Cultura

ALÔ? É DO JARDIM DA SAUDADE? O DEFUNTO FULANO ESTÁ?, POR MARCO GAVAZZA

Para conta gavazza@mg3brasil.com
| 30/04/2009 às 20:26
Ninguém aguenta a insistência das meninas do telemarketing. Arg!
Foto: Div
  Bom dia. Com quem eu estou falando?"  Pronto. Imediatamente v. percebe que aquela voz com sotaque paulistano foi treinada durante meses e já repetiu a pergunta no mínimo umas quinhentas vezes somente neste dia.  Você responde que é o caseiro, a faxineira, um assaltante, o cachorro, qualquer coisa e a voz insiste: "Eu poderia falar com o senhor Fulano; ele está?"  Você diz que ele ou ela não está e que você na verdade nem conhece essa pessoa e que ninguém mora ali. A voz não desiste: "E a que horas eu posso encontra-lo? É que a Alô está com uma promoção especial, válida somente hoje..."  e segue falando sobre minutos grátis, bônus, aparelhos de presente etc. como se você realmente estivesse interessado naquilo tudo. Você desliga o telefone e resmunga algum palavrão tentando voltar ao que estava fazendo. 

 O que está acontecendo com o telemarketing no Brasil? Parece que longe de adotar toda uma tecnologia de eficiência para a expansão de mercado está atuando mais ou menos com a mesma falta de educação com que os brasileiros costumam usar o telefone.  Quantas vezes ao atender o toque do aparelho você ouviu perguntarem se era outra pessoa e quando dá a informação de que discaram errado simplesmente desligam o telefone em sua cara? Ou então antes mesmo que v. termine de dizer "alô" alguém pergunta "Quem está falando?"  Nestes casos eu costumo responder: "Você. Eu nem abri a boca." Também costumam desligar na minha cara do mesmo jeito. E nem estou falando de celulares tocando em cinemas, teatros, igrejas, nada disso.


  O desconhecimento do uso civilizado do telefone é tão grande que chega a ser engraçado. O meu celular por exemplo, tem o número igualzinho -todos os dígitos- a um outro pertencente a alguém chamado Celso, que usa porém o prefixo 75. Recebo incontáveis ligações para Celso, incluindo crianças que insistem que sou o avô delas. A mais curiosa entretanto aconteceu quando atendi uma chamada e do outro lado, sem esperar qualquer palavra, uma voz informou: "Seu Celso, a gente está indo embora". Com toda calma do mundo respondi que aquele não era o telefone do Celso. Ao que a voz, com a mesma pressa, retrucou: "Tá legal. Então diz a ele que a gente já está indo." E desligou.


  No telemarketing tupiniquim, além da insistência acima dos limites do suportável, as ligações acontecem a qualquer hora do dia ou da noite, não importando se o momento é conveniente ou não. A coisa ficou tão séria que já existem projetos em andamento no Congresso tentando criar limites, critérios ou qualquer outra coisa que impeça os abusos do telemarketing, como se ele fosse uma forma perigosa de assédio.


Acontece que o telemarketing é uma ferramenta extremamente eficiente de vendas em quase todos os lugares no mundo quando utilizada de maneira inteligente.  A regra nº 1 do telemarketing é a sua pré-identificação.  "Bom dia. Aqui é o serviço de telemarketing da Alô. O senhor está interessado em uma oferta especial?"  Se a resposta é sim ou se acontece uma hesitação, o profissional de telemarketing prossegue. Com cuidado. Se a resposta é não ele agradece por ter sido atendido (mesmo sabendo que v. atendeu aleatoriamente), pede desculpa por um possível incomodo e vai embora sem detonar a imagem da empresa para a qual trabalha.


O telemarketing, de todas as formas que uma empresa tem para se comunicar com o seu público, é a mais direta. É alguém que representa a marca falando ao vivo com o potencial consumidor. É mais direta até que as vendas pessoais por catálogos e mostruários que até hoje existem em determinadas regiões. Nestas, você sabe que está lidando com uma pessoa comum que decidiu vender Hermes, Avon, Natura ou qualquer outra marca para reforçar sua receita mensal. Geralmente é alguém que você conhece e sabe que não é funcionário daquela empresa. É um revendedor autônomo. Ninguém deixa de comprar Natura porque aquela vizinha que tem o catálogo é uma chata.


No telemarketing não. A voz identifica a própria empresa. Ninguém pensa que pode haver um call center terceirizado por trás disso e que a tele-abordagem pode estar sendo feita por qualquer pessoa.  Não passa pela cabeça de ninguém que a ligação pode estar sendo originada do exterior, por uma tarifa baixíssima, fruto de acordos operacionais. A associação é sempre e inevitavelmente com a marca. Por isso o telemarketing é também a forma mais vulnerável para mostrar deficiências de uma corporação e jogar a sua imagem na lixeira.


Quem já morou nos Estados Unidos ou tem parentes por lá, sabe o quanto é bem utilizado o telemarketing -vendem até seguros via telemarketing- e como ele é naturalmente aceito pelo consumidor.  O marketing direto e seus principais recursos -mala direta, telemarketing, ponto de venda, degustação- precisam antes de qualquer coisa de educação, gentileza, simpatia.  Em algumas cidades dos Estados Unidos os vendedores door-to-door  (sim, ainda existem) tornam-se verdadeiros amigos dos moradores dos quarteirões onde costumam atuar.


Telemarketing não é reunir 500 pessoas  e treiná-las para insistir até a exaustão com a vítima que esteja do outro lado da linha.  Telemarketing é convencimento à distância, coisa difícil de ser feita e que envolve desde conhecimentos de psicologia até prática de fonoaudiologia.  O telemarketing precisa ser espontâneo e nunca passar a sensação de que você está ouvindo uma gravação.  A questão de sotaques que é solenemente ignorada no Brasil, é também decisiva. O operador de telemarketing não pode ter sotaque. Tem que falar uma espécie de "padrão globo" que não soe estranho em qualquer região do país.


Mas gostamos de improvisar. Faz parte do DNA brasileiro.  Uma lata vazia furada por pregos, com uma alça de arame e carvão enfumaçando tudo vira um delicioso queijinho coalho na brasa.  Um pedaço de acém submetido a uma surra de porrete transforma-se num macio strogonoff.  Um pedaço de papel reciclado inúmeras vezes torna-se uma toalha de mesa  num restaurante.


Talvez por isso o telemarketing no Brasil -um país com mais  celulares que habitantes- em vez de ser um case de vendas virou caso de polícia.