Cultura

1º DE MARÇO: ANO NOVO NA PROPAGANDA, COMENTÁRIO DE MARCO GAVAZZA

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| 02/03/2009 às 07:47
O Liquida Salvador é o evento que marca a abertura do ano
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  Lembro que certa vez fiz em parceria com Haroldo Cardoso, admirável redator publicitário, uma campanha para a CDL, cujo conceito era Nova Estratégia de Marketing: Um Ano com Doze Meses. O objetivo da campanha era incentivar os anunciantes a manterem suas presenças na mídia nos meses de janeiro, fevereiro e março, quando geralmente eles sumiam no ar. 


  Como isso foi há bastante tempo e no primeiro trimestre de todos os anos seguintes, praticamente só os anunciantes nacionais permaneceram no ar com suas campanhas, focadas no verão, deduzo sem muito esforço que o trabalho feito por mim e Haroldo foi um grandioso fracasso.


   A propaganda baiana mantém até hoje a tradição de recolher suas cartas quando acaba o Natal, embora as pessoas continuem fazendo o que sempre fizeram o ano inteiro como escovar dentes, tomar banho, comprar DVDs e CDs, jantar em restaurantes, dar presentes de aniversários e outras extravagâncias; além de atender as surpresas, como comprar uma bateria nova para o carro ou um remédio para algum problema de saúde que sem qualquer noção de etiqueta chega sem avisar.  O certo é que neste época ficam no ar apenas aqueles anunciantes que disputam centavo a centavo o quilo da chã de fora, a lata de leite Ninho, o detergente e outros luxos.


   Os empresários baianos alegam que neste período "todo mundo está viajando em férias".  Pode ser; embora eu duvide que mais de 1 milhão de pessoas -a população ativa de Salvador- saiam por aí torrando dinheiro em viagens durante três longos meses. E todos ao mesmo tempo. Claro que uma grande parte sai da cidade, mas depois de algumas semanas, volta. Há também uma espécie de "rodízio" natural entre quem vai e quem retorna. 


   Isso sem levar em conta que os não sei quantos milhões de turistas que visitam Salvador (há uma disputa acirrada entre Bahiatursa e Saltur para ver quem conta mais visitantes, embora Leonelli este ano tenha jogado um balde de água fria nas contas dizendo que o número mal passa de 400 mil)  possuem hábitos semelhantes aos que aqui habitam e além do Bonfim, Mercado Modelo, Farol da Barra, Pelourinho e outros paraísos das compras típicas, também vão aos shoppings, farmácias, delicatessens, restaurantes, salões de beleza e coisas assim.


   Mas quem sou eu para contestar anunciantes locais com profundo conhecimento dos hábitos de seus próprios consumidores e equipados com inteligentes estratégias de marketing?


   A verdade continua sendo que neste período, nas agências de propaganda, o que mais se vê nos monitores de altíssima resolução dos computadores é o joguinho de paciência. 


  Passados estes três meses de lazer, finalmente o ano recomeça para anunciantes e agências, marcado por um grande evento chamado Liquida Salvador, exatamente como chineses, judeus e o resto do mundo possuem suas comemorações específicas para o Ano Novo.


   Neste Ano Novo publicitário de 2009, duas notícias aparecem nos informativos ameaçando tirar um pouco do brilho desta festa que é a volta ao trabalho. A primeira:


   "A Fundação Getúlio Vargas divulgou em 27.02.09, que o ICC-Índice de Confiança do Consumidor, atingiu o patamar mais baixo desde 2005 quando passou a ser medido pela instituição." O índice chegou a este fundo do poço com uma "queda de 1,4% sobre janeiro, caindo assim para 94,6 pontos."  O ICC vinha em queda livre desde setembro de 2008, aliviou um pouco a descida em janeiro e agora em fevereiro despencou sem hesitação. Ainda segundo a informação da FGV, "o componente de Situação Atual recuou 0,8 por cento e o de Expectativas caiu 1,7 por cento, atingindo o menor nível da série. A pesquisa foi feita em 2 mil domicílios em sete das principais capitais do país entre 2 e 20 de fevereiro."


  A segunda: de acordo com matéria divulgada em jornais locais, dos mais de 350 mil desempregados em Salvador e RM, cerca de 15% deles simplesmente desistiram de uma vez por todas de procurar emprego. Isto significa que mais de 50 mil pessoas passam a ficar em casa numa boa, absolutamente despreocupadas com a questão do desemprego. 


   Estes cidadãos que são chamados pela PED-Pesquisa de Emprego e Desemprego, de "desempregados ocultos pelo desalento" (tem até uma certa melancolia poética nesta designação) entregaram os pontos entre outubro do ano passado e janeiro de 2009.  São desalentados que ficarão sem emprego e também sem qualquer poder aquisitivo formal e estatístico, significando que só poderão ser considerados consumidores, indiretamente.


   Analistas financeiros e economistas que jamais saem de férias, não enxergam outros culpados por tudo isso senão os norte-americanos, que comandados por aquele tal George Bush de triste memória, inventaram a crise mundial dando calote nos bancos, quebrando alguns deles e obrigando Obama a derramar trilhões de dólares nos cofres destes pobres banqueiros pra ver se a coisa melhora. Não há uma explicação direta de como esta marolinha chegou até a nossa Salvador.  É crise mundial e se a gente faz parte do mundo, pronto, tá explicado.


  Mas não há com o que nos preocuparmos, apesar destas notícias tão mal humoradas.  Nossos anunciantes, assim como possuem o acervo de décadas aplicando uma tecnologia de marketing que justifica suas  ausências dos meios de comunicação durante três meses, evidentemente devem possuir ferramentas mercadológicas adequadas para enfrentar coisas simples como crise mundial,  falta de confiança do consumidor e desempregados perpétuos.  E vamos à luta que mais um ano publicitário está começando.