Cultura

SABE QUEM MUDOU DE AGÊNCIA? A PROPAGANDA., POR MARCO GAVAZZA

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| 15/02/2009 às 21:22
Luiz Vaz de Camões e a dualidade de interpretações de sua famosa frase
Foto: Foto: Arquivo
 

Algumas pessoas me perguntam porque sendo eu colunista de propaganda do Bahia Já, nunca uso este espaço para divulgar notícias locais da atividade. Que notícias?


Comentar que Alface saiu da agência Cheeseburger e foi para a agência Hambúrguer, enquanto Maionese saiu da X-Tudo e foi para a Cheese Chicken é apenas fazer a identificação do turn over entre empresas, coisas que existe desde que o diabinho do Spinelli puxava as pernas do calouro desafinado no programa de Zé Jorge Randam e Jorge Santos, pioneiros de agências de propaganda.  TV Itapoã, década de 60, ao vivo.  Informar que o anunciante No Grito tirou a sua conta publicitária de uma certa agência da Tancredo Neves e foi para outra certa agência da Tancredo Neves  além de não dizer nada é jogar sal na ferida de quem perdeu a conta sem ao menos saber se a outra mereceu ou por quanto tempo vai segurar o novo cliente.


Pior ainda: tudo isso interessa apenas aos que forem citados, colegas, amigos e parentes. O Bahia Já tem uma média diária de 20 mil page-views e duvido muito que todos eles sejam de publicitários. Assim desde o início ficou claro para a editoria do jornal que eu escreveria sobre comunicação e marketing como atividades contemporâneas, abordando situações e/ou fatos que despertem interesse a todos e não somente aos técnicos em propaganda, como eu.


Também ficou claro que não me limitaria à propaganda e ao marketing formais, pois diversos recursos de expressão como o cinema, o teatro, o muro da rua, a música, os blogs e tantos outros contém vetores culturais que se apóiam no consumo, na sociedade  capitalista e na construção de marcas.


Evidentemente que na hipótese de algo relevante acontecer, isso será devidamente registrado e comentado.  Na verdade aguardo ansioso que algo aconteça, pois a propaganda baiana parece ser uma das derradeiras no mercado brasileiro que ainda permanece atordoada depois da seqüência de porretadas que a atividade recebeu nos últimos anos, seja nacional ou localmente. 


Foram profundas alterações na Lei 4860,  perda de grandes anunciantes locais, entrada no mercado de empreendedores dispostos a abrir mão de qualidade para oferecer preço reduzido, redução brusca de patamares salariais, troca de profissionais de carreira por recém-formados -ou estagiários sem remuneração- como forma de reduzir despesas, fuga de talentos para outros mercados, entrada em cena de novas ferramentas de comunicação deixando os mídias perplexos, ascensão da classe C e retração da classe B como consumidores,  alternância de vacas magras e gordas no mercado imobiliário, gestões atabalhoadas dos órgãos de classe, desaparecimento de grandes e tradicionais agências, hesitação diante da internet,  concorrências suspeitíssimas, aplicação do sistema tentativa-e-erro no marketing eleitoral,  pressão dos anunciantes para ganhar criação e outros serviços grátis, enfim, quase duas décadas de um feroz carrossel, como diria Toquinho.  Suficiente para deixar mesmo tonto quem estava -alguns ainda estão- no comando das agencias.


Mas hoje o jogo está na mesa e bem definido.  Claro que ainda existe uma resistência por parte de alguns em se ajustar aos novos modelos de propaganda e de gestão, que inclusive não são aplicáveis  apenas às agências, mas a todas as atividades. 


Na maioria dos mercados brasileiros, os ajustes já foram feitos e as coisas começam a retomar seu norte, embora a criatividade ainda não tenha voltado totalmente.  Quanto à rentabilidade antiga, esta não voltará jamais. Aqui parece que ainda precisamos de mais uns goles de água de coco e do cheiro de moqueca no ar para sairmos da sala de reuniões e irmos para a mesa. Porque o jantar está quase servido.  Aí então eu -espero- vou falar de quem preparou a comida.


Por enquanto, falo com o estudante de comunicação que não faz a menor idéia do que irá encontrar quando puser os pés numa agência de propaganda.  Com o executivo que ouve os longos discursos de sua agência sem ter muita oportunidade de compará-los com outros pontos de vista. Com a dona de casa, que vê aquele pessoal do BBB tomando guaraná Antarctica e acredita que eles fazem isso porque gostam.  Com qualquer um que acha ser a comunicação -publicitária ou não- a ferramenta mais poderosa da aldeia global.


Comunicação exige criatividade e estratégia, coisas que são necessárias a praticamente todas as atividades humanas. Por isso, quando mostro exemplos de criatividade e estratégia em comunicação, sei que eles podem ser aplicados em outras áreas. 


Gosto de contar histórias e de cutucar mitos. Querem ver uma história muito legal?  É sobre a frase "Navegar é preciso, viver não é preciso".  Ela nasceu dentro do Lusíadas, de Camões. Tempos depois foi citada por Fernando Pessoa em um dos seus poemas e mais tempo depois ainda, já contemporaneamente, foi colocada por Caetano Veloso como refrão em sua música Os Argonautas.  A música fez sucesso e levou a frase ao universo do conhecimento popular. 


Este universo "leu" a frase com o entendimento de que navegar é necessário, no sentido de aventurar-se, ir longe, correr riscos; enquanto apenas viver, simplesmente respirar, estar vivo,  não é necessário. Uma interpretação cheia de simbolismo e bela em seu conteúdo, mas completamente distante do sentido original da frase.


Camões usou a frase, no contexto dos Lusíadas, referindo-se  à relevância dos navegantes portugueses. Naquele contexto, "preciso" significa exato, científico, matemático.  "Preciso" aí entra como adjetivo e não como verbo; com o sentido de precisão. Ou seja, navegar é uma coisa segura, precisa, exata, pois dispõe de cartas náuticas, bússolas, quadrantes, sextantes e hoje, radares, sonares, GPS e sei lá mais o que. A vida não tem nada disso. A vida não é precisa, não é exata, não tem rota.


Assim, a leitura extremamente profunda do sentido original e filosófico da frase, transformou-se numa leitura de grande poesia e  criatividade no imaginário popular.  Um erro coletivo de interpretação que resultou numa nova peça de arte poética.


Isso é comunicação pura. Perceber essa dualidade e sua incorporação espontânea pela cultura popular é constatar que o mesmo pode acontecer a qualquer instante, sobre qualquer assunto, inclusive propaganda onde a interpretação é quase sempre ambígua.


Parece-me ser muito mais interessante passar esta visão das nuances e sutilezas da comunicação a informar que Presunto está desempregado.