Cultura

A RESPONSABILIDADE ÉTICO CULTURAL DO PUBLICITÁRIO, P/ MARCO GAVAZZA

Vide
| 24/07/2009 às 13:00
A nova enciclíca de Bento XVI e os meios de comunicação social
Foto: MG
  "Dada a importância fundamental que têm na determinação de alterações no modo de ler e conhecer a realidade e a própria pessoa humana, torna-se necessária uma atenta reflexão sobre a sua influência principalmente na dimensão ético-cultural da globalização e do desenvolvimento solidário dos povos."


  O texto acima se refere especificamente aos meios de comunicação e poderia estar assinado por grandes jornalistas internacionais, prêmios Pullizers,  chairmans de multinacionais de propaganda, presidentes mundiais de grupos de mídia, ministros de setores relacionados e até mesmo chefes de estado.  Na verdade é um chefe de estado,  o Estado do Vaticano, quem o assina. Ou seja, Bento XVI, o Papa.


  O que se extrai de maior importância das quatro linhas dedicadas  ao assunto numa encíclica de volumoso texto, é a extrema preocupação com a responsabilidade que pesa sobre os responsáveis pelos meios de comunicação.


  Aquilo que no século passado se chamava de 4º poder, hoje parece ter avançado nesta escala de valores, conquistando não o 3º ou 1º posto, mas a  condição de ser o poder para o qual os outros três olham antes de agir.  Ou quando isso não acontece, ao qual tem que dar satisfações depois que agiram.


  No Brasil, temos uma realidade claramente dividida. De um lado, aqueles que estão pouco se importando com o que sintetizou Bento XVI  e  do outro, os que se acham acima do bem e do mal.  A ética é quase sempre um fio de navalha sobre o qual bem poucos estão dispostos a andar. 

  Assim, temos a mídia que nos pulveriza com sujeira diariamente, tratando-a como entretenimento.  Sexo, sangue e exposição sub-humana da primeira à última página.  Temos em contraponto a mídia que derruba ou erige personalidades, ao sabor dos ventos que acionam pra mais ou pra menos as turbinas das finanças e da vaidade.  Esmagados entre estes dois blocos predominantes, achamos aqui e alí veículos de comunicação que percebem com exatidão as dimensões ético-culturais da globalização e o desenvolvimento solidário, buscando diariamente manter o equilíbrio e a credibilidade.


  Mas, meios de comunicação pressupõem conteúdo, pois que sem isto seriam apenas folhas em branco ou ruído e estática nas telas e caixas de som.  Ao preenchermos estes espaços vazios é que criamos um "meio de comunicação".  Como existe um poder que permeia todos os outros -independente de sua hierarquia-  que é o poder econômico, este preenchimento dos meios de comunicação passa necessariamente pela participação da propaganda.


  Minha pergunta é: como publicitários, estamos isentos da responsabilidade ético-cultural e do desenvolvimento solidário?  Podemos lavar as mãos e deixar o problema por conta dos editores?  Quando criamos um anúncio mentiroso para um produto que não possui nenhuma das qualidades que afirma e o veiculamos num jornal, numa revista ou num programa de televisão assumidamente tendencioso e antiético, temos indulgência prévia para o fato de estarmos tanto enganando as pessoas quanto reforçando as posturas cinzentas destes meios de comunicação?  


  Não. Não temos.  O nosso anúncio atinge o cidadão tanto quanto a notícia e embora provoque reações diferentes,  mexe da mesma maneira com o seu modo de ler e conhecer a realidade.   Em alguns casos, diria que a propaganda pode provocar mais estrago na vida de um cidadão que a notícia.  A descoberta de que determinado político sempre elogiado por parte da mídia é um canalha, me afeta menos diretamente que descobrir de repente a minha poupança de anos a fio aplicada num imóvel que é um pedaço do inferno e não aquele lugar onde eu teria uma vida maravilhosa com minha família. 


 Desta forma, agências de propaganda deveriam recusar-se a atender clientes que anunciem produtos ou serviços com promessas falsas, maquiadas ou dúbias e também se recusar a veicular suas peças publicitárias em veículos abertamente desprovidos de qualquer ética ou responsabilidade jornalística. A pergunta agora passa a ser: é possível?


Não. Não é.  Conhecemos a crua realidade brasileira e principalmente baiana muito mais que Sua Santidade e sabemos que sobreviver no nosso mercado publicitário implica em -desculpem o cinismo da expressão- flexibilizar a ética. Ou desaparecer. Chico Buarque afirmou em uma de suas músicas que não existe pecado do lado de baixo do Equador. Talvez não exista mesmo, ou pelo menos acreditar nisso sirva como um aceitável escudo protetor para as nossas consciências.   Somos livres, tudo é permitido.


Pertencer ao 3º mundo e viver o cotidiano que esta condição exige parece ser algo definitivo pois interessa a muita gente que assim seja. Patinamos há séculos em direção ao futuro e a cada década avançamos centímetros porque é conveniente que seja assim. No 1º mundo deputados ganham um salário e nada mais. Empresários alcançados pela Justiça em suas falcatruas cometem suicídio. Pior de tudo: a riqueza da nação é distribuída de forma mais ou menos igual entre todos.  Será que este cenário interessa aos poderosos subequatorianos,  acostumados desde que aqui desembarcaram, a serem donos de tudo e de todos? Dificilmente.


Assim,  resta-nos reconhecer a surpreendente modernidade deste documento gerado pelo mandatário de bilhões de católicos e -do mesmo modo-  reconhecer que  os aspectos ético-culturais e o desenvolvimento solidário aqui no Hemisfério Sul, no paraíso tropical, são regidos por motivações outras que apenas a consciência da responsabilidade.


Pode ser que Bento XVI ao ser informado nas Lojas Precinho&Prazão que aquela TV de plasma anunciada por 200 reais e que ele queria comprar,  "acabou de acabar", se sinta  desrespeitado como ser humano.  Mas eu e você?  Bobagem. A gente convive diariamente com essas coisas. A gente nem liga mais. Agora e na hora da nossa morte; traduzindo o pedante título em latim desta matéria. Amém.