Cultura

BREVE: BECO DO BRASIL. ARTISTA TOMBOU DESFALECIDO, p/ MARCO GAVAZZA

Vide
| 19/02/2009 às 19:08
Beco dos Artistas ex-reduto da vida cultural e mundana de Salvador
Foto: Foto/ Arquivo
 

Descobriram que o Banco do Brasil, agência do Garcia, vai se apropriar do Beco dos Artistas e fazer dele um magnífico estacionamento para seus clientes.  Antes de virar território livre de militantes gays, o Beco dos Artistas era só isso mesmo: um beco no bairro do Garcia freqüentado por artistas. 


Com violões e outros instrumentos tão portáteis quanto, diversos músicos ou gente com pretensões a isso, aproveitava os botecos do próprio e do entorno para ali mesmo fazerem suas performances. Do beco saiu, entre outros valores da nossa música  out of mídia,  o Sexteto do Beco,  grupo em que um dos principais componentes é o violonista Aderbal Duarte, velho amigo de farras pelo interior da Bahia e considerado um dos maiores instrumentistas nacionais e internacionais. 


Depois de algum tempo, o Beco continuou a ser dos Artistas, mas passou a receber grande freqüência de gays, onde também se incluem sempre inúmeros artistas de qualidade, das mais diversas tendências. Transformar o Beco dos Artistas num estacionamento é evidentemente uma insensatez do "banco dos brasileiros".  É mudar de Beco dos Artistas para Beco do Brasil,  atropelando a cidade, os cidadãos, a boemia, a musicalidade, a espontaneidade, a alegria e outras coisas que ajudam uma cidade como Salvador a permanecer levemente humana. 


Porém a notícia segue com a informação de que o Grupo Gay da Bahia enviou correspondência ao Ministério Público denunciando a intenção do BB e pedindo providências que impeçam a insanidade, incluindo o "tombamento" do Beco.  Aí também já é exagero.


Preservar a cultura é uma emergência nesta cidade, incluindo seus monumentos e construções históricas caindo aos pedaços. Mas gente, tombamento não é senha para fila do INSS que se distribui aos milhares. Não basta alguém desmaiar de tédio, cansaço ou irritação e pronto: a criatura está tombada. Chama-se o IPHAN e providencia-se para que ela seja considerada patrimônio imaterial e depois se tenta até envolver -quem sabe- a UNESCO e conseguir o tombamento internacional.


Tem que haver uma reação forte o suficiente contra a pretendida agressão do Banco do Brasil aos costumes, à tradição e aos espaços humanizados da cidade, mas tombamento também já demais. É preciso haver coerência de critérios.


Nesse ritmo vamos logo tombar o tabuleiro de Dinha,  as mesas debaixo das amendoeiras do Boteco da Graça, a borracharia da Avenida Canal, a banca de peixes de Galiza no mercado de Itapoã e até o carro  do esforçado Alceu -conhecido como Abará- uma Variant indestrutível, de ano indefinido e que transporta baianas de acarajé com toda sua logística, madrugadas afora. 


Tombemos logo o ferry Agenor Gordilho, antes que Netuno resolva tombá-lo em plena travessia Bom Despacho-São Joaquim.  Nessa linha também carece de tombamento a Sorveteria da Ribeira, o Cacique Chá e -porque não?- as coluninhas do metrô de Mario Kertèzs, ainda espalhadas pela cidade e sem serventia alguma, como nunca iriam ter.  Qualquer pessoa de bom senso percebe que a ação do BB é inaceitável, mas também não vê o tombamento do Beco dos Artistas como solução.

Mas, reflita comigo, porque tal coisa chega a ser cogitada por pessoas cultas, engajadas, capazes de desafiar padrões em busca de sua individualidade, bem informadas e atualizadas? E porque em seguida  essas pessoas formalizam a idéia junto ao Ministério Público?  Simples. Porque isto vira notícia, vai pra mídia e esse hoje, é o máximo desejo da imensa maioria de habitantes deste imenso BBB que é o Brasil.  Refiro-me ao programa de televisão, não ao banco com um B a mais.


O poder da mídia tornou-se tão grande em nosso país, que todos fazem qualquer coisa já pensando nela. Basta um jornal, uma rádio, um site, um radialista ou um apresentador de tv abraçar uma causa e ela imediatamente vira fórum nacional, levando para as manchetes quem surgiu com aquela causa, não  importa muito se pertinente ou não, importante ou não, válida ou não.


Ao perdermos o contato direto com os primeiros formadores de opinião -que estavam em nossas mesas de refeições, em nossas salas de aula, nas ruas do nosso bairro, ao vivo e falando conosco- estes foram substituídos pela imprensa. Avós, pais, tios, mestres, acadêmicos, personalidades respeitáveis e próximas eram nossas primeiras referências e pontos de vista sobre o que estava acontecendo. Isso acabou e a imprensa, além da sua função principal de informar, elevou a sua também função de opinar, a níveis absurdos. 


Se ao final do Jornal Nacional, Wiliam Bonner olhar fixamente para a lente e com aquela expressão de profundo conhecedor, disser:  "Severino de Maria,  estudante universitário em Salvador comprou hoje -pausa- o castelo de Minas Gerais. Boa Noite."; no segundo seguinte o telefone de Severino toca e do outro lado a mãe dele diz em voz chorosa: "Meu filho, você nem me contou!".  Severino nunca vai conseguir convencer ninguém de que não comprou nada, nem uma casinha e que sequer sabia da existência de um castelo à venda.


Numa época em que anônimos transformam-se em celebridades da noite para o dia e  que reputações -boas ou más- são construídas ou destruídas em poucas páginas, a mídia tornou-se um potencial aliado de qualquer um, para qualquer objetivo.  Se você convocar uma coletiva com a imprensa informando que tem sérias revelações a fazer sobre a vida íntima de seu vizinho, pode ter certeza de que pelo menos uma dúzia de credenciados baterão à sua porta.


Assim, a imprensa -que agora deve ser chamada de a mídia- saiu de sua posição institucional de 4º poder para estar acima dos outros três, influenciando-os ou sendo por eles influenciada.  A imprensa decide se Batisti é criminoso ou herói, se Felipão  rendeu-se aos euros ou não, se Ronaldinho prefere travestis ou chutes a gol, se aquele casal matou a menina Isabela ou não.


Portanto, tenha muito cuidado com as opiniões que chegam até você através da imprensa, porque até eu -enquanto não pedirem o meu tombamento- fico aqui dando palpites sobre isso e aquilo.