Cultura

TIRE ESSE OUTDOOR DA FRENTE DAQUELA LINDA FAVELA, POR FAVOR.

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| 01/04/2009 às 09:14
Dois trabalhadores da propaganda, Carlos Sarno e Zé Linhares na Praça Geraldo Walter
Foto: Foto: BJá
   Forçado por meu interesse profissional pelo assunto leio em algum lugar, lutando contra as dificuldades com a linguagem de quem escreveu o arrazoado, que Salvador é uma cidade suja por causa dos seus outdoors.  Imagino que o autor desta descoberta, jamais tenha olhado para o chão, para os muros -quando estes existem- dos terrenos baldios, para as fachadas de residências em bairros como Itapuã e outros, para os postes importados de Feira de Santana, para determinadas casas comerciais e/ou barracas espalhadas pela cidade e seu entorno, para as praias e menos ainda para a paisagem por trás dos outdoors, nas encostas de Salvador. 

   Não tenho procuração das empresas exibidoras de outdoor nem sou parente de algum dono de uma delas, mas é impossível não sair em defesa das mesmas e em especial do árduo trabalho realizado -principalmente por  Zé Linhares-  ao longo dos anos, exatamente no sentido de fazer da exibição de outdoor uma atividade que não tornasse a cidade ainda mais visualmente suja do que ela já é.  Entre o tempo dos cacete armado   -para usar uma expressão bem baiana- feitos em pedaços de caibros ou ripas e as atuais placas metálicas sobretudos também em metal, lightdoors e tridoors, passaram-se séculos e o cidadão  arvorado em homem de marketing (sic) não percebeu. Como disse Chico Buarque, o tempo passou na janela e só Carolina não viu.  


  A exibição de outdoors em Salvador é considerada uma das mais organizadas e bem cuidadas entre todas as capitais do Brasil.  Se o prefeito Kassab, de São Paulo, criou a operação Cidade Limpa, foi precisamente por que lá não era assim. Graças ao trabalho que foi feito aqui pelos próprios exibidores e pela Central de Outdoor é que  os cartazes 3x9 m  em Salvador são uma das mídias mais eficientes e procuradas.


  Segundo o articulista, foi pela "ganância" dos exibidores que ela deixou de ser "mídia alternativa"  (coisa que nunca foi)  para ser "mídia de massa" (o que evidentemente sempre foi, pois que um único cartaz de outdoor exibido durante uma quinzena atinge um público proporcional ou superior à audiência de determinados programas de televisão). Ou seja, o rapaz ficou sabendo que um galo cantou mas desconhece quem ouviu e aonde.


   Qual será então a sua -dele- opinião  sobre Times Square em NY?  Aquele triangulo em Manhattann possui a mais alta taxa de ocupação de mensagens publicitárias em todo o planeta (talvez empatado com o centro de Tókio) e é o ponto preferido dos nova-iorquinos para suas comemorações, além de um dos mais visitados por turistas.  Lá ocorre a contagem regressiva para os novos anos, que é retransmitida para o mundo inteiro, cercada por luminosos e placas de todas as espécies e formas imagináveis.  Acho que ninguém considera Times Square "suja" por causa da propaganda.


   Usando um tom passional, o artigo prossegue classificando os outdoors de "bizarro show" ou "pragas" ou ainda "placas malditas" (sic) para concluir finalmente que em função de tudo isso, os "cambistas de placas" (sic) que eram todos pobrezinhos, hoje andam pela cidade -que eles sujaram, é claro- "de BMW" (sic). Confesso que fiquei um pouco preocupado com o nível de revolta do rapaz contra os outdoors.  Pensei rapidamente se encontraria alguma explicação em Jung, mas não insisti.  Quando o BMW foi citado como a conquista final de tantos pretensos malfeitores,  achei que já estava de bom tamanho.


   Salvador é uma cidade suja, não há dúvida. Porém entre os diversos tipos de sujeira que conferem à nossa capital esta classificação, a pior é a própria sujeira acumulada pelos cantos -o lixo mesmo- que alimenta ratos e baratas, provoca doenças, mata crianças, entope bueiros e alaga a cidade.  Não custa nada lembrar que mijar na rua, esvaziar o cinzeiro do carro pela janela e largar tudo que é  descartável pelo chão, fazem parte desse tipo de sujeira.


     Esta sujeira prioritária é alimentada pela trágica divisão de renda existente entre nós,  que leva à proliferação de barracos, abrigos de papelão e lona, à ocupação de encostas, formação de favelas, vielas e outras características da geografia abaixo da linha de sobrevivência.


   Em seguida vem a sujeira moral -que na verdade deveria vir em primeiro lugar, porém é bem vestida, griffada, cheirosa, menos visível portanto- daqueles que receberam delegação do povo nas urnas e deveriam cuidar da limpeza e beleza da nossa cidade mas preferem cuidar dos próprios bolsos. Com certeza ninguém encontrará publicitários neste grupo.


   Existe, finalmente a sujeira estética e esta é visível na falta de cuidado que temos com nosso patrimônio arquitetônico e histórico. Pixações, depredações,  cartazetes domésticos anunciando conserto de fogões e cartomantes, tudo ajuda a descaracterizar nossos monumentos e a enfear Salvador. Pior: o cuidado das pessoas com suas próprias residências ou casas comerciais é mínimo. Enquanto em outras cidades costuma-se pintar fachadas -pelo menos- todo final de ano ou a cada dois anos, por aqui parece que uma única pintura é suficiente para toda a vida.


  Quanto à propaganda profissional, mais exatamente a mídia externa, esta dificilmente contribui para tornar a cidade mais suja. Na verdade é o contrário, ao menos em tese. Nenhum anunciante gasta suas verbas publicitárias para espalhar pelas ruas coisas feias. A intenção é que um belo cartaz, com uma foto atraente, marquem de forma positiva a presença do produto ou da marca anunciada. E se este outdoor estiver cercado de lixo e barracos, ele estará perdendo dinheiro.


  Se alguém considerar determinado outdoor, busdoor ou mobiliário urbano feio, aí caímos na questão da cultura estética, do gosto pessoal e este terreno não permite julgamentos. Até mesmo a propaganda eleitoral, que tradicionalmente emporcalhava tudo, foi regulamentada e hoje compõe o clima da cidade nos períodos de eleição, desaparecendo logo em seguida. 


  A propaganda faz parte da paisagem urbana, assim como o arrojo de alguns edifícios, a sobriedade das catedrais, a imponência dos monumentos, os letreiros das lojas, as placas de trânsito, a pintura dos ônibus, dos táxis, dos carros de polícia, o design dos bancos das praças e até a roupa de algumas mulheres.


  Ela está tão integrada a este ambiente que num dos magistrais contos de Jorge Luiz Borges ele escreve "Uma semana depois da morte de Beatriz Viterbo, trocaram os cartazes de propaganda que circundam a Plaza San Martin. Isto significava que o mundo seguia se afastando dela."   O grande bruxo da literatura sul americana viu nos outdoors algo íntimo da cidade e que serviam como uma referência para a passagem do tempo, numa frase de construção grandiosa.


  Desculpe, mas prefiro Borges.