Nos relacionamentos humanos a fidelidade segue sendo uma sombra que paira e ameaça constantemente amizades ou casamentos com raras e nobres exceções. Sabemos também que no mundo adulto das relações pessoais o álcool é um poderoso incentivo à quebra da fidelidade. Um gole a mais e um amigo torna-se inimigo ou alguém vai parar na cama de outro sem saber muito bem porque.
No mundo dos mais jovens, a fidelidade ainda não é um valor moral firmemente estabelecido, até mesmo em função da própria condição de aprendizado através da experimentação. Mas agora ficamos sabendo pela propaganda que a fidelidade entre adolescentes pode ser ameaçada também por um gole de uma simples Pepsi. Pelo menos é o que nos diz o comercial do refrigerante que está atualmente no ar.
Não sou exatamente um moralista e inclusive acho que a propaganda em quase 100% de suas campanhas de produtos cria mundo irreais e totalmente distantes daquilo que vem em seguida, seja na programação da tv ou nas páginas de jornal e revistas. Depois da família feliz bebendo determinada marca de suco no café da manhã vem a família em guerra da novela ou -muito pior porque real- a família destroçada do telejornal.
Acredito que a propaganda deveria se aproximar um pouco mais da realidade, ter o cotidiano como parâmetro sem evidentemente ter as tragédias como inspiração. Ser mais concreta sem esquecer o cuidado com o lado saudável da vida. Mas quando se trata de mensagens publicitárias voltadas para adolescentes, o máximo de cuidado ainda é pouco.
Nossos jovens estão vivendo em um ambiente social totalmente diverso daquele que poderia lhes garantir a natural incorporação de valores éticos, morais e de respeito. As escolas que assumiam parte desta responsabilidade abriram mão do encargo faz tempo. A família perdeu o formato padrão e hoje pode ser um agrupamento aleatório de pessoas com pouco ou nenhum tempo para que os adultos -pais, padrastos, madrastas, mães, tios e tias- possam fazer integralmente este trabalho.
O resultado é que os jovens estão aprendendo a viver aos trancos e barrancos, trocando inexperiências entre eles próprios e conhecendo o mundo através da mídia, na qual se percebe a predominância da impunidade, a vitória dos inescrupulosos, a beleza física como valor maior de vida, a competição desenfreada e sem qualquer regra, o consumo como uma obrigação e as drogas como uma coisa natural. Assim, falar com esse público seja lá através de qual meio for, exige uma profunda avaliação do que se está dizendo e como.
Quando uma marca poderosa com a Pepsi leva ao ar um comercial em que a fidelidade de uma garota ao seu namorado é quebrada pela tentação de um gole de refrigerante, por mais ingênua que pareça a brincadeira, ela não é.
Eu sei, a propaganda não é a vida real, mas o que ela vende é. Apartamentos, carros, perfumes, sandálias, refrigerantes são reais e portanto as situações ou ambientes em que eles são colocados tendem a ser visto como reais ou sugerem uma possível realidade. Principalmente para o grupo de que estamos tratando, cujo discernimento entre realidade e fantasia ainda é precário.
Mostrar a fidelidade como algo que tem o valor de um gole de Pepsi é um erro moral.
Mesmo que para a garotada a fidelidade ainda não seja algo indispensável às relações humanas, devemos ensinar-lhes que é. Só assim eles amadurecerão esta idéia e talvez venham a incorpora-la em suas vidas quando adultos. Se ao contrário, lhes mostramos que ela vale quase nada, estamos nós publicitários, contribuindo para que o futuro seja pior quando na verdade a nossa principal responsabilidade e atribuição -neste caso- seria vender mais refrigerantes.
A propósito, o título deste artigo é um trecho de um jingle usado pela Levi's numa campanha antiga para vender seus jeans ao público jovem. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada. Além do seu produto, ela vendia o conceito de que a formidável aventura de lançar-se pelo mundo em busca de outras vivências (vestido numa Levi's, claro) é uma forma de liberdade. Muito melhor que um gole de Pepsi como forma de quebrar a fidelidade de alguém.