Mas apesar de toda a grandiosidade composta na tela, Goya retratou a Rainha como ela era. Feia. Muito feia. Goya não amenizou qualquer traço e só não experimentou as conseqüências de tal sinceridade porque Napoleão já estava com um pé na Espanha e a Família Real precisou sair meio urgente, deixando para depois a demissão de Goya do cargo de Pintor Oficial da Realeza e seu banimento da Corte, punições que já estavam decididas.
Na propaganda acontece a mesma coisa. Ninguém pode pintar a rainha como ela é sem sofrer as consequências. Tem que enfeitar, disfarçar algumas rugas, dar um brilho qualquer a Sua Alteza o Produto. Isso remonta às primeiras conceituações sobre a propaganda e uma das suas mais antigas discussões: propaganda é arte ou técnica?
Eu, desde o tempo que os layouts eram entalhados em pedra (isso é maldade de um cidadão que me coloca neste suposto tempo e ainda assim se diz meu amigo), sempre considerei a propaganda uma técnica que utiliza recursos da arte para cumprir objetivos concretos.
Diante de uma obra de arte, cada qual faz a sua própria leitura daquilo que está vendo, ouvindo ou -literalmente- lendo. Frente à Guernica, de Picasso, um morador da cidade bombardeada enxerga uma ferida dolorosa e que talvez nunca tenha cicatrizado. Já um canadense, por exemplo, percebe a tela como um alerta comovente sobre a insensatez de uma guerra. Mas para quem pilotava os aviões que demoliram Guernica, é o comprovante de uma missão militar bem sucedida.
Acho que a propaganda precisa, tem a obrigação, de só permitir uma leitura. Ela não pode conceder essa liberdade de interpretações e se o faz, está arriscando o investimento do anunciante. Mas não sei se estou certo. Sempre defendi este ponto de vista (sim, desde as cavernas), mas nunca pude ter certeza absoluta de sua exatidão. A diferença ou semelhança entre propaganda e arte é muito sutil, já que as técnicas são teoricamente as mesmas e em alguns casos até os fins são os mesmos. Mudam apenas os caminhos.
Tomemos o exemplo de dois comerciais, de produtos concorrentes e que estão simultaneamente no ar. Num deles, uma moça tem o seu belo rosto ao vivo, comparado por funcionários do balcão de imigração de um aeroporto, com a sua foto exibida no passaporte. O comercial passa uma certa incredulidade por parte dos funcionários mas eles acabam convencidos de que se trata da mesma pessoa e finalmente carimbam o visto no documento. É uma situação real. Eu, você qualquer um, somos mais bonitos ao vivo que nos 3x4 ou 6x9 para documentos, tirados em cabines dos shoppings. Neste comercial a mensagem é direta: esta diferença é ampliada pelo uso que a moça faz do produto anunciado. Sem rodeios. Para ficar muito mais bonita que sua foto do passaporte, só usando aquela marca.
O outro comercial mostra também uma bela moça, porém em outra situação. Ela caminha por ruas e outros lugares, provocando por onde passa uma imediata reação dos presentes no sentido de procurar também a beleza. Quadros são desentortados na parede, mulheres dão uma arrumada nos cabelos e até um grupo decide pintar um muro repleto de pichações e uma calçada imunda, deixando tudo branquinho e belo. Este comercial passa para o consumidor um conceito estético, mostrando que a presença da beleza faz com que tudo em volta busque ou possa também ficar mais belo.
Não discordo disso, mas este é o meu ponto de vista. Não sei se é também o seu. Talvez você ache que a beleza do Salvador Shopping não tenha qualquer influência sobre os barracos das encostas de Pernambués, bem à frente. Ou seja, o benefício do produto neste comercial é estendido para um ponto de vista filosófico, terreno historicamente escorregadio, assim como o próprio conceito de beleza.
Portanto, temos dois comerciais de produtos da mesma categoria, onde um deles se aventura por conceitos artísticos enquanto o outro é essencialmente cotidiano e realista. Qual o melhor? Aí é que a coisa se torna extremamente complicada, porque os critérios de avaliação se bifurcam.
Em princípio, melhor é o que vende mais, já que a propaganda existe para isso. Mas ao longo do tempo, outros critérios foram incorporados por nossa profissão a esta arriscada tarefa de avaliar campanhas, comerciais e outras peças publicitárias. Assim, a fixação, a permanência da mensagem passada e sua associação à marca anunciada também são parâmetros para definir eficiência. Porque a propaganda existe para fazer vender mais, é certo; mas também, por mais tempo.
Ou seja, da idade da pedra até hoje, a discussão não acabou nem se chegou à conclusão alguma, exceto em situações muito específicas, como liquidações de varejo, lançamentos imobiliários e alguns outros que precisam mostrar resultados no chamado day after; ou seja quando as portas da loja ou do stand de venda se abrem no dia seguinte, tem que ter alguém lá pra comprar.
Em outras situações, a propaganda segue seu ritmo dois pra lá, dois pra cá, dependendo muito mais da idéia que possa surgir na cabeça dos criativos e do nível de interferência do marketing do cliente naquilo que é desenvolvido. E acima de tudo, do estado de espírito e da situação financeira do consumidor.
Arte? Técnica? Pensando bem, pouco importa. A única verdade absoluta, aplicável tanto à arte quanto à propaganda é que mesmo por motivos completamente diferentes, ambas são indispensáveis. Mesmo que dificilmente alguém ponha um anúncio de revista numa moldura e pendure na sua sala de estar.