Cultura

QUEM QUER ENTRAR PARA HISTÓRIA DA PROPAGANDA BAIANA? P/ MARCO GAVAZZA

Vide
| 26/08/2009 às 09:01
Mudanças da realidade do mercado exigem esforço e investimentos em pesquisas
Foto: Ilustrãção MG
 

"É hora do lanche /que hora tão feliz /queremos biscoitos São Luiz".  Nada mais simples que esta pequena e única estrofe de um jingle antigo. Entretanto o coro infantil repetia-se dezenas de vezes nas rádios e fazia com que as crianças sugerissem em prantos às mamães, horas das mais inesperadas para diversos lanches ao longo do dia.


As crianças ouviam rádio, já que este ficava o dia inteiro ligado trazendo notícias, novidades, músicas preferidas ou novelas, para toda a família.  O rádio fazia parte da vida e era através dele que eram feitas as conexões com o mundo lá fora.  Quando a televisão ocupou seu trono nas salas de visitas -assim eram chamados os atuais living, com uma diferença abissal de m2- ou sala de jantar das residências brasileiras, a musiquinha foi junto, fazendo suporte para simplórios desenhos animados.   Assim os biscoitos São Luiz foram substituindo o pão com manteiga e açúcar ou com goiabada, a banana amassada com farinha láctea ou a fatia de bolo de milho.  Era a propaganda exercendo seu poder de transformação dos hábitos e costumes.


Porém a comunicação avançou muito rapidamente e se a televisão tirou do rádio o reinado absoluto, em pouco tempo ela também  em seria forçada a dividir espaços com outros meios de comunicação, fossem eles de massa ou dirigidos.  Como não sou historiador da publicidade,  pulemos logo para a realidade atual.


Do velho rádio -que continua com sua audiência expressiva-  ao twitter,  dos jornais vespertinos aos blogs, dos outdoors aos SMS,  os meios multiplicaram-se a tal ponto que hoje você só consegue passar alguns minutos longe deles se estiver dormindo. Uma mera embalagem é uma "campanha" zipada. E a propaganda perdeu o seu poder de criar tendências. Hoje, ela as segue. Quem passou a criar tendências foi a mídia  e seu conteúdo ou o  desenho socioeconômico e geográfico dos aglomerados urbanos. 


A indústria da moda, por exemplo espera o que virá dos meios de comunicação através do visual de atores, atrizes, apresentadores, artistas entrevistados, estrelas dos shows etc. para desenvolver suas novas coleções.  Só depois disso é que a propaganda irá dizer às pessoas: porque v. não se veste igual à Patrícia Poeta?  É a tendência ditada pelos meios de comunicação.


Quem lembra dos supermercados Paes Mendonça sabe que eles representavam um monopólio absoluto, porém agradável.  Ninguém comprava uma caixa de fósforos em outro lugar que não num Paes Mendonça.  Hoje a rede Bom Preço exerce o monopólio, mas dificilmente alguém entra lá só para comprar ingredientes e fazer um bolo.  Isso fica mais fácil e rápido numa delicatessen da esquina. Que nem são mais delicatessens no sentido literal deste tipo de loja. São os velhos armazéns que estão de volta com outra configuração.  É a tendência ditada pela estrutura urbana. 


A propaganda tenta direcionar estas tendências  para determinadas marcas, disputando preferência entre produtos cada vez mais similares.  Ficou difícil.  O marketing correu em socorro e por algum tempo diferenciais como atendimento personalizado,  delivery, variedade ou novidade entregaram de bandeja argumentos para serem usados pela propaganda. Suíte, piscina e play foram imbatíveis para vender um empreendimento imobiliário. Em pouco tempo todos estavam oferecendo as mesmas coisas e tudo voltou a ficar igual.  Hoje os condomínios possuem brinquedoteca e garage band  mas ninguém parece se importar com isso.  Ficou mais difícil ainda. 


Esta não é uma realidade exclusiva do país nem uma fase passageira. É o cenário mundial aplicável à propaganda, excluídas aí evidentemente pequenas vilas com 2 ou 3 mil habitantes, estejam elas nas escarpas de Siena ou na vastidão da Amazônia.  É com este cenário também que a propaganda precisa lidar aqui em Salvador, na Bahia.  O que aparentemente não é prioridade em grande parte das cabeças pensantes ou dirigentes da área. 


Não se trata mais de criarmos belos títulos de anúncios e outdoors ou roteiros geniais para comerciais.  A questão é que a propaganda saiu do trilho exclusivo dos veículos de comunicação.  A maioria das agências está na marcha mais rápida e com o pé no fundo do acelerador, no sentido de conquistar novos clientes e/ou ampliar investimentos dos já existentes.  Mas o ponteiro do conta-giros entrou na faixa vermelha e não vai adiantar nada seguir no limite. É preciso uma nova caixa de câmbio com mais uma marcha.  


Desenvolver uma nova tecnologia de comunicação publicitária é urgente. David Ogilvy fez isso nos anos 40 do século 20, investindo praticamente todo o lucro de sua agência em pesquisas, para detectar hábitos de informação do consumidor. Ele estava na mesma encruzilhada que estamos hoje.  Os métodos tradicionais não funcionavam mais.  Em 1920, John Wanamaker, pioneiro do varejo americano dizia: "Sei que metade de minha propaganda não funciona. O problema é descobrir qual é essa metade".  Ogilvy investiu milhões de dólares em pesquisas, criou uma tecnologia própria e em pouco tempo tornou sua agência uma das quatro maiores do mundo.


Recentemente a Warton School, da Universidade da Pensilvânia realizou um estudo sobre eficiência da propaganda, mas não sendo uma corporação empresarial limitou-se à análise e interpretação dos resultados, não avançando no desenvolvimento de novos formatos ou soluções.  A conclusão mais deprimente -para nós- a que se chegou, foi que a propaganda provoca tédio nos consumidores. Pois é. E a gente aqui pensando que cada campanha que colocamos no ar é vista com enorme admiração pelo público alvo.  Não é. Para citar mais uma vez Ogilvy,  é um "transatlântico apagado navegando na noite."  


Não conheço ninguém do mercado que esteja trabalhando no sentido de conhecer em profundidade a opinião e as preferências do consumidor baiano -que possui uma cultura própria- para repetir Ogilvy e achar a saída da encruzilhada. Se conhecesse  imploraria de joelhos para me incluir no grupo. Como a economia baiana lembra aquela música de Moraes e vai "descendo num samba a ladeira da Praça",  nenhuma  agência sozinha vai por a mão nessa cumbuca e sair do lucro para entrar na história.  Para não persistirmos ladeira abaixo, com grandes agências encolhendo ou fechando e microagências pipocando e sumindo na mesma velocidade, fica então, depois de toda essa conversa chata, minha  modesta sugestão à nova Diretoria da ABAP-BA: 


1. Criar um grupo de estudos em profundidade sobre o consumidor baiano.  2. Realizar um trabalho de captação de recursos (outras entidades da área, do comércio e da indústria; contribuição das agências maiores e grandes anunciantes etc.) para montar pesquisa, laboratório, discussões de grupo, estudo e análise dos resultados.  3. Gerar um relatório completo a partir desse trabalho e disponibiliza-lo a todas as agências do mercado, para que cada uma possa desenvolver ou encontrar suas soluções.


É um trabalho longo, árduo e pode ser que nem dê pra entrar para a história como Ogilvy mas sem dúvida será o fato mais importante da propaganda baiana contemporânea.