campanhas tornou-se muito acelerada para fazer frente à enxurrada de produtos similares que surgiram no mercado após a necessária "abertura dos portos"  promovida pelo maluco do Collor e a crescente industrialização do país. De repente não havia no mercado apenas Antarctica e Brahma, mas dezenas de marcas de cerveja. Circulando pelas ruas, não mais simplesmente Gol, Chevette, Corcel ou Fiat, mas novidades como o Clio, Peugeot e outros.  Na moda, a mesma coisa. Lee e Levi's deixaram de ser sinônimos de jeans e perderam  mercado para inúmeras griffes, começando pela carioca Fórum.


Com o acirramento da concorrência, a propaganda optou  por reciclar continuamente suas campanhas, o que não tenho certeza se foi -ou é- uma boa estratégia. A cerveja inglesa  Tetley's manteve no ar uma mesma campanha por 25 anos e junto com ela, expressiva fatia de mercado.  Mas isso foi lá na velha Albion. Aqui a rápida troca de campanhas, somada à existência de diversas outras campanhas concorrentes, não permitiu mais ao consumidor "se acostumar" com a propaganda.


Ao mesmo tempo, a mídia se fragmentou e se antes apenas o rádio, os jornais, as revistas e os letreiros em néon exibiam mensagens publicitárias, de repente além da televisão em época já mais próxima,  o marketing direto botou a cara nas ruas, o merchandising instalou-se onde foi possível, outdoors e outras mídias externas multiplicaram suas presenças e finalmente, a internet -primeiro com os insuportáveis pop-ups e depois com os criativos banners-  transformaram a propaganda numa imensa babel visual e auditiva. Sem falar no controle remoto para "pular" comerciais numa boa.


As verbas encurtaram,  o direcionamento de mensagens passou a ser fundamental e uma linguagem linear quase necessária para se fazer entender rapidamente no meio de tantas mensagens e por um consumidor cada vez menos alfabetizado.


O próprio conteúdo midiático multiplicou a velocidade e a quantidade de informações, principalmente televisão e rádio que usam como canal a internet. Hoje, para se manter atualizado, após ler um jornal é preciso imediatamente começar a ler outro. 


Como perguntou Caetano Veloso em Alegria, Alegria: quem lê tanta notícia?  A pergunta que se segue é conseqüência imediata: quem vê tanta propaganda?  Cerca de 70% dos panfletos de propaganda oferecido nos sinais de trânsito são recusados pelos motoristas.


Daí, fica difícil que motes publicitários encontrem espaço na memória dos consumidores para lá permanecerem e  ainda se incorporarem ao seu dicionário. A propaganda não perdeu a força, mas saiu da zona de interesse comum dos cidadãos.  Ela hoje só é percebida por quem está interessado no produto anunciado, precisa conhecer todas as opções disponíveis, quais seus benefícios e diferenciais.  Em certas ações de comunicação, o merchandising é muito mais eficiente.


Não desperta mais nenhum interesse saber que nove entre dez estrelas do cinema usam Lux.  Porém o tipo de roupa que Thaíz Araújo está usando na nova novela, certamente já está sendo copiado de forma acelerada por costureiras de moda feminina, enquanto a industria trabalha para produzi-los em série.  Depois a propaganda vem e anuncia como lançamento.  Por entre fotos e nomes, sem lenço e sem documento, seguimos nós.