Cultura

ÁGUAS DE MARÇO FECHANDO VERÃO NA PROPAGANDA BAIANA, POR MARCO GAVAZZA

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| 03/04/2009 às 12:01
Criatividade, equilíbrio e boa sorte a todos os concorrentes
Foto: Getty Images
 Quando morei e trabalhei em Belo Horizonte, numa determinada noite tive que ficar na agência até a madrugada do dia seguinte. Isto porque estávamos participando de uma concorrência do Governo Federal para conquistar a conta do IBC-Instituto Brasileiro do Café.  Mas a tal madrugada não estava reservada ao trabalho e sim para receber a visita do Presidente do IBC e que casualmente era primo-irmão do dono da agência. Lá pelas 3 da manhã chega o mais discretamente possível a autoridade federal,  dirigindo seu próprio carro, sem qualquer aparato. Rapidamente dá uma olhada na campanha, sugere algumas alterações e assim com chegou, silenciosamente saiu. Os escalados pela agência para receber o nobre político ainda ficaram um tempo conversando sobre a visita e as sugestões, dispersando-se logo em seguida.


  Naquela época eu ainda era consumidor de um bom vinho ou na falta deste, de uma cervejinha gelada. Sendo Belo Horizonte uma cidade extremamente boêmia e noturna, nada mais natural que em frente à agência existisse um simpático boteco e que às 4 da manhã ele estivesse aberto e cheio. Atravessei a rua e me instalei numa mesa de conhecidos profissionais do copo e também da propaganda e do jornalismo, esse pessoal que faz a alegria das cervejarias, destilarias e similares.


   Acho que estava no meu primeiro gole quando um deles -jornalista- perguntou sem rodeios: "Aquele cara que acabou de sair da sua agência não é o Fulano de Tal, presidente do IBC?"  Engasguei com a cerveja, tossi por alguns minutos e depois entre lágrimas -provocadas pela tosse, não pela situação- neguei veementemente. Claro que o experiente jornalista acreditou mais no meu engasgamento que na negativa e no dia seguinte um jornal mineiro citava também discretamente, que o Presidente do IBC fora visto altas madrugadas saindo de uma agência de propaganda no bairro tal. A conta do IBC que já estava pra ser servida nas xícaras da agência, foi parar sabe-se lá em que outro endereço.


   Aqui em Salvador, o que movimentou as madrugadas de quase todas as agências neste mês de março que se encerrou, foi a visão de  milhões de reais descendo dos céus sobre suas planilhas de receita. Um mês inteiro de corre-corre e sigilo absolutos. Isto porque o Governo do Estado loteou aproximadamente 130 milhões de reais em verbas de propaganda, dinheirama esta dividida em cinco pacotes que agrupam órgãos e entidades do Poder Estadual.


    De olho neles -desde o lote gordo de 50 milhões até o mais desnutrido com 13,5 milhões de reais- as agências reforçaram equipes, contrataram especialistas, armaram lobbies e evidentemente encomendaram rezas-fortes, trezenas, descarrego e outros recursos.

    Foram espalhados pelas paredes centenas de papéis rabiscados com conceitos e temas de elevada musculatura para entrar na briga, além de ativadas as águas de março: banhos de sal grosso, de canela com alho, aspersões com alfazema, copos d'água atrás da porta etc. Como não poderia deixar de ser, realizaram-se consultas a orixás e também a outras divindades mais terrenas, estas supostamente sempre bem informadas a respeito do que poderia acontecer quando os envelopes fossem abertos, no dia 31 de março, de triste coincidência com 1964.


   O investimento foi grande a quantidade de almoços, jantares e happy hours, marcados em restaurantes o mais distante possível da cidade, proporcional.  Tudo provocado pela concorrência 001/2009 do Governo do Estado da Bahia para contratar cinco agências de propaganda.


   Num mercado que padece de verbas publicitárias locais consideráveis já há algum tempo, é evidente que uma vaquinha equivalente a mais de 40 milhões de dólares deixa todo mundo em estado de incontrolável ansiedade, principalmente depois de um período em que a construção civil agitou as agências com uma seqüência interminável de lançamentos imobiliários e de repente tudo ficou travado, levando o mercado a começar 2009 fazendo uma leitura da outrora poderosa Liquida Salvador com o sentido tenebroso de Liquidaram Salvador


   Nossa propaganda há milhares de anos vem sendo sustentada pelo tripé governo/varejo/imobiliário e quando um deles fica mais curto o banquinho não cai, mas desequilibra.  O varejo já vinha há tempo reduzindo sua participação e isto só não foi mais catastrófico porque um outro setor, o Entretenimento, calçou o tripé com um infindável desfile de outdoors e comerciais de gosto duvidoso sobre suas pagodagens, bandas, festas pré-isso e pré-aquilo, ensaios e o que mais é possível inventar para fazer o povo dançar entre o Natal e o Carnaval.


   Por tudo isso, o Edital 001/2009  da Agecom chegou às agências no final de fevereiro como uma antecipação agradável das brisas dos fins das tardes de outono -embora o calor permaneça insuportável- representando a esperança e a possibilidade de uma noite promissora. O que é bom para todos aqueles que entre beijos, abraços e tapinhas nas costas, se engalfinham por um pedaço de verba na propaganda baiana. Melhor ainda para os profissionais que dependem  do desempenho das agências neste cenário para vislumbrarem a chance de um emprego estável ou um up-grade nos salários.


   Uma coisa entretanto parece inegavelmente curiosa: é que considerando a abertura dos  envelopes no ultimo dia de março; o longo tempo necessário para a avaliação de quase 40 propostas e -é claro- um julgamento isento; além da existência de um prazo legal para que se apresente alguma contestação, assinatura de contatos  e tudo mais que a burocracia torna possível, os primeiros trabalhos resultantes desta concorrência só devem estar ganhando as ruas lá pra junho.


   Como o próximo ano é eleitoral para o Governo Estadual e o poder público fica proibido por lei de fazer propaganda meses antes do dia em que o povo sai para apertar os botões da urna, também lá pra junho de 2010, tudo que se tinha pra dizer já deverá  estar dito.


    As cinco agências felizardas nesta disputa terão portanto que mostrar competência também para gastar toda a grana em um ano ou pouco mais. O que no fim das contas, é a parte mais fácil. Boa sorte a todos e em especial à propaganda desta terra de todos os nós.