Cultura

III CAPÍTULO DA NOVELA "UM TÁXI PARA ALBANY", POR MARCO GAVAZZA

Vide
| 30/05/2009 às 23:19
A Torre de Londres, à noite, guarda alguns mistérios da capital britânica
Foto: Arquivo
 

Florence Dayse conseguia imaginar a expressão do rosto de George se acaso ela contasse aquela estranha história  que apesar de tudo, era verdadeira. Mas a verdade não existe, achava ela. Existe apenas o que vemos e ouvimos, formando uma determinada verdade para cada um de nós. A partir de um fato, surgem inúmeras verdades para inúmeras pessoas.


Naquele momento, para os americanos e para George ela nada era além de uma prostituta. Para George, os americanos eram dois idiotas sedentos por deixar punhados de dólares entre as pernas de Dayse; e para os americanos, George sequer existia. Nada disso era verdade e tudo isso era verdade, a um só tempo.


Mas ninguém aceitava isto, para silenciosa indignação de Florence. Todos acreditavam haver apenas uma verdade e seguiam perseguindo isto até tornarem-se crédulos diante de qualquer fato ou quedarem-se exaustos numa busca interminável. Agora, ela própria estava diante de um jogo de verdades múltiplas, da qual era peça principal. Incomodava-lhe saber que George estava sofrendo, agradava-lhe a possibilidade de descobrir alguma informação importante para o governo britânico, além dos hábitos sexuais de determinados senhores e excitava-lhe a perspectiva de ir logo para a cama com aqueles dois desajeitados agentes americanos. Quem sabe eles conhecem posições mais atrevidas que as comportadas fórmulas londrinas.


Tudo isso passava pela cabeça de Florence com muita rapidez o que entretanto não a impedia de sentir a mão do americano sentado ao seu lado penetrando pela fenda lateral do seu vestido e subir lentamente por suas coxas até encontrar sua calcinha. A longa e surrada toalha que revestia a mesa, escondia do resto dos freqüentadores do Veronica's, o atrevido jogo de excitação que começava a acontecer ali.


Florence permitiu que a mão do americano à sua direita avançasse por entre sua calcinha e sua virilha, até que seus dedos começassem a buscar passagem entre seus pelos macios e umedecidos. Enquanto isso, ela própria levantava a perna deslizando o pé até roçar o membro do outro, sentado à sua frente.  Este lentamente pôs a mão sob a mesa e o tirou para fora das largas calças permitindo que Florence passasse a masturbá-lo com pé macio,  moreno e agora descalço . Os dedos que buscaram passagem entre os seus pelos já haviam encontrado o que queriam e agora se moviam dentro dela, fazendo Florence pressentir um orgasmo. Latejando entre seu pé e a própria mão, ela percebia que o americano em frente breve também gozaria.


Documentos, por favor.

  

A volta dos três ocupantes da mesa à realidade foi rápida, porém desconcertante. De pé diante deles dois policiais olhavam impassíveis o trio que tentava se recompor; escudos da Scotland Yard reluzindo ameaçadores no uniforme um pouco amarrotado.


Mas o que está acontecendo ? Não se pode jantar em paz ? Não basta a guerra a nos incomodar ? 


Florence tentava manter a voz firme, deixando que o tom levemente afogueado que o orgasmo interrompido emprestava ao seu rosto se confundisse com indignação.


Documentos senhores. Por favor.


Os americanos agora recobravam a consciência de onde estavam e já enfiavam as mãos nos bolsos a procura de passaportes, sem  pronunciar uma única  palavra.


Isto é um abuso, insisto.


Os policiais examinaram detidamente os passaportes apresentados, perguntaram aos americanos o que faziam ali e eles apresentaram carteiras de jornalistas. Correspondentes de guerra divertindo-se com uma inglesa exótica. Da mesma forma surpreendente como chegaram, os policiais se retiraram.


Ali estava mais um jogo de verdades várias, pensava Florence, ao imaginar que os policiais viram três pessoas esperando um jantar quando na verdade elas estavam fazendo um gênero estranho de sexo. Viram dois jornalistas onde havia dois agentes secretos e viram uma prostituta onde havia também uma informante do governo britânico. Florence divertia-se montando mais este jogo de verdades múltiplas quando uma pergunta explodiu em sua mente, como se mais uma daquelas malditas bombas alemãs houvesse explodido, desta vez dentro do seu cérebro.  Como aqueles policiais descobriram que naquela noite sombria, dois americanos jantavam no Veronica's ?


