Cultura

MÃE, JÁ COMEÇOU A HORA DO ESTUPRO?, COMENTA MARCO GAVAZZA

Marco Gavazza escreve sobre publicidade neste site
| 27/05/2009 às 09:18
O fascíncio da TV e o controle sobre as mentes humanas
Foto: Divulgação
 

Por que justamente os programas ditos ou conhecidos como "populares" relacionados à violência, com direito a cenas de agressão de pessoas civis comuns, por policiais em suas todas as esferas,  fazem tanto sucesso?


A pergunta chega até mim num e-mail enviado por um amigo e é de difícil resposta. O assunto tem sido inclusive tema de discussões em certos níveis do poder, na busca de uma solução para o assunto.  Embora concorde que determinadas coisas que estão diariamente no ar na televisão local sejam verdadeiras aberrações, ainda assim não acho que as preferências do público -sim, eles gostam- sejam motivo para intervenção oficial. O nome disso é censura.


A questão é complicada. Vamos fazer um exercício de abstração. Vamos comparar um aparelho de TV com uma banca de revistas. Você chega na banca e lá estão expostos à sua frente centenas de títulos de publicações. Tem desde revistas pornográficas acompanhadas de um respectivo DVD com os malabarismos sexuais de atores sem qualquer charme até  fascículos sobre Darwin com direito a pequenos dinos para montar.  Entre estes extremos, jornais de todas as tendências, revistas sobre qualquer coisa, horóscopos, Dostoievski, Sabrina, Sabrina Sato, culinária e gays.  Você escolhe o que bem entender ou pega aquilo que está procurando, paga e vai embora.


Na televisão acontece a mesma coisa, de graça.  Também tem de tudo e pode-se escolher o que quiser.  Tem até TVE, devidamente sucateada pelo poder público. A diferença é que a banca, mesmo estando no meio das ruas,  tem privacidade.  As revistas estão fechadas, os DVDs de sexo explícito estão lacrados e os jornais impressos com sangue estão fechados.  Você coloca seu preferido numa sacola ou debaixo do braço e vai ler onde achar mais conveniente. Já a televisão quando ligada, a menos que v. esteja em seu quarto com a porta trancada, é um meio de comunicação de massa. Ela é classificada assim não porque para cada espectador exista um aparelho, mas porque para cada aparelho existem inúmeros espectadores. Quem chegar perto está vendo. Se ela estiver ligada num lugar público aí então fica incontrolável.


Depois de citar como exemplo um seu amigo, a pessoa que me enviou o e-mail continua: Para você ver meu Gavazza, que esses programas (como era de se esperar...), não atingem a chamada classe sem instrução, atinge a todos, inclusive o meu amigo, executivo de uma multinacional.


Acontece que  ninguém é obrigado assistir o que não quer.  A televisão tem controle remoto de canais e botão de desligar.  Se ligar no Bocão é para quem acha que vale a pena.  Quem não acha muda de canal ou desliga a TV.  Alternativas é que não faltam.  Um DVD player custa 100 reais e os piratas estão em qualquer lugar  a 3x10.  Um radinho qualquer pode tocar uma música bacana. Em último caso uma partida de dominó com os amigos debaixo do poste da esquina é mais saudável.


A proliferação destes programas é lastreada pela sua aceitação. Somente de uma coisa podemos ter absoluta certeza: nenhuma emissora de TV mantém no ar um programa que ninguém vê.  Se muitos querem ver miséria e sangue, sempre haverá quem oferte e sempre haverá quem anuncie para aquele público que também -e principalmente- é consumidor.


Porque tanta gente se interessa por isso? Bem aí é matéria para estudo psico-social e eu não me atrevo a dar palpites.  Esta realidade parece apontar para um consciente coletivo profundamente doente,  convivendo com balas perdidas na rua e vendo o replay no horário de descanso. O perfil socioeconômico e cultural brasileiro é chocante e não surgiu e se firmou graças aos meios de comunicação. De Casa Grande e Senzala até Na Mira do Crime percorremos um longo caminho para chegar até ele.  Olhando o cenário do ponto de vista da comunicação portanto,  por mais cínico que isto possa parecer,  não vejo nada de tão extraordinário.  É a cultura brasileira. As emissoras de televisão informam, obrigadas por lei, a faixa etária recomendável para cada programa. Alguém já mandou -ou conhece quem o tenha feito- uma criança sair da sala quando começa um programa não recomendável para a idade dela?  Os browsers  de internet possuem um histórico de sites visitados, além de dispositivos que limitam o acesso a determinados endereços.  Alguém já rastreou a navegação dos seus filhos pela web? Ou ativou os bloqueios de acesso a sites inadequados?  Alguém já viu  um jornaleiro se recusar a vender uma publicação destinada a maiores para um garoto de 16 anos?


A mídia jornalística não inventa o crime.  A ficção sim.  Claro que a ficção possui uma demanda menor que a informação  e leitores mais conscientes. É certo que a imprensa poderia atenuar a sua avidez por tragédias e aberrações, mas não é obrigada a isso.  Adultos sabem escolher o que querem ver, ler, ouvir. Se o que escolhem é da mais baixa qualidade, fazer o que?  Adultos devem educar seus filhos ensinando-lhes conceitos morais e éticos, além de dificultar o seu acesso à lama da vida. Com fazer isso se eles próprios não possuem este conhecimento?


Vamos estabelecer a censura, então? Não se fala mais em crimes, não se mostram mais cadáveres e pronto, acabou a violência no Brasil.  Será que é assim mesmo?  Se qualquer um de nós formadores de opinião,  bem sucedidos culturalmente, com um razoável  patrimônio filosófico e ético ousar dar uma banda pelas quebradas e vielas do Pela-Porco, vai ter certeza de que não adianta nada distribuir Bíblias ou Alcorões por lá.


Enquanto este país não se preocupar com educação, saúde, emprego, moradia e dignidade humana, será do jeito que está e daí pra pior.  Aqueles que foram eleitos para resolver isso, podem até achar que ainda cabe sujeira embaixo do tapete e subir em plenário esbravejando contra a baixaria na televisão, ameaçando impedir programas de irem ao ar.


E a baixaria no poder que dá origem a todas as outras baixarias e que se tornaram íntimas do pobre povo brasileiro, quem impede?