Cultura

JINGLES AND BELL'S E A PROPAGANDA NO NATAL, COMENTÁRIO MARCO GAVAZZA

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| 25/12/2008 às 16:03
Ao longo do tempo a festa foi incorporando símbolos e costumes
Foto: Foto: Divulgação
   Não sou filiado a nenhuma religião mas gostava do Natal.  Pouco importava se Cristo teria nascido naquele dia ou não.  Gostava do sentido daquela festa que evoluiu do primitivo objetivo de simplesmente comemorar um nascimento para se transformar numa celebração da serenidade, do amor e da paz. 

   Ao longo do tempo a festa foi incorporando símbolos e costumes.  A prática de presentear as pessoas ganhou tradição ao ser expandida por São Nicolau que inspirado na história dos Reis Magos, resolveu sair distribuindo presentes no dia do Natal, entre as crianças da região onde habitava, uma aldeia da Noruega ou Finlândia, nunca sei ao certo. Virou o Santa Klaus, mais conhecido entre nós como Papai Noel. 

   A tentativa de recriar o ambiente em que ele vivia,  quase no Pólo Norte, também gerou símbolos como o trenó, as renas, o pinheiro -com neve de algodão para sobreviver aos trópicos- e os bonecos de neve. 


  Toda esta incorporação de ícones e hábitos demorou séculos, mas sