Cultura

EM DEFESA DA CARLOS GOMES E DO CARNAVAL DE SALVADOR, POR TASSO FRANCO

Vide
| 03/08/2009 às 18:14
Querem acabar com a curva da Sulacap e a história da Carlos Gomes. É o fim.
Foto: Arquivo
  Nos ritos populares do futebol diz-se que, em time vencedor não se mexe. Máxima esta que vem desde os tempos de Sotero Monteiro e João Guimarães, dos finados Botafogo e Leônico, e que deveria ser aplicada ao Carnaval de Salvador diante da estapafúrdia proposta do Conselho Municipal de rifar do Circuito Central, Campo Grande, a Avenida Carlos Gomes, proporcionando a camarotização da Praça Castro Alves e colocando à gestão do prefeito João Henrique numa situação de risco.

     
O prefeito estará fazendo o seu sexto Carnaval, em 2010, com sucesso, exatamente porque tem respeitado as tradições da festa de acordo com os seus movimentos, da elite, da classe média e das organizações populares. No momento em que venha a acatar uma proposta de iluminados, por decreto, anulando uma das vias históricas do circuito principal da folia criaria, assim, um problema sem necessidade.


      Salvo melhor juízo, desde as anotações de Charles Darwin sobre o Entrudo Carnavalesco de Salvador, no Pelourinho, no início do Século XIX em sua passagem pela cidade a bordo do Beagle em estudos naturalistas em direção ao Cone Sul; e mais precisamente a partir de 1884, quando oficialmente se iniciou o Carnaval em Salvador, que a Carlos Gomes tem sido uma via importante na festa, quer porque completa um circuito e é área de escape para zona Sul da cidade; quer porque está inserida na história.


      Até os anos 1960/1970 o Carnaval de Salvador se concentrava entre o Campo Grande e a Sé com pontos marcantes no Relógio de São Pedro, Praça Castro Alves, Praça Municipal, Rua Chile, Barroquinha, Beco de Maria Paz e Carlos Gomes. No hoje "Baixo Gomes", corruptela do "Baixo Leblon" carioca, se situava o Clube de Engenharia e seu espaço a céu aberto onde aconteceram momentos extraordinários da festa. Subindo-se, no atual "Alto Gomes", área de inferninhos da cidade, estendia-se a folia ao Moreira, La Fontana, Braseiro e confins da Faísca.


      Havia um quadrilátero imperdível da festa entre a paquera às "meninas do Relógio", porque aí se concentravam as mulheres mais saradas, livres e bonitas; a muvuca e o espreme gato e bate coxas e bundas no Beco de Maria Paz; a lameira e as "armações" da Praça Castro Alves no congraçamento de todas as tribos, dos vovôs da época, a universitários e gays que desfilavam nas barracas e nas escadarias do Palácio dos Esportes, área do saudoso Teatro São João, desaguando na linha Sul na Carlos Gomes com parada obrigatória no Clube de Engenharia.


      Nomes? Daria aqui uma pilha deles nos embates etílico-literários-carnavalescos-teatrais e mundanos com Anízio Félix e seu macacão do JBa, Nilton Sobral, Vitor Hugo Soares, os irmãos Gey e Rui Espinheira, Tonicao, Malaca, Rangel, Lígia Aguiar, Lúcia Cerqueira, Celinha, Sérgio Gabrielli, Mano, Gorgônio Loureiro, Franco do Raso da Catarina, Rêmulo Pastore, Bonfim Caetano, Zoraide Vilas Boas, Chico Olho D'Água, comunistas e socialistas à mancheia, enfim, muita história que está nas lembranças, na oralidade, na crônica, nas fotos, e que foi se transformando com o decorrer dos anos com naturalidade obedecendo as ondulações da cidade e sua cultura popular, sem a necessidade de decretos e supressões.


      Ao contrário. Ao longo dos anos, incorporaram-se duas novas áreas, o Circuito Barra-Ondina (Dodô) e a reabilitação do Pelourinho a partir de sua restauração, com o circuito Batatinha. Veja que todos os outros circuitos pensados pela burocracia nunca foram adiante: Circuito Comércio, Circuito Paralela, Palco do Reggae na Cayru, expansão do Barra/Ondina até o Rio Vermelho porque a festa tem sua dinâmica própria e não aceita esse tipo de ingerência. O Circuito Paralela no modelo Marquês de Sapucaí, era uma coisa tão absurda, porque isolava a história da cidade e seu centro histórico, que sequer saiu do plano das idéias.

     

      A Carlos Gomes sempre serviu de avenida do conforto, do escape, do respirar, de quem vinha do aperto da Avenida Sete e/ou deixava a Castro Alves e ainda hoje é assim, com final de linha em frente ao lado do Hotel da Bahia, já na avenida Sete. Esse é o ponto de dispersão e armação de entidades, a depender do dia e horário. Nas quintas, por exemplo, os atuais blocos de samba se organizam a partir daí, da "boca" do Campo Grande inversa co Corredor da Vitória.


      Lembro de um dos momentos marcantes da Carlos Gomes, anos 1970, quando a nave do Pombo Correio adentrou a avenida vindo da Praça Castros Alves e Moraes Moreira puxando o trio. Leva no bico/ Que eu aqui/ Fico esperando/ Pela resposta/ Que é pra saber/ Se ela ainda/ Gosta de Mim e nós no atual "Baixo Gomes" inebriados e depois seguindo o trio abrindo caminhos rumo ao Campo Grande.


      Então, porque acabar com tudo isso por decreto, com essa avenida tão importante para o circuito central servindo apenas de passagem para os blocos que virão do Pelô, o Olodum e o Filhos de Gandhy, apagando a história de forma tão brutal? Não tem o menor cabimento. A Carlos Gomes tem que resistir.