Cultura

JURA DE AMOR ETERNO É PROPAGANDA ENGANOSA?, POR MARCO GAVAZZA

Vide
| 10/06/2009 às 09:07
Na carteira de identidade a foto tem que ser real e não uma outra fotografia
Foto: Divulgação
  Por muito tempo a propaganda foi considerada em sua essência, como enganosa. Era comum a expressão "isso é propaganda" para referir-se a alguma mentira ou exagero.  Na edição de 6ª feira, 05.06 do nosso Bahia Já,  a coluna Direito comenta a decisão da Justiça em acionar o Extra através do Ministério Público, sob a acusação de propaganda enganosa em sua campanha Preço Não Se Discute.  Claro que agora comento o fato sob o ponto de vista publicitário e não legal, pois para isso existe a competência do colega colunista Henrique Guimarães. 

  Propaganda enganosa sempre existiu e sempre existirá. Até a Bíblia conta quanta mentira o capeta inventou para convencer Jesus a passar pro lado dele. Agora falando sério, já foi pior, muito pior, pois quando a cidade e o mercado consumidor eram menores, a concorrência entre os diversos segmentos também era (quando não monopólio) e assim fazia-se o que bem queria.  Além do crescimento da concorrência, que levou à necessidade de fidelização de consumidores, a legislação e a auto-regulamentação -especialmente o Conar-  também contribuíram para reduzir o tamanho das mentiras publicitárias, que entretanto continuam existindo. 


  Você vê num busdoor alguma gráfica rápida anunciando a impressão colorida em formato A3 e papel couchê por mínimos centavos. Quando v. chega lá com seu pen drive na mão para imprimir a foto de seu namorado, é informada que aquele preço só vale para impressões acima de não sei quantas mil cópias. Pior: isto estava escrito na peça publicitária. Estava sim, estava escrito em letras minúsculas, com a frase na vertical, num cartaz colado em um ônibus em movimento. É propaganda enganosa? Não. As condições estavam realmente informadas na peça publicitária.


  Pergunto de novo: é propaganda enganosa? Claro que é.  A intenção de enganar é óbvia e está em quase toda a comunicação.  Você já parou para comparar as fotos dos cardápios ou cartazes do Habib's, do Mac, do Bob's e outras redes de fast food,  com o que chega à sua mesa?  É propaganda enganosa e exatamente por causa desta diferença, no filme Um  Dia De Fúria Michael Douglas destrói a tiros uma lanchonete.  Tudo bem, na ficção o seu personagem estava no limite do estresse, mas nunca é demais lembrar que "limite do estresse" também existe na vida real.


  A comunicação imobiliária por exemplo, anda eternamente sobre um fio de navalha,  com as empreiteiras lutando para evitar descuidos que possam levar um consumidor a acioná-las e ao mesmo tempo usando de todos os artifícios possíveis para mostrar algo deslumbrante e que na realidade poderá ser diferente.  A magnífica perspectiva da varanda gourmet com  churrasqueira, vista para o mar até a costa da África e espaço para umas 20 pessoas tem sob ela a frase "de acordo com a lei 4.591/64 as fotos e perspectivas deste material são meramente ilustrativas"  sempre em letras quase invisíveis.
  Ou seja: está dentro da lei. Mas pode vir a ser enganosa. Aquela imagem ilustrativa é a única identificação e diferencial reais para o consumidor, de um produto que nem existe ainda.

  Eu não posso colocar na minha carteira de habilitação uma foto com olhos verdes e cabelos loiros com uma legendinha embaixo dizendo que ela é "meramente ilustrativa". O guarda não vai achar graça nenhuma.


  Poderia seguir citando indefinidamente exemplos de "enganos dentro da lei" praticados por diversos segmentos empresariais em sua comunicação. O título desta matéria evoca uma questão ainda mais séria: as promessas de campanha feitas por candidatos a qualquer cargo, poderiam ser cobradas posteriormente através do MP? 


  Não sei. Talvez sim, pois sempre existem gravações de discursos e de programas eleitorais como documento e nenhuma delas tem a informação de que "as promessas deste discurso são meramente ilustrativas". Mas, provavelmente uma ação neste sentido não teria qualquer resultado, caindo naquela pilha de milhares de processos que cada juiz tem para julgar, até que fosse esquecida.


  Porque é assim?  Faz parte da natureza humana colocar lentes de aumento sobre suas próprias qualidades.  É natural eu me achar mais inteligente do que realmente sou, você se achar mais bonita do que é e seu namorado se achar mais forte do que todo mundo.  Mas até aí não estamos prejudicando ninguém além de nós mesmos.  No máximo eu posso falar uma asneira em público, você pode se frustrar por não ser o centro das atenções numa festa e seu namorado levar uma porrada sem saber nem de onde veio.


  Quando entretanto queremos "vender"  a alguém esse excesso de qualidades que acreditamos ter,  estamos enganando e causando prejuízo a alguém.  Quando mentimos em nosso currículo e somos contratados com base nestas informações, vamos ter um rendimento abaixo da necessidade da empresa, além de estarmos ocupando o lugar de alguém realmente competente.


  Isso em escala industrial e comercial é evidentemente catastrófico e sua existência, de forma mais velada ou menos visível, me parece ser -antes de um defeito moral generalizado dos anunciantes- um dos efeitos colaterais da absoluta falta de poder aquisitivo da imensa maioria dos habitantes deste país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza.


  Um hambúrguer exatamente como o da foto custaria o triplo do que é cobrado pelo hambúrguer  real.  A varanda gourmet como é sugerida no folheto, elevaria o preço do apartamento em alguns milhares de reais, por aí vamos.  Mas existe a necessidade de seduzir e vender para quem produz. Isto não justifica a mentira publicitária,  mas explica.  Como explica também o DVD pirata,  o perigoso hot-dog+suco por 1 real vendido em caixas de plástico pela rua,  a auto-medicação,  o mecânico sem qualquer capacitação,  o  eletroeletrônico que não funciona, as vantagens bancárias que só dão prejuízo e tantas outras mentiras cotidianas.


  Para mim, tudo está na mesma raiz social:  uma população imensa com muita vontade e pouquíssimo dinheiro para consumir qualidade.  É triste, mas é o Brasil.