George. Outra bomba alemã explodiu dentro do seu cérebro e quando a poeira e os estilhaços ficaram quietos, Florence teve a certeza absoluta de que George havia encontrado os bobbies em sua ridícula ronda em plena noite de guerra e lhes informara sobre os americanos. Esta fora a maneira torpe e doente que George encontrara para vingar-se dela. Vinha sendo assim recentemente, pensava Florence enquanto sem observar percebia que os americanos já pagavam a conta. Porque George insistia em sentir-se dono dela ?  Como pode uma pessoa pertencer a outro ? 


Inconcebível. Florence não conseguia processar em sua mente a possibilidade de alguém viver apenas com uma pessoa e apenas para uma pessoa. Mas era assim que George queria que as coisas fossem. Não bastava a presença dela quando ele a queria por perto ? Não bastava o seu esforço em proporcionar-lhe um sexo agradável e intenso, mesmo que estivesse cada vez mais difícil provocar-lhe uma ereção ? Ela escutava seus lamentos a respeito do comércio de móveis usados, sobre a infâmia da guerra, sobre a solidão e sobre as companhias cotidianas, sobre o aluguel do apartamento no Albany, sobre o preço absurdo das corridas de taxi, sobre qualquer coisa.


Escutava atenciosa enquanto observava atenta qualquer movimento tênue do pênis de George, deitado nu ao seu lado após um orgasmo solitário, disposta a fazer com que ele a penetrasse novamente e relaxasse um pouco. Aceitava ser cada vez menos convidada para um jantar ou um teatro ou até mesmo um simples passeio antes do toque de recolher. Aceitava tudo porque gostava de George. Mas, gostava principalmente de si mesma e se dava ao direito de estar com outras pessoas, sentir prazer completo com elas e se divertir de verdade.

    

Well, baby, let's.

    

Florence ouviu o inglês dos americanos e viu que eles estavam saindo do Veronica's apressados. Deixou-os ir e ficou um longo tempo bebendo da trêmula taça de vinho enquanto pensava na  oportunidade perdida de  descobrir atrás do que estavam aqueles americanos; na noite de sexo intenso  que poderia ter tido  com  os  dois; em George e no que poderia acontecer com seu relacionamento, agora que ele não sentia mais felicidade apenas em beber, rir e fazer sexo com ela. Queria também seus passos, seus minutos e seus pensamentos.  De repente seus olhos viram incrédulos surgir porta adentro pelo Veronica's e dirigir-se decididamente à sua mesa ninguém menos que Terence Burton. Era demais para uma noite só.


Droga de guerra, americanos filhos da puta, maldita Londres, George de merda. 

     

Isto sem falar de Terence para culminar. 

     

Acho que não estaria exagerando se dissesse que para você, a guerra está sendo uma diversão. Devo também supor que você ainda não percebeu a importância do trabalho que confiamos a você, caso contrário não estaria praticamente trepando com dois agentes do serviço secreto americano num restaurante. Procure entender que não nos livraremos destes alemães descontrolados apenas com contra-ataques aéreos. Precisamos dete-los também nas ruas e por isso corremos atrás dos seus informantes, seus agentes infiltrados e de preciosas informações. Por isso temos que seguir todas as pistas e tentar todos os caminhos. Entretanto me parece só haver para você o caminho da cama, seja com aquele gordo vendedor de móveis, com tantos outros impassíveis londrinos e agora, estes dois  a quem você deveria seguir os passos e não os paus.

  

Terence iniciara seu discurso imediatamente após sentar-se diante de Florence, sem que ela pudesse ao menos abrir a boca. 

   

Trepo com quem eu bem entender e isto não só em tempo de paz. Acho que você está com raiva por eu nunca ter sentido qualquer interesse de seguir o seu pau, mas se quiser me escutar, posso informar o que já sei e o que estou fazendo. 

  

Terence precisou de um longo tempo para controlar-se, no que foi ajudado pelo detonar de mais algumas bombas alemãs de verdade.


Vamos sair daqui.