Cultura

PROFISSÃO REPÓRTER: NOSSO CÉREBRO É SELETIVO COM A INFORMAÇÃO

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| 21/04/2009 às 21:14
Cada pessoa tem uma carteira de interesse pela informação
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Tenho filhos adolescentes que se interessam  por propaganda e comunicação. É natural. Eles me vêem fazendo isto todos os dias. Agora resolveram me entrevistar com a condição de que fossem remunerados por seu trabalho de jornalismo e que a matéria resultante fosse publicada no BJá. Ou seja: tenho que pagar para ser entrevistado, pedir ao meu Editor para publicar o que se segue e paciência aos leitores pela invasão doméstica deste espaço. Mas o resultado em si até que não é muito pior que algumas entrevistas que encontramos por aí.


BIA PERGUNTA: Com a quantidade de informações que a gente recebe todos os dias, você acha que corremos o risco de virar seres sedentários ? Você acha que este é o futuro da sociedade global ?


Não há grande risco visível. A quantidade de informações diárias é monumental mas é opcional. Não é compulsória. Matemáticos da comunicação afirmam que o ser humano recebe cerca de 5 mil novas informações diárias. Não é verdade. Estamos expostos a um número até maior -e é bom saber que elas estão aí- mas nosso cérebro é seletivo e só registra aquilo que identifica como importante, como valioso. Cada um de nós tem a sua "carteira" de interesses e a informação que não se encaixa neste código é descartada.


Para uns é importante saber porque Luana Piovanni terminou mais um namoro. Para outros isto não significa nada e eles não se ocupam com isso. Não há volume maior de informações no Brasil que a respeito do futebol e eu jamais ouvi minha mãe mencionar o nome de um jogador sequer ou saber quem ganhou este ou aquele jogo. Ela não gastava um único neurônio com estes dados. Todo mundo é assim: escolhe o que interessa e dispensa o restante. Mas é fundamental saber que a qualquer instante, se consegue informações sobre qualquer coisa, em qualquer lugar. Isto dá segurança para tratar de qualquer assunto.


Já o sedentarismo tem pouco a ver com a informação. É uma coisa cíclica e mais atrelada aos estágios da evolução humana. Quando o homem das cavernas cansou de ficar longe de casa o dia inteiro caçando e resolveu plantar perto do seu abrigo, passou a ser -para os padrões da época- sedentário. Em compensação criou a agricultura, o conceito de família e o trabalho produtivo. Mas com isso a prole cresceu e a necessidade de aperfeiçoar o plantio e a colheita o levaram de volta ao esforço físico.  A organização social decorrente dos primeiros grupos que deixaram de ser nômades até a Idade Média, passando por impérios egípcios, romanos, muçulmanos etc. criou a divisão de classes com grupos sedentários: a elite. E grupos produtores com trabalho físico:  colonos, operários,  escravos. 


Bem mais pra frente, a Revolução Industrial nivelou um pouco esta condição redirecionando a maior parte da sociedade para a produção ou a gestão, mas criou as grandes aglomerações urbanas, levando o homem mais uma vez a buscar comida longe de casa, voltando a enfrentar longas distâncias e linhas de produção. O transporte coletivo só surgiu no final do século 19.


A revolução da informática no século 20 vem transformando isso. A comunicação e os mecanismos surgidos a partir dela criaram a prevista aldeia global. Hoje cerca de 34% da força de trabalho na UE já é desenvolvida fora das empresas. No Brasil muita gente trabalha interligada ao empregador, via internet. Já é possível de sua casa fornecer trabalho para qualquer parte do mundo. Ou comprar sem sair de casa. Estamos outra vez buscando o alimento perto do abrigo. Talvez este seja o futuro da sociedade global neste século 21: exatamente como o homem das cavernas, reinventar a família e viver melhor, no campo, na praia, onde bem entender. 


GABRIELA PERGUNTA: A informação corre o risco de perder um pouco (ou muito) de sua importância devido aos novos valores que lhe são atribuídos ? No sentido de que ela tem se tornado um produto comercializável ?


A informação sempre foi um valor comercial e dos mais caros. Grandes impérios e governos caíram ou surgiram com base em informações conseguidas ou não. Watergate é um exemplo emblemático. Isto desde a antiguidade, quando obtê-la era muito mais complicado.  Os colonos ingleses sabiam que havia terra do outro lado do Atlântico Norte porque esta informação veio dos navegadores nórdicos. Já saíram preparados para o Novo Mundo.  Os navegadores portugueses e italianos não faziam a menor idéia de pra onde iam quando saíram, nem de onde estavam quando chegaram e menos ainda o que fazer com aquelas terras. Teriam economizado se tivessem comprado informação. Informação é moeda. Quem sabe mais vale mais. Quem sabe o que pouca gente sabe, vale muito mais.


O que vem prejudicando a informação é a manipulação. O jornalismo vem tendo credibilidade questionada em função disso. Curioso é que enquanto isso, a informação publicitária que sempre foi vista como ficção, história inventada para vender,  fica mais acreditada. O que parece um paradoxo mas tem lógica. A disputa cada vez maior de mercado leva as empresas a qualificarem seus produtos e a falar a verdade sobre eles, sob o risco de não venderem nada. Além disso, os códigos de defesa do consumidor vem sendo aperfeiçoados, mas não existe código de defesa do leitor, do ouvinte ou do espectador. 


Assim, distorções cada vez maiores são transformadas em notícias, estatísticas são manipuladas, fotos são inventadas no Photoshop, boatos vão para a primeira página, tragédias viram reality show. Esta informação sim, vem perdendo valor comercial. Já o conhecimento humano é cada vez mais  científico, comprovável, útil e disponível. Portanto, mais valioso e caro como informação quando inédito.


BIA E GABRIELA: Pô velho. Jogou duro.


Bem, é isso amigo leitor. Não basta ser, tem que participar. Lembra disso?