Cultura

CLAIRE FORLANI, TONHA, OS MBA’S E A PROPAGANDA, POR MARCO GAVAZZA

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| 20/03/2009 às 09:15
"Nós viemos aqui pra beber ou pra conversar" - a frase antológica de Adoniran
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  Enquanto Santos Dumont realizava elegantes "giros" em torno da Torre Eiffel com o 14 Bis e a Demoiselle, para deleite da elite francesa; os irmãos Wrigth negociavam com o governo norte-americano a cooperação para tornar os seus protótipos comercialmente viáveis e de preferência, militares.


   Vinicius de Moraes afirmou ser a companhia de um paulista o pior tipo de solidão e tempos depois definiu São Paulo como o túmulo do samba. Ou seja, historicamente valorizamos mais os salamaleques e a diversão que o trabalho e a seriedade dos projetos. Praia, samba, uma roda de gente bamba e estamos conversados.


   Hoje os Estados Unidos fabricam 90% dos aviões que sobem e descem pelo mundo e São Paulo segue definindo o PIB brasileiro. É certo que temos o Brasília voando também e que o Rio de Janeiro continua lindo, mas ainda estamos longe de sermos "un pays sérieuse" como disse e depois desdisse o Marechal De Gaulle.


  Há alguns anos atrás, eu prosseguiria este artigo em tons apocalípticos, condenando o Brasil e todos seus habitantes -comigo junto- a patinar eternamente em solo escorregadio. Como já não sou tão jovem para achar que estou sempre certo, me pergunto se isto -a brasilidade- é tão ruim assim. Ou melhor formulando a dúvida, será que é bom ser tão sério como os outros?


  Os próprios aviões, a modernidade, a informática, a globalização; trouxeram o mundo para nossas varandas e o que chegou não foi lá essas brastemps. Claro que engatinhamos no social, arranhando os joelhos em todas as injustiças pontiagudas espalhadas por nosso caminho e que  as nossas estradas -sejam as sociais ou as de asfalto mesmo-  são as piores do mundo. Temos muito que aprender com outras nações mais sérias mas  levamos vantagem em algumas coisas.


  Sujeira no ventilador, já percebemos que todos tem. Malucos praticando eutanásia ou justiça por conta própria, delinqüência juvenil, corrupção, gandaia com o dinheiro público, conchavos políticos, preconceitos e injustiças são produtos multinacionais. Praticados com maior ou menor seriedade, dependendo dos fusos horários, da Bolsa de Tókio e da próxima versão do Windows. Ou seja, estamos todos no mesmo barco.


  Então, fico observando os grupos de turistas estrangeiros que invadem Salvador e juro que nunca vi gente mais sem graça. Com raras exceções, especialmente entre italianos e alemães, o que vemos são homens e mulheres sem qualquer vestígio de alegria ou descontração, enfiados em roupas absolutamente ridículas, vendo tudo pela lente de suas filmadoras; distantes e dispersos. Gente que passa de um lado para o outro sem qualquer tentativa de matar a visível curiosidade, sem trocar uma palavra com os nativos, sem tentar a mínima intimidade com o balanço moreno e o sorriso escancarado.


  Gente que consegue sentar-se à mesa da calçada de um bar, como se estivesse num café da Champs Elisèes, esperando Claire Forlani passar. Mas quem passa é Josi, Ró, Tonha, Sil, Cacau, Ninha e tantas outras, para deleite dos próprios nativos que jamais cansam de cantá-las ruidosamente e dos turistas domésticos, que prendem a respiração até as bundas morenas desaparecerem no horizonte do Farol da Barra, para então soltá-la com suspiros, assovios e gemidos diversos. 


  Os representantes das nações visitantes se limitam a olhá-las como algo exótico, enquanto Claire Forlani não vem. Não há neles o menor sinal de disponibilidade para o novo, o diferente. Não há neles o mínimo traço de euforia, de satisfação por estarem participando de algo inesperado. Não há a menor possibilidade de acontecer uma polca às margens do Dique, como pode acontecer -e sempre acontece- uma roda de samba às margens do Sena.


   Ora, se problemas temos, tanto nós quanto eles, independente da maior ou menor seriedade de princípios; parece-me que sofremos menos quando nos permitimos a descontração e um pouco da  gandaia. Muitos podem alegar que levamos tudo isso além dos limites da responsabilidade, o que é verdade, mas sabemos  também que nossos maiores dissabores não vem do carnaval, do futebol, da praia ou do morro.


  Assim, para minha própria surpresa, percebo que começo a rever minhas velhas posições críticas e a passo a ver o comportamento típico brasileiro com alguma vantagem para nós, nestes tempos de crises, aquecimento global e de mitos instantâneos. Não sei se por isto, se pela idade que nos empurra a todos para uma maior aceitação ou se pelo andar das Tonhas. 


  Porque será então que a propaganda brasileira perdeu esta irreverência e tornou-se tão chata?  Onde está Adoniran Barbosa pra perguntar numa campanha da Antarctica "Nós viemos aqui pra beber ou pra conversar?"  Porque nossos comerciais de cerveja se aproximaram tanto do formato Apple Pie insuportável daquelas comédias americanas?  Porque nossos comerciais de automóveis tentam tornar-se japoneses com shows de insípidos robôs ou com ímpetos surrealistas, andando sozinhos por aí?  Porque nossos tão lucrativos bancos enveredaram pelo caminho do envolvimento social, como se fossem instituições beneficentes belgas?  Porque nossos comerciais de moda acontecem supostamente em passarelas de Londres e Roma, se temos todo o calçadão da Vieira Souto à disposição?


   Creio que levas e mais levas de brasileiros gestores de marketing que foram buscar MBA's, PHD's e outras siglas similares no exterior, principalmente nos Estados Unidos, ao voltarem para a pátria mãe gentil, esqueceram de ajustar a tecnologia que aprenderam lá à cultura que permaneceu igual por aqui, enquanto eles arranhavam o inglês em Massachusetts.


  Resultado: gestões de marketing e comunicação pressionando agências de propaganda a raciocinarem de forma multinacional e a transferirem este raciocínio para as campanhas. Acontece que por mais inserido que o Brasil possa estar na comunidade internacional, a nossa cultura jamais perderá suas características, principalmente essa descontração e capacidade de tratar as coisas de forma irreverente.  Creio portanto que depois de décadas e milhares de especializações em marketing no exterior, estamos finalmente fazendo no Brasil, propaganda para estrangeiros. Voilá.