Cultura

CAPÍTULO IV DA NOVELA "UM TÁXI PARA O ALBANY", POR MARCO GAVAZZA

Veja o que aconteceu
| 07/06/2009 às 08:12
Londres, à noite, onde se passa a trama da novela escrita por Marco Gavazza
Foto: Arquivo
 

Seguido por Florence, que apertava o passo para acompanha-lo, Terence foi aos poucos sendo informado por ela de que os americanos estavam em Londres também procurando agentes duplos não só dos Estados Unidos, mas da própria Inglaterra e que suspeitavam de nomes jamais imaginados. Terence soube ainda por uma Florence quase ofegante que eles estavam de viagem marcada para Washington, o que significava estarem bem perto de descobrir o que procuravam. Ao ouvir que além disso, Florence também se dizia disposta a tornar-se amante de um deles ou até de ambos e seguir com eles para  os Estados Unidos só para descobrir o que eles havia descoberto, Terence parou na calçada, na noite de Londres e no tempo acumulado.

   

Sentiu em seu coração um bater distinto, longe daquele compasso ritmado e inalterável de quem se acostumou a enfrentar todas as situações possíveis de perigo. Como Oficial Operacional Graduado do MI 6, o serviço secreto de Sua Majestade, sua mente também treinada para acusar possibilidades invisíveis para a maioria dos seres humanos, imediatamente registrou o perigo existente, como  um radar que registra o inimigo entre todos os outros sinais.

   

Amor.

   

Os manuais do serviço secreto não previam tal situação, mas ela parecia ser tão real quanto as bombas alemãs, o cordeiro com menta e as coxas torneadas de Florence Dayse Vatumbí Nash.

  

Seria isto que sentia por ela todo este tempo ? 

  

Será que há a possibilidade do amor se manter latente, invisível como uma mina sob o solo no campo, esperando apenas que um pé ou um animal distraído pise nela para explodir ?  Existiria esta espécie de amor, traiçoeira, silenciosa, capaz de se instalar furtivamente no coração de alguém e lá se deixar quieta, até que um dia surgisse a oportunidade de revelar sua força, seu poder e sua extensão ?

   

Decerto sim. Pois era isso que sentia neste instante. Mesmo sem olhar para Florence, Terence podia perceber que ela não estava entendendo sua parada súbita, enquanto mentalmente buscava uma razão para o possivelmente próximo sermão. Mas não haveria sermão desta vez.


Terence  Raymond Burton sequer conseguia manter seus sentidos alertas dentro do cenário da guerra, estando portanto muito longe de iniciar qualquer tipo de comentário a respeito do trabalho de Florence ou dos seus planos para desenvolve-lo. Restavam a ele apenas algumas centenas de peças flutuando na sua cabeça e começando a encaixar-se muito rapidamente.

  

O amor não é uma pedra que surge do nada diante dos nossos pés, forçando-nos a desviar no caminho antes traçado ou então nos surpreendendo com um tropeço. O amor é uma colina, que se sobe quase sem perceber e que aos poucos vai mudando a paisagem à nossa volta até descobrirmos que chegamos ao  alto. Ou então, uma colina que nós mesmos vamos construindo lentamente, punhado por punhado de terra, de grama, de seixos e beijos, e que conscientemente vamos galgando na esperança de chegar a uma paisagem melhor.

  

Terence Burton havia subido a sua primeira hipótese de colina, sem perceber que havia a colina. Talvez a situação formal, a hierarquia paramilitar,  o silêncio dos agentes de informações, a própria guerra houvessem camuflado tudo. Como Alice At The Wonderland; ou o poço era muito profundo ou a queda muito lenta, pois Terence jamais percebera o que se passava em seu coração.

   

Mas agora, a simples possibilidade de Florence atravessar o Oceano Atlântico seguindo atrás daqueles americanos ridículos levantara as cortinas no alto da colina e  revelara a Terence a possibilidade de uma nova paisagem. Ele conhecera Florence numa sala úmida e pouco iluminada, num prédio qualquer de escritórios da City.

   

Alguém do serviço secreto falara sobre uma morena muito linda que servia de acompanhante para alguns discretos e bem posicionados senhores da cidade. Ela tinha acesso a diversos círculos sociais e a informações possivelmente interessantes. Terence dera um jeito de mandar um recado para ela, como se fosse mais um dos interessados em seus favores.

   

Marcaram um encontro e Terence lembrava bem a dificuldade que tivera para abordar o assunto real que o motivava a querer aquela conversa, não só pelos cuidados naturais que a situação exigia, como pela visão perturbadora daquelas coxas morena cruzadas diante de seus olhos sem qualquer preocupação com proteção ou pudor. Florence recebera com entusiasmo a possibilidade de tornar-se informante do serviço secreto, até porque o ir e vir entre as camas de seus amigos e protetores tinha muito de monotonia.

    

Agora, Terence perdia completamente o poder de articular palavras e seguia parado na calçada. Amor. Impossível ser isso, mas se não for, o que será ? 

   

Quer trepar ?  

   

Mal acabara de pronunciar as duas palavras e Florence tomou-se de pânico. Porque falara aquilo ? Estava excitada com os jogos iniciados no restaurante com os americanos, sabia que era impossível procurar George naquela noite, mas isto não deveria ser motivo suficiente para fazer tal proposta a Burton. Nunca. Além de não sentir grande atração por ele, sabia que poderia estragar uma situação que lhe agradava e poderia ser extremamente interessante.

  

Mas palavras ditas não voltam à alma e Burton agora parecia que ia desmaiar, seus olhos ameaçavam pular das órbitas enquanto olhava Florence ali parada sob a luz fraca dos postes e os clarões de bombas que explodiam ao longe.


Trepar ?


Sim, queria e muito. Poderia dizer que sim, sair dali, se enfiar com Florence num hotel qualquer e transformar em suor e orgasmos todas as suas fantasias. Mas nunca faria isto. Jamais diria a Florence que sim. Seria arriscar o sonho hipotético do amor e mais ainda, a própria carreira. Comprometer quem sabe, o resultado da  própria guerra, exagerava, tentando fazer com que parte do seu cérebro convencesse a outra parte e encerrasse logo aquele momento suspenso no ar. Não, nunca diria a Florence que aquilo era o que mais desejava. Nunca, jamais diria que sim.

    

Quero.

    

Terence Burton descobriu que realmente não poderia ter dito isto, algum tempo mais tarde. Ao acordar,  sentiu o braço de Florence envolvendo seu peito e a coxa apoiada sobre sua perna. Ela estava completamente nua e dormia calmamente. Em poucos segundos ele reviveu mentalmente todos os momentos desde que entraram naquele quarto de hotel, contrariando toda  a lógica  que  seu cérebro  treinado lhe recomendava.


A começar pelo instante em que se voltou após fechar as cortinas da janela que dava para um parque e viu diante de si Florence Dayse livre do vestido indiano, corpo moreno completamente despido diante dele, lábios entreaberto e seios arfantes.


Daí em diante ela fez dele o que bem desejou. Ajoelhado diante dela, Burton começou por onde imaginou que deveria até que ela decidiu comandar os movimentos, levando-o por caminhos nunca imaginados de prazer.


Agora ele pensava se saindo silenciosamente e deixando-a ali, ela poderia esquecer o que acontecera, considerando tudo apenas a conseqüência natural de uma noite tumultuada e cheia de mal entendidos.


Ao primeiro movimento de Burton no sentido de sair discretamente da cama, Florence Dayse acordou e pressionando o braço sobre seu peito fez com que ele permanecesse deitado. Rapidamente levantou-se e girou o corpo sentando sobre suas pernas   


No primeiro sinal de reação de Terence, Dayse encaixou-se sobre sua  virilha, olhando fixamente  para ele.  Com os lábios entreabertos, braços erguendo os cabelos como  se pretendesse deixá-los flutuando no  ar,  ela começou o maldito movimento paralisante para qualquer homem. 


Terence Burton então teve certeza de que nunca, nunca, nunca poderia ter dito sim.