SETEMBRO, 1944, WEST END, LONDRES
ENTARDECER DO DIA 19
Depois de algum tempo e com aquelas palavras Ela é minha mãe, ela é minha mãe, ela é minha mãe, ecoando em sua cabeça, George girou o corpo, ficando de lado e observou atentamente o rosto de Melissa. Ela manteve firme o olhar cor de areia enquanto George vasculhava sua expressão em busca de alguma resposta, como se aquele rosto de menina fosse não um choque, mas uma explicação para algo inexplicável. A chave de um mistério que parecia se alimentar do próprio mistério. Tudo era tão absurdo que George sequer se deu ao trabalho de tentar pensar e muito menos entender.
Para sua própria surpresa, estranhamente calmo, desceu o olhar, saindo dos olhos e do rosto de Melissa em direção aos seus seios pequenos e seguiu adiante, até que muito tempo depois encontrou seus pés, com unhas cuidadosamente pintadas de um rosa claro que brilhava incrustado em sua pele morena. Melissa era bela, muito bela.
Quantos anos você tem ?
Esperou alguns segundos, durante os quais Melissa abaixou o olhar e George supôs perceber um leve rubor em sua face.
Dezessete.
George levantou-se lentamente, saiu do quarto sem sequer vestir o roupão e foi até a sala. De um velho armário retirou o que restava de uma garrafa de bourbon guardada para alguma visita que nunca mais tivera, encheu um copo e bebeu de um só gole. Pela janela, o céu misturava nuances do pôr de sol com labaredas, fumaça e melancolia. Pela primeira vez em muito tempo George reparou na paisagem e achou que também ela era bela, muito bela, embora profundamente estranha.
George não conseguia aceitar a maneira pouco cortês com que a vida costuma interferir no mundo que as pessoas pacientemente tecem em busca de algo que idealizam.
Ele conseguira livrar-se do fantasma de Florence com muito esforço e a partir de então se dedicara cada vez menos ao prazer compartilhado, buscando nos seus velhos livros e em raras conversas aqui e ali, o necessário para manter em ordem seus pensamentos, esperar a maldita guerra acabar e pôr em prática uma outra etapa da sua vida. Imaginava ir para a Grécia e viver por lá o seu tempo ainda disponível, pesquisando, lendo, visitando lugares mitológicos e aquecendo-se ao sol do Mediterrâneo.
Agora sobre a sua cama estava o corpo indescritível de uma jovem de 17 anos, ainda molhada do seu suor. Mas isto não seria uma interferência da vida tão grave se esta menina não fosse a filha de quem era. Florence Dayse, materializada em Melissa, mais uma vez invadia a sua vida e como acontecera há quatro anos atrás, despertara nele um apetite voraz.
George, frente à janela e à paisagem, não sabia o que pensar. Sentia em suas costas o toque firme do olhar de Melissa.
Você está bem ?
Como saber ? Estava feliz com o que tinha acabado de desfrutar, não podia negar, mas sentia dentro de si todo o pavor de ser ver diante de um passado que se espreguiça segundos antes de acordar.
George não respondeu e por trás de si o silêncio voltou a reinar.
Depois de muito tempo, quando o sol desistira de iluminar Londres, deixando esta tarefa para as bombas e os incêndios, ele voltou até o quarto. Melissa dormia. George ficou algum tempo contemplando a cena inesperada sem que seu pensamento conseguisse encadear qualquer seqüência ou lógica.
Melissa era uma espécie de reencarnação de Florence, muito pior claro, pois ele sequer sabia se Florence havia morrido. Viva ou morta, ela estava de volta no corpo jovem de Melissa e toda a raiva de George desaparecera logo após o primeiro orgasmo. Mas agora havia uma pessoa dormindo em sua cama.
Sua alma e seu cérebro iriam ter que pensar e propor alguma solução.
Deixá-la ficar e suportar o fantasma de Florence perambulando em sua cama para em compensação alegrar suas noites e reviver seus momentos mágicos de sexo ? Ou mandá-la embora logo que acordasse, para não permitir que a lembrança de Florence se tornasse cada vez mais real e assegurar sua paz, abrindo mão entretanto de toda a magia que pode significar a presença de um corpo jovem ao alcance, no mínimo, das mãos ?
Não era uma questão simples de ser equacionada e menos ainda de ser respondida. A presença de uma mulher na vida de um homem, seja deitada na sua cama ou vagando por seus pensamentos, sempre é um fato complicado, muito mais para George, que há dezenas de anos vivia aquele ciclo nunca quebrado.
Sua timidez atrapalhava o seu apetite sexual e para superá-la ele buscava uma parceira com a qual pudesse ter o mínimo de intimidade. Mas este mínimo teimava sempre em crescer e transformava-se num sentimento também complexo e inexplorado, que trazia junto o maldito ciúme e sentimento de posse, transformando a vida dele num inferno compartilhado.
Aí se sentia incomodado com aquela quebra da sua paz e terminava por provocar uma separação ou aproveitar uma oportunidade de deixá-la acontecer. Depois disso, por algum tempo recuperava a posse de seu território e de sua solidão, achando que estava novamente em paz. Até que começava novamente a sentir falta de uma companhia, de sexo e de presença. Jamais conseguira entender o que era mais difícil de controlar, se o artifício insuportável de sua mente para reagir bem ao sexo ou se a posterior preferência por ficar só.
Nunca soube quando estava sendo honesto com ele mesmo. Nunca ficou muito claro em seu consciente se ele mentia para poder trepar ao se apaixonar ou se mentia para se livrar da angústia do ciúme ao se separar. Agora o dilema estava novamente invadindo sua vida e desta vez com a forma física mais fascinante que já tivera. Melissa era lindíssima e fazia sexo como sequer Florence soubera fazer. George não conseguiu responder ao dilema da tarde-noite, que ainda seria um dilema ao amanhecer.