Cultura

SABE QUEM ESTÁ PRA SER DEMITIDO? O PHOTOSHOP, POR MARCO GAVAZZA

vide
| 01/07/2009 às 07:02
Os artifícios usados pelos fotógrafos em publicidade vão ser mantidos sim senhor
Foto: MC
 

Tive o imenso prazer de ver de perto o trabalho de profissionais geniais, quando a fotografia ainda não havia sido  seduzida pela informática. Aqui mesmo na Bahia pude ficar mais jovem e mais bonito graças aos jogos de luzes e ângulos de câmera do mestre David Glatt. 


Em São Paulo acompanhei uma seqüência de fotos de Spinoza,  fotógrafo argentino especializado em alimentos.  A foto de um ovo frito era feita usando espuma de barba para simular a clara e uma banda de um pêssego em calda para fazer a gema.  Pronto. Lá estava o ovo frito mais tentador que se podia imaginar. 

Algumas tarefas demandavam mais tempo de estudo para se encontrar a solução adequada.  Uma das fotos por exemplo  exigia cubos de pão de forma torrados que recebiam sobre eles um determinado molho. Após tentar as mais diferentes temperaturas para tostar os pães, impermeabilizá-los com verniz e outros truques, Spinoza percebeu que eles sempre absorviam o molho -ou o verniz- rapidamente. A solução foi usar cubos de cortiça simulando o pão torrado. Pronto novamente. Lá estava o molho íntegro e lindamente equilibrado sobre os apetitosos cubinhos de cortiça. 


Outro purista da fotografia, um austríaco já idoso chamado Schauder, para fazer uma foto de uma simples caixinha de Chicletes mandou produzir um protótipo com 2 metros de comprimento.  Fotografado e reduzido a 5 cm de altura num anúncio de revista, era uma caixinha perfeita, sem qualquer dobra, amasso ou falha. 


Não haviam  câmeras digitais e muito menos o Photoshop.  Hoje, poucos anos depois, eu mesmo pegaria uma digital de  400 reais, faria a foto do ovo frito na própria frigideira e alguém com o talento do meu amigo Guido Kopp tiraria as bordas queimadas da clara e daria o brilho apetitoso da gema. No Photoshop. 


Mas o Photoshop já está -é impressionante a velocidade da obsolência que nos acompanha- com os dias contados, ao menos na área das fotos de modelos. Elas agora querem aparecer naturais; como realmente são e não Barbies, como algumas classificam o resultado final suas sessões de fotos. Outras chegam a afirmar que nem se reconhecem nas fotos.  Todas declaram em coro que não permitirão mais o uso do Photoshop em seus ensaios, exceto é claro, para esconder uma olheira ou uma espinha não programada para o momento.
 
Não sei. Tenho minhas dúvidas sobre essa estratégia e também sobre a sinceridade destas declarações. Quem gostaria de ver possíveis celulites e estrias em Juliana Paes?  Talvez o marido dela, ao vivo e com as pontas dos dedos. Assim qualquer um quer ver; mas não quem compra uma revista numa  banca em busca da beleza feminina idealizada. Acho eu. 


Na propaganda, onde as fotos possuem elevadíssimo poder de captação da atenção do consumidor, duvido muito que sequer se cogite demitir o Photoshop.  Como simular a implantação de um belo edifício na foto de uma praça onde estão expostos os buracos da calçada, o emaranhado de fios entre dois horrendos postes e o mato crescendo altaneiro nos canteiros dos jardins?  E aquela apetitosa pizza, que minutos após sair do forno já perdeu completamente as bolhinhas do queijo derretendo,  o brilho das azeitonas  e a fofura das bordas recheadas?  E a transparência,  as gotículas, o brilho e a refrescância de um copo  de refrigerante?


Não se trata de enganar o consumidor,  mas de mostrar um produto como ele é em sua melhor performance, coisa que sempre é possível de ser prometida e vendida.  A empreiteira pode cuidar das calçadas, dos postes e do jardim depois que o edifício estiver vendido.  A pizza pode possuir todos aqueles atrativos da foto no momento em que chega à nossa mesa.  Dez minutos depois é outra história.


Já no caso das modelos, acredito que o consumidor -no caso, mais exatamente o admirador, já que elas não estão à venda- faz questão de ser enganado. Ele quer ver a beleza sonhada, a beleza imaginada, a perfeição impossível de ser encontrada na rua, no elevador, no escritório e menos ainda em sua casa.  O ensaio fotográfico é o sonho diante dos olhos. Para a realidade existem os repórteres fotográficos. 


Certa ocasião no Rio de Janeiro, no Leblon, eu estava dentro de uma banca de revistas -daquelas enormes em que a gente entra mesmo, como se fosse uma livraria- olhando as  publicações.  Percebi que havia alguém ao meu lado também observando o que estava exposto, mas isso não tirou a minha atenção das capas coloridas. Era outra pessoa procurando uma leitura e só isso. 


Quando me decidi por folhear uma revista e estendi a mão para pegá-la, numa daquelas coincidências que sempre acontece, outra mão se dirigiu à mesma revista ao mesmo tempo e eu acabei por segurar a mão e não a revista. Aí olhei para o lado  para me desculpar e vi que a mão pertencia a Luiza Brunet. 


Estava sem qualquer maquilagem,  voltando da praia com cabelos molhados e vestindo uma canga enrolada do pescoço aos joelhos.  Pedi desculpas, olhei um pouco mais e continuei minha pesquisa.  Ela pegou a revista e saiu. Uma mulher absolutamente comum, igual a milhares de outras que naquele mesmo instante estariam na mesma praia de onde ela saíra.  Muitas delas bem mais sedutoras.


Deste dia em diante, cada vez que vejo uma foto de Luiza Brunet deslumbrante, me vem à mente a imagem daquela pessoa comum e molhada dentro de uma banca de revista.  Todo o encanto que existira antes daquele dia, desapareceu.  Na verdade, preferia nunca ter visto a antiga musa juvenil tão mortalmente perecível. 


Mas  não me preocupa a demissão do Photoshop na nossa área de publicidade, pois sabemos que ela não acontecerá.  Nenhuma cebola se torna atraente para um cozinheiro ou um gourmet se não passar por ele.


Quanto à demissão do Photoshop nos ensaios de modelos fotográficos, sou contra, embora isso não sirva pra nada.  A arte de reproduzir a beleza humana sempre usou da condescendência, da boa vontade e da ilusão para imortalizar a retratada. Ou vocês acham que a Vênus de Millus mesmo sem os braços, era linda daquele jeito,  ao vivo?   O martelo e o cinzel foram o primeiro Photoshop da humanidade,  permitindo a perfeição e a imortalidade da beleza.  Porque acabar com isso?