Cultura

TEM AQUELE HAMBURGUER DA TELEVISÃO? -TEM, MAS ACABOU. p/ MARCO GAVAZZA

Vide
| 17/03/2009 às 12:00
Nem sempre o que se anuncia na TV é consumido na vida real das pessoas
Foto: Foto: Divulgação
  Pouco tempo depois de começar a trabalhar em propagada, ouvi de um publicitário já bastante respeitado no mercado, que a diferença entre nossa profissão e a medicina era que os erros médicos são sepultados enquanto os nossos são expostos em outdoors, nos jornais, pelo rádio, pela televisão


   Na época fiquei tão contente por já estar sendo considerado da profissão  que pensei na frase de forma apenas superficial. De qualquer forma, nunca a esqueci e de vez em quando ela me vem à cabeça, principalmente quando reflito sobre a questão da ética na propaganda.


   Hoje acho que aquela frase era essencialmente correta, mas vejo também que as coisas mudaram. Erros médicos volta e meia aparecem nos jornais, revistas e na televisão, embora grande parte deles continuem seguindo rumo à eternidade, principalmente quando o defunto não tem muita relevância social ou qualquer acesso aos canais de comunicação. Neste caso, os parentes do defunto, deixemos claro. Mas a medicina deixou de ser inquestionável e os médicos intocáveis como antes.


   Por outro lado, a propaganda hoje comete muitos menos erros. Os enganos mercadológicos permanecem, com campanhas direcionadas a públicos errados, produtos vendendo vantagens que não são atraentes e por aí afora. Mas isto é uma questão interna. Uma discussão entre quem paga e quem ganha para fazer propaganda. Já a tecnologia incorporada, a qualificação dos profissionais em cursos e faculdades, a modernização das agências e evidentemente a informática, contribuíram para que velhas gafes publicitárias -como fotos invertidas em que um texto passou despercebido e aparece de trás pra frente- ficassem  muito raras. Porém as mentiras, não. 


   Para ter os cabelos iguais aos que aparecem em determinados comerciais de shampoos, a  mulher precisa de uma moderníssima mesa de efeitos especiais em vídeo, além de usar o shampoo.  As "fotos do local"  em certos lançamentos imobiliários, mostram toda a limpeza e harmonia de espaços, embelezados com lindas áreas verdes que um bom profissional e um Photoshop podem criar.
 
  Aquele hambúrguer sublime que  aparece na tela de sua televisão, jamais irá surgir no balcão de qualquer uma das lojas da rede que o anuncia.  Isto sem falar dos móveis e eletrodomésticos anunciados a preços baixíssimos e que misteriosamente já acabaram no dia seguinte, mesmo que você esteja na porta da loja antes dela abrir. Não vou nem entrar em exemplos ligados à propaganda eleitoral porque aí a coisa fica feia.


  A propaganda se auto-regulamentou, foi regulamentada pelo Ministério do Trabalho e em seguida, preocupada com os excessos cometidos por muitas agências, surgiu o Conar atuando como um fórum ou ouvidoria do consumidor.  Em muitos casos, comerciais foram retirados do ar por questões éticas, sejam de ordem empresarial ou pública.


   Mas nada disso acabou com os exageros que a propaganda se sente obrigada a cometer para acrescentar a um produto ou serviço, qualidades que ele não tem. Assim, parece que a propaganda consegue ser a única -ou uma das poucas- atividades com ressonância e responsabilidade pública direta, que permanece livre para dizer o que bem entender, sem ser molestada por isso.  


  Numa das minhas primeiras matérias neste espaço, contei como foi a vinda de Ricardo Nunes à Salvador para avaliar o mercado local e trazer sua rede de lojas para cá.  Imediatamente recebi uma carta da agência de propaganda da Ricardo Eletro reclamando por não ter sido mencionada no processo e achando que isto deveria ser feito. Por alguma razão me senti obrigado a escrever uma nova matéria, acrescentando o trabalho da agência no episódio, sem que ela comprovasse a sua atuação e sem que eu tivesse certeza de que esta realmente existiu. Mas achamos -a editoria e eu- que a agência tinha direito a isto.


  Fico então imaginando: e se o consumidor tivesse também direito de resposta?


  Quantas mulheres iriam ocupar 30 segundos do horário nobre em rede nacional de televisão para dizer "Olha, eu usei o shampoo Mágico e não aconteceu nada do que eles prometem. Meus cabelos ficaram a mesma coisa e não teria feito nenhuma diferença se eu os lavasse com sabão em pó. Aquilo tudo que eles mostram dizendo que acontece em uma semana, não acontece nem em um século".


  Muitos compradores de imóveis também poderiam ocupar páginas coloridas de jornais para informar: "Gente, os apartamentos do Mansão dos Sonhos são um ovo. Não cabe nem um criado mudo no quarto. Na suíte do casal a gente só entra se fizer uma regime radical e perder uns 10 quilos. Tudo o que aparecia enorme nas plantas e no decorado, encolheu. As paredes são tão finas que a gente pode escutar alguém mastigando no outro apartamento. Nem pense em comprar um."  E por aí seguiríamos.


  Os gourmets também iriam ao ar avisando aos interessados que aquela pizza espetacular, aquele hambúrguer grandioso, aquele molho magnífico, tudo isso só existiu por algumas horas, especialmente preparados diante das câmeras ou estão nos depósitos de protótipos das produtoras de vídeo, em cerâmica, epóxi, fibra de vidro e outros materiais milagrosos.


 Como o consumidor não tem -nem nunca terá- direito de resposta, resta-lhe o direito de desprezar e ignorar o produto, o serviço ou a marca. É uma punição a longo, mas é uma punição e geralmente resulta no desaparecimento do produto ou do serviço anunciado. Quando isso não é possível -no caso de um imóvel, por exemplo- resulta na perda de credibilidade da marca anunciante. O que acaba levando à mesma vala comum.


Muitos anunciantes sabem disso e só põem na vitrine publicitária o que realmente têm pra vender. Outros ainda não perceberam que meias verdades acabam formando uma enorme mentira e se dão mal "sem saber porque".


Ética na propaganda é uma coisa complicada para se formalizar. Especialmente num país onde vemos códigos de ética como a própria Constituição serem rasgados diariamente.