Cultura

CONFETES DE PLÁSTICO E SERPENTINAS A LASER, POR MARCO GAVAZZA

Vide
| 03/02/2009 às 08:18
Bem...esse tempo aí acabou. É só lembrança do álbum da família quando Carnaval era Carnaval
Foto: Foto: Div
  01. Em vez de tanta polêmica, discussões, queixas e chororôs para a eleição do Rei Momo, não teria sido mais coerente entregar o cetro e a coroa sem qualquer disputa, a um certo e famoso publicitário baiano? Este sim é o verdadeiro rei do carnaval em Salvador, mandando e desmandando oficialmente na organização (leia-se comercialização) da festa há pares de anos. Só não dá pra manter o tradicional título de "primeiro e único" pertencente à majestade momesca. Ele sempre chega na frente mas não é o primeiro e sempre surge como inédito mas nunca é o único.


  02. Gosto muito de Gey Espinheira com antropólogo, sociólogo, boêmio e gente. Só não entendo porque ele parece insistir em questionar coisas que estão definitivamente mortas. A espontaneidade do Carnaval é uma delas. Não tem conserto, Gey. Quem começou essa festa pobre que está aí foram Caetano e Gil, mostrando para o mundo que o carnaval de Salvador era algo formidável. Pronto. A cada ano desembarcavam mais levas de turistas para seguir atrás do trio elétrico e dezenas, centenas de trios foram criados. Logo apareceram aqueles que se dispõem a "organizar" a festa em troca de uma "modesta" remuneração, é claro. Hoje o Carnaval baiano arrecada 11 milhões de reais em patrocínios; fora camarotes, trios, blocos e a tralha toda. Mas só vem turista pobre, o povo ficou de fora e quem tem algum fica num camarote com ar condicionado vendo pelo telão. Tudo isso é triste e é verdade, mas a grana faz sorrir os cofres de muita gente. Você acha que tem como consertar isso, Gey?


  03. Enquanto todos os postes mais importantes da cidade exibem vistosos atabaques -são atabaques aquelas coisas, não são?- carimbados por Itaú, Nova Schin ou Nextel, outros menos favorecidos pela sorte e fincados longe de olhos foliões bem nascidos, sequer possuem uma lâmpada. A desigualdade social chega a extremos impensáveis.


  04. O aluguel de uma casa de 3 quartos na ilha, durante os cinco dias de Carnaval, gira em torno de 3 mil reais. Tá começando a ficar mais lucrativo atender quem foge do carnaval de Salvador do que quem compra a farda dos blocos e vem pra cá achando que vai participar de uma festa autenticamente popular.


   05. Marketeiro de altíssimo calibre celebra o atual Carnaval de Salvador como sendo um excelente evento promocional para investimento de marcas e do alto de seu camarote -a séculos de distância do que era o carnaval baiano- explica que é preciso fazer o mesmo o ano inteiro, criando um calendário promocional de grande porte englobando outros eventos. O que mais; posso perguntar? O Festival de Verão concorre diretamente com o carnaval em investimentos. As festas de largo -incluindo o Presente de Yemanjá- já são todas elas redutos mercadológicos. O São João faz tilintar os olhos e bolsos de centenas de prefeitos e prefeituras de cidades do interior. O Dois de Julho é um evento de marketing político. Falta comercializar o que? Talvez tenhamos em breve a Semana Santa patrocinada ou o Dia de Finados com cotas para anunciantes nos cemitérios da cidade.


   6. O que os marketeiros esqueceram foi de avisar aos habitantes desta terra da felicidade, que qualquer segmento de mercado possui um ponto de saturação. Desconhecendo este detalhe, mais da metade da população de Salvador transmutou-se em músico, cantor, empresário ou proprietário de bandas. A lista das "entidades" carnavalescas registradas junto a Saltur lembra a lista telefônica da cidade alguns anos atrás. A quantidade de ensaios, feijoadas e outras festas pré-carnavalescas é tão grande que ninguém consegue divulgar todas completamente. Considerando que metade da população está em cima do palco, cabe à outra metade -menos os dissidentes do formato atual da festa- pagar a folia. Para cobrir as despesas com tão pouca gente fora do palco, a solução "genial" é aumentar preços. Que tal 840 paus por dia no Camaleão? Ou 650 também por um diazinho no Corujas? Beleza. Mas somos uma cidade pobre e ninguém está comprando nada. A última alternativa é arrancar a verba dos turistas, o que também está difícil. Tem agência de viagem cobrando 9 mil reais por pacote de uma semana e passagem Porto Alegre/Salvador/Porto Alegre. Dá pra passar esta semana em Londres com acompanhante e direito a uma esticada até Paris. Aí então se fecha o nó. Sem público não tem patrocinador. Agora, me digam com toda sinceridade? Isso é cenário que se aplique a uma festa popular, espontânea e criativa como era o carnaval de Salvador? Você conhece alguém que tenha deixado de pular o carnaval nos anos 60/70 por falta de dinheiro? Ao contrário: era a grande festa de quem não tinha um tostão pra gastar.


  07. A solução? Oficial, não tem. Como não se pode falar em preservar o que já acabou, acredito que mais uma vez prevalecerá a velha e sempre válida lei da oferta e da procura ou o inevitável banzo. Quem gosta mesmo da folia, mais dia menos dia vai juntar sua turma, fazer uma vaquinha, (mães, tias, namoradas, mulheres, irmãs e avós serão convocadas para costurar uma fantasia qualquer) pintar um nome engraçado numa placa e sair pelas ruas fazendo sua gandaia longe de banners, painéis, logotipos, câmeras de tv, circuito oficial, fila de apresentação, cordas, cordeiros, seguranças carros de apoio e outras burocracias carnavalescas inventadas por quem gosta -não de carnaval- de dinheiro, muito dinheiro. Será o sempre esperado retorno às origens. Lento, hesitante, um pouco magoado, mas alegremente inevitável.


  08. Quem batucou na mesa acompanhando Gilberto Gil cantar numa barraca da Boa Viagem; quem vestiu uma mortalha azul turquesa e saiu fazendo coro com Walter Queiroz; quem botou uma máscara de careta na cabeça e saiu sozinho fazendo gaiatices pelas ruas; quem levantou de sua cadeira na calçada da Avenida Sete pra ir atrás de um trio elétrico que passava uma ou duas vezes ao dia; quem tirou rapidinho a mortalha vermelha do Barão pra não tomar porrada dos Apaches do Tororó, sabe o quanto isso é bom. Quem nunca fez isso talvez possa descobrir finalmente o que é o famoso Carnaval da Bahia.


  09. Os anunciantes? Estes são muito espertos e competentes quando se trata de aplicar suas verbas e já perceberam o esvaziamento da festa e muito mais sério que isso, para eles, a babel de marcas que tomou conta das ruas, camarotes, abadas e até isopor de bebidas. Neste caleidoscópio de patrocínios, tudo acaba virando uma coisa só e o investimento segue Moraes Moreira, descendo a ladeira.