Cultura

DIA DA MULHER. APROVEITE. EM 10 X SEM JUROS, POR MARCO GAVAZZA

Marco Gavazza é colunista de publicidade
| 11/03/2009 às 12:19
Não combina com discurso feminista dar presentes no Dia Internacional da Mulher
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Passada a data, posso revelar: costumo cumprir os rituais de homenagens no Dia Internacional da Mulher, muito mais pelo temor de levar uma surra que por acreditar na necessidade deste dia. Para mim, o conceito de Direitos Humanos é abrangente e contempla a humanidade, independente de sexos, raças ou idades.  Assim, aquela faixa colocada perto do Habib's, no Dique, dizendo Uma Vida Sem Violência: Um Direito da Mulher, é discriminatória e está errada. Uma vida sem violência é direito de todos.


Entendo melhor o Dia das Mães que embora tenha sido uma invenção mercadológica consagra uma exceção homenageando a maternidade, coisa que não é um atributo de toda a raça humana -incluindo aí muitas mulheres- e que na verdade representa o reconhecimento de uma atitude, um procedimento de amor e proteção que se inicia -ou às vezes não- pós-parto.


No rastro do marketing aberto pelo dia dedicado à maternidade, vieram o Dia da Criança, o Dia dos Pais e outros de menor importância,  todos voltados para o fortalecimento da comercialização que permite a troca de presentes. Vendas, sendo mais explícito.  O Dia Internacional da Mulher entretanto assumiu certa dubiedade entre a necessidade de presentear, homenagear praticamente e  o reconhecimento da mulher como um ser humano distinto do resto da humanidade. Um ser que bate o escanteio e corre pra área etc. etc. etc. O que a bem da verdade, raramente acontece, pois ninguém -homem, mulher ou seja lá que sexo for- consegue desempenhar quatro ou cinco funções ao mesmo tempo e sair-se bem em todas elas.


Algo semelhante acontece quando se criam "estatutos" disto ou daquilo.  Como foi criado e existe o Estatuto da Criança e do Adolescente, nada impede que algum maluco comece planejar a  criação do estatuto dos baixinhos, dos homossexuais, dos divorciados, dos idosos, dos viúvos e viúvas, dos dependentes químicos, dos gordos e por aí vai, numa espécie de desmembramento infindável da Declaração dos Direitos Humanos.


Na medida em que começamos a fatiar a moral e a ética, chegamos mais perto da borda do poço,  pois que passamos a isentar algumas pessoas de deveres ou direitos, privilegiando outras e vice-versa.  Estas coisas começam a se entrelaçar de tal forma, que a sociedade perde suas referências e os parâmetros morais comuns a todos, coisas que bem ou mal nos trouxeram até este ponto da civilização.


Só como exemplo desta "personal"  ética,  os criminosos que assaltaram e atiraram um casal do alto da Avenida Niemeyer, no Rio de Janeiro, foram presos por bandidos de grupos organizados da Rocinha -logo em frente- que antes de entregá-los à polícia aplicaram-lhe uma bela surra.


Ou seja, os bandidos da Rocinha podem assaltar e o que bem mais desejarem fazer, mas não os que vem de outros lugares. Estes são duplamente punidos, pelos bandidos do território e -talvez- pela polícia.  Por sua vez, a polícia que tem por obrigação prender bandidos, sejam eles de qualquer área urbana, agradece aos bandidos da Rocinha pela colaboração prestada à corporação e à sociedade. Você consegue entender?


Assim como existem diferenças entre seres humanos, também existem diferenças também entre agrupamento humanos, mas não podemos criar padrões específicos para cada um deles. Assim fosse e seguindo o mesmo raciocínio do dia disso e dia daquilo, deveríamos ter não uma Constituição do Brasil, mas diversas delas, como a Constituição da Bahia, a Constituição Axé da Bahia, a Constituição Gaúcha, a Constituição do Pantanal, a Constituição do Agreste e por aí afora.  Isto porque as diferenças regionais e culturais são gritantes. No extremo sertão onde não correm nem lágrimas, tirar de alguém um balde de água pode resultar em morte e deveria estar previsto na sua constituição, enquanto na Constituição do Pantanal o item sequer seria considerado. A Constituição Baiana inclui um carnaval de uma semana, o que é impensável para a Constituição Paulistana, por exemplo, mas razoavelmente aceitável para a  Constituição Brasiliense que por sua vez seria a única no Brasil a praticar a semana de três dias. Ou seja, piramos todos.


Como nosso tema aqui é comunicação e propaganda voltamos ao Dia Internacional da Mulher, sob este ponto de vista. Sim porque além de reconhecermos que a mulher é um ser especial, devemos também neste dia, presenteá-las ou ao menos lhes oferecer flores e levá-las para almoçar.


Não combina com o discurso mostrado pelas homenageadas.  O reconhecimento pela conquista de espaços num processo de reformulação da estrutura social, não pode ser representado por um kit de maquiagem ou um par de sapatos. O Dia da Consciência Negra, por exemplo, incorre no risco do fatiamento dos direitos humanos e da ética, criando uma reserva social de mercado, como as cotas nos vestibulares, mas ao menos não implica em que exista troca de presentes entre eles. Do mesmo modo o Dia do Orgulho Gay com suas ruidosas paradas não prevê a troca de lembrancinhas entre os participantes.  Muito menos no Dia do Índio há uma troca de flechas ou tacapes entre caciques que talvez nem saibam que esse dia existe.


É aí que o Dia Internacional da Mulher -além de contribuir para a pulverização do que é inerente e existe como um todo relativo ao ser humano- entra para o calendário do comércio varejista e daí rapidamente para a vala comum das promoções de vendas, perdendo em significado, por questionável que este seja.


A partir do instante em que nós homens nos sentimos obrigados -sob pena de sermos criticados, olhados como primitivos ou punidos- a distribuir badulaques entre secretária, irmãs, tias, filhas, noras, zeladoras do prédio, telefonista da empresa, colegas de trabalho e finalmente, mas não por último, a própria esposa; estamos sendo manipulados pelo marketing, pela propaganda e pelos mecanismos comerciais. Com a total conivência daquelas que estão sendo homenageadas, supostamente por sua luta contra a manipulação.  


Que me perdoem minhas eventuais leitoras, mas é o que tenho escutado -em sussurros- dos abomináveis seres humanos masculinos com que convivo.