Cultura

CRÔNICA: A SELEÇÃO BRASILEIRA E MEU GUARDA CHUVA, POR TASSO FRANCO

Vide
| 14/09/2009 às 12:03
"Chileno" disfarçado de brasileiro se preparando para assistir Brasil x Chile, em Pituaçu
Foto: Agapito

Sou torcedor televisivo da seleção brasileira de futebol desde os anos 1962 quando se iniciaram as transmissões da telinha na Bahia. Em 1958, aquele timaço de Gilmar, De Sordi e Belini; Zito, Orlando e Nilton Santos ouvi transmissões na gloriosa Serra, no rádio da Padaria de Sêo Galindo, e, anos depois, no Cine Teatro Guarani nos documentários do Canal 100 às imagens dos gols de Pelé e das peraltices de Garrincha, ainda hoje exibidas nas TVs atuais para revelar a genialidade daquela turma, a folha seca de Didi, os cruzamentos de Zagalo e assim por diante.


Tanto que, quando a canarinho vem a Bahia exibir seu talento nos gramados locais, lá estive na Fonte Nova há dez anos com o meu parceiro Agapito no enfrentamento contra a Holanda, e agora marcamos presença em Pituaçu no jogo contra o Chile (4x2), com aqueles três gols do arisco Nilmar. Só não foi melhor porque choveu aqueles pingos de molha do milho de São José e, como diria Renato Fechini, é dose agüentar esse pinga-pinga nas canelas.


A sorte é que sendo um camarada precavido cubei o tempo lá na Barra, onde moro, e sobre a camisa verde que ostenta nossas matas, por descuido, coloquei um blusão vermelho e tomei o adjutório de um guarda-chuva que adquiri quando ainda trabalhava na SECOM da Prefeitura do Salvador, e segui meu rumo até Pituaçu. No caminho entre o CAB, onde estacionei meu bat-gol, de repente estava integrando um grupo de torcedores do Chile escoltado pela PM, eu com aquele blusão vermelho e paraáguas preto, tal qual um nativo de Santiago.


- Meu pai, você está na torcida errada - advertiu-me Agapito pedindo pra levantar o guarda-chuva e observar uma nova trilha. E assim seguimos cortando a pista da Paralela até a ala Norte do estádio onde, ao tentar ingressar, um policial apalpou os meus bolsos e cintura para verificar se conduzia algum elemento perfuro-cortante, e quando o dito viu meu nobre guarda-chuva assim falou: - É proibida a entrada com esse equipamento. Ponderei, então, que se tratava de um protetor para a gripe dada a minha idade avançada. - Tudo bem: só permito com ordem do capitão, retrucou.


E lá fui eu falar com o capitão para que aceitasse as minhas ponderações e o mesmo acedeu aos argumentos, de um cidadão que já pega ônibus pela porta dianteira e toma vacina contra gripe para velhinhos no 5º Centro ressaltando ele, no entanto, que "esse equipamento representa uma arma na mão de marginais". E assim sendo, percebendo que eu não significava qualquer perigo à sociedade, nem usaria o artefato para render alguém no estádio, mandou eu seguir em frente.


 Sentamos no segundo pavimento da geral mais ou menos atrás do gol defendido por Júlio César no primeiro tempo, na zona Norte, e ficamos astuciando os preparativos iniciais do evento quando a distinta locutora oficial do estádio, em nome do governo da Bahia anunciou o desfile de uma ala de percursionistas do Ilê Aiye e mais aquelas garotas que fazem a coreografia. Bastou o cantor iniciar os cânticos do "Sorriso Negro" pra São Pedro mandar ver uma chuva de molha mais persistente, pra safra de feijão, e então fiz valer a importância do meu histórico guarda-chuva, porque foi comprado num camelô da Praça da Sé, e por isso mesmo é histórico, tem raiz, e abri o dito para nos proteger, eu e o conselheiro Agapito.


Quando os integrantes do Ilê se uniram a outros do Cortejo Afro a chuva parou e fechei o artefato com o cuidado de não molhar os vizinhos do entorno, prendendo-o nas minhas canelas. Coitadas. Ficaram encharcadas e senti um fio d'água entrando pelas meias do tênis. Mas, paciência, melhor resfriar as canelas do que a cabeça. Meu camarada, nesse momento, já passando das oito e meia da noite e sem ter levado um farnel com galinha e farofia, bateu uma fome daquelas e o jeito foi comprar dois saquinhos de pipocas.


É isso: torcedor em estádio come de tudo. Um vizinho nosso de arquibancada, já molhado feito um pinto desprotegido da mamãe, também comprou dois saquinhos de pipocas. Mas, achando que era pouco gritou pro vendedor dos ruffles: - Tem o que ai meu amigo? - Batatas fritas, disse. - Venha dois pacotes. E lá foi ele, em seguida, experimentar sorvete de coco, porque os salgadinhos miseráveis lhe deixaram com a boca amargando. Completando a rodada, até que a bola rolou, com dois pacotes de amendoim e dois copos d'água mineral.


Torcedor não é brincadeira. Teve uma hora que uns dez passaram por cima da minha cabeça, ao que tudo indica integrantes do Leão gritando: "ão, ão, ão, segunda divisão". Ao que receberam uma resposta de outro grupo, certamente tricolor, "timinho fuleiro nunca foi campeão brasileiro". Nesse momento passou o helicóptero da PM e o celular do meu vizinho tocou: - Diga aí fila da puta. Não posso atender agora porque Ivetão tá chegando no esquilo. Mais uns minutinhos, a bola rolou. E tome chuva, tome chuva. Parecia a propaganda de João.


Lá pras tantas, minhas canelas geladas d'água, gol de Nilmar. Meu vizinho pulou feito um nico nos fios da Rua da Graça e levou parte do meu guarda-chuva retirando um contra-pino de bombordo, quase furando o olho. - Fecha essa desgraça, berrou ele. E lá fui eu fechando e abrindo porque foram 4 gols até que São Pedro trancou a torneira e deu-se o final do jogo. Certo quem tava era o capitão: nunca mais vou a Pituaçu de guarda-chuva. De repente posso deixar alguém doca e ir parar no xilindró.