Cultura

O ENXÁGUE DO BOMFIM, O PADRE MULATO E O MONSENHOR NEGÃO, POR ZÉDEJESUS

ZédejesusBarrêto é jornalista
| 16/01/2009 às 16:01
Fiéis acenam para a imagem do Senhor do Bomfim exposta pelo padre mulato
Foto: Foto: Robson Mendes
 

- O cortejo da tradicional Lavagem do Bomfim (mantenham o eme do meio, por favor) continua sendo a festa popular-religiosa mais imponente dos baianos. Única e bela.

Não pela participação dos políticos, sempre aferindo prestígio, mas pela integração popular: nativos e turistas; brancos, pretos, caboclos e amarelos; crentes e descrentes de todos os naipes; velhos e moços; endinheirados e pobres...  todos caminhando juntos, a pedir, agradecer ou simplesmente a se exibir.


  Uma manifestação popular como essa não acontece, que se saiba, em nenhum outro lugar do mundo. Só é possível mesmo na Bahia. Que assim seja!


  E a festa tende a crescer, sem perder muito as suas características de espontaneidade, fundamentada cada vez mais na fé, nas crenças do povo que estão bem acima dos catecismos e dos preceitos de religiões e igrejas. E na alegria de viver.


No final do século passado houve uma retomada dessa manifestação popular com a sábia decisão de retirar os trios elétricos do cortejo, mantendo a tradição da caminhada, da congregação em torno do branco, da valorização das baianas, do afoxé, das batucadas, das carroças, do suor, do sol nas cabeças até a subida da colina sagrada.

Axé!


A festa deste ano de 2009 ficará na história pela presença, no alto, da imagem do Cristo Crucificado; pela porta da basílica aberta para que os fiéis contemplassem o altar do Senhor do Bomfim; pela benção do representante da igreja católica que, enfim, percebeu a importância de acolher a todos os filhos de Deus presentes numa grande demonstração de fé e fraternidade.


Um gesto importante contra qualquer tipo de preconceito e de intolerância religiosa.


Foi preciso um padre mulato, filho de Salinas das Margaridas (recôncavo baiano), impregnado de sentimento e de sensibilidade popular para que isso acontecesse.

Claro, com o discernimento do padre (monsenhor) Gaspar Sadoc, negão de Santo Amaro, e a sabedoria do cardeal Dom Agnelo Majella.  A Bahia agradece.


Que bom exemplo de paz, de convivência, de fraternidade!!! Para o Mundo.


Deus, Olorum, Jesus, Oxalá, Jeová, Alah, Buda, Krisna... todos os santos, espíritos, caboclos, orixás, voduns, inquices, entidades, avatares e espíritos do bem, lá do alto deram-se as mãos felizes, satisfeitos com o que viram no alto da Colina Santa, o Pai-Nosso e o Hino do Senhor do Bomfim em uníssono.

Como deve ser, em nome da vida e da paz no mundo!    


Que não se volte atrás, nunca mais!


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- Antes era o ‘cabeça branca'. Agora, o ‘cara branca'.

Observação de uma senhora ao ver passar o governador Jaques Wagner de cabelos, barba, pele e olhos brancos, arrodeado de baianas...  uma brancura.


*

Pegou muito mal o bofete do ‘segurança' do prefeito no jovem que protestava. Pior ainda o tiro dado pra cima por um agente de polícia, no meio da multidão!  Cobertura total pro agressor...     Excesso de força diante de uma simples manifestação juvenil e politizada.  Só aceitam palmas e votos.


*  

Os nossos ‘repórteres' de rádio e TV precisam se preparar um pouco para a cobertura desses eventos ‘ao vivo'.  Falam abobrinhas, absurdos, cometem erros históricos que doem, desinformam o ouvinte. 

Ouvi numa emissora que a lavagem teria começado no Século XVI. Como assim, se o templo nem existia ainda?

Outro, em poderosa rede nacional, disse que a imagem de Oxalá, nas mãos do reitor da basílica, era mostrada pela primeira vez...  

Com todo o respeito, Oxalá é Orixá e Senhor do Bomfim é Jesus crucificado.

Embora os baianos vejam identidade entre um e outro, até por contingências históricas, todos sabem que são energias distintas e a imagem do santo nada tem a ver com a simbologia do orixá.

Devagar com o andor, tchê !    Um pouco de leitura, de conhecimento de nossa cultura não faz mal a ninguém e é obrigação do jornalista informar direito e com responsabilidade.

Mais, a Lavagem do Bomfim não é uma festa de adeptos do candomblé! Ela apenas lembra, nos remete ao ritual das Águas de Oxalá, que acontece geralmente nos fins de setembro, nos terreiros de nação ketu da nossa Bahia.

Não é que uma coisa seja mais importante ou maior que outra... mas cada qual no seu cada qual, como bem dizia a saudosa e sábia Mãe Menininha.


Êpa Babá !  E viva o Senhor do Bomfim da Bahia!


Vem aí o Dois de Fevereiro, festa de pescador em homenagem a Yemanjá, a Rainha das Águas do Mar.


Reler Jorge Amado, ao menos, não faz mal a ninguém.