Cultura

VI CAPÍTULO DA NOVELA "UM TÁXI PARA O ALBANY", POR MARCO GAVAZZA

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| 20/06/2009 às 21:21
A beleza de Melissa atordoou a cabeça de George
Foto: Ilustração
 

CAP. 6

SETEMBRO, 1944, WEST END, LONDRES

ENTARDECER  DO DIA  19


Depois de algum tempo e com aquelas palavras Ela é minha mãe, ela é minha mãe, ela é minha mãe, ecoando em sua cabeça, George girou o corpo, ficando de lado e observou atentamente o rosto de Melissa.  Ela manteve firme o olhar cor de areia enquanto George vasculhava sua expressão em busca de alguma resposta, como se aquele rosto de menina fosse não um choque, mas uma explicação para algo inexplicável. A chave de um mistério que parecia se alimentar do próprio mistério. Tudo era tão absurdo que George sequer se deu ao trabalho de tentar pensar e muito menos entender.


Para sua própria surpresa, estranhamente calmo, desceu o olhar, saindo dos olhos e do rosto de Melissa em direção aos seus seios pequenos e seguiu adiante, até que muito tempo depois encontrou seus pés, com unhas cuidadosamente pintadas de um rosa claro que brilhava incrustado em sua pele morena. Melissa era bela, muito bela.

   

Quantos anos você tem ? 


Esperou alguns segundos, durante os quais Melissa abaixou o olhar e George supôs perceber um leve rubor em sua face.

   

 Dezessete. 


George levantou-se lentamente, saiu do quarto sem sequer vestir o roupão e foi até a sala. De um  velho armário retirou o que restava de uma garrafa de bourbon guardada para alguma visita que nunca mais tivera, encheu um copo e bebeu de um só gole. Pela janela, o céu misturava nuances do pôr de sol com labaredas, fumaça e melancolia. Pela primeira vez em muito tempo George reparou na paisagem e achou que também ela era bela, muito bela, embora profundamente estranha.


George não conseguia aceitar a maneira pouco cortês com que a vida costuma interferir no mundo que as pessoas pacientemente tecem em busca de algo que idealizam.


Ele conseguira livrar-se do fantasma de Florence com muito esforço e a partir de então se dedicara cada vez menos ao prazer compartilhado, buscando nos seus velhos livros e em raras conversas aqui e ali, o necessário para manter em ordem seus pensamentos, esperar a maldita guerra acabar e pôr em prática uma outra etapa da sua vida.  Imaginava ir para a Grécia e viver por lá o seu tempo ainda disponível, pesquisando, lendo, visitando lugares mitológicos e aquecendo-se ao sol do Mediterrâneo.

  

Agora sobre a sua cama estava o corpo indescritível de uma jovem de 17 anos, ainda molhada do seu suor. Mas isto não seria uma interferência da vida tão grave se esta menina não fosse a filha de quem era. Florence Dayse, materializada em Melissa, mais uma vez invadia a sua vida e como acontecera há quatro anos atrás, despertara nele um apetite voraz.

  

George, frente à janela e à paisagem, não sabia o que pensar. Sentia em suas costas o toque firme do olhar de Melissa.


Você está bem ?

  

Como saber ?  Estava feliz com o que tinha acabado de desfrutar, não podia negar, mas sentia dentro de si todo o pavor de ser ver diante de um passado que se espreguiça segundos antes de acordar.

   

George não respondeu e por trás de si o silêncio voltou a reinar.


Depois de muito tempo, quando o sol  desistira de iluminar Londres, deixando esta tarefa para as bombas e os incêndios, ele voltou até o quarto. Melissa dormia. George ficou algum tempo contemplando a cena inesperada sem que seu pensamento conseguisse encadear qualquer seqüência ou lógica.


Melissa era uma espécie de reencarnação de Florence, muito pior claro, pois ele sequer sabia se Florence havia morrido. Viva ou morta, ela estava de volta no corpo jovem de Melissa e toda a raiva de George desaparecera logo após o primeiro orgasmo. Mas agora havia uma pessoa dormindo em sua cama.


Sua alma e seu cérebro iriam ter que pensar e propor alguma solução.


Deixá-la ficar e suportar o fantasma de Florence perambulando em sua cama para em compensação alegrar suas noites e reviver seus momentos mágicos de sexo ?  Ou mandá-la embora logo que acordasse, para não permitir que a lembrança de Florence se tornasse cada vez mais real e assegurar sua paz, abrindo mão entretanto de toda a magia que pode significar a presença de um corpo jovem  ao alcance, no mínimo, das mãos ?

    

Não era uma questão simples de ser  equacionada  e menos ainda de ser  respondida. A presença de uma mulher na vida de  um homem, seja deitada na sua cama ou vagando  por seus pensamentos,  sempre é um fato complicado, muito  mais para George, que  há dezenas de  anos vivia aquele ciclo nunca  quebrado.


Sua timidez atrapalhava o seu apetite  sexual e para superá-la ele  buscava uma  parceira com a qual pudesse ter o mínimo de intimidade. Mas este mínimo teimava sempre em crescer  e transformava-se num sentimento  também complexo e inexplorado, que trazia  junto  o maldito ciúme e sentimento de  posse, transformando a vida dele num inferno compartilhado.


Aí se sentia incomodado com  aquela quebra da sua  paz e terminava por provocar uma separação ou aproveitar uma  oportunidade de deixá-la acontecer.  Depois disso, por algum  tempo recuperava a posse de seu território e de sua  solidão, achando que  estava novamente em  paz. Até que começava novamente a sentir  falta de uma companhia, de sexo  e de presença. Jamais conseguira entender o que era mais difícil de controlar, se o artifício insuportável de sua  mente  para reagir bem ao sexo ou se a posterior preferência por ficar só.


Nunca soube quando  estava sendo  honesto com ele  mesmo. Nunca ficou muito claro em seu consciente se ele mentia para poder trepar ao se  apaixonar ou  se  mentia  para se livrar da  angústia do ciúme ao se separar. Agora o dilema estava novamente invadindo sua vida e desta vez com a forma física mais fascinante que já tivera. Melissa  era lindíssima e  fazia sexo como sequer Florence soubera  fazer. George não conseguiu responder ao dilema da tarde-noite, que ainda seria um dilema ao amanhecer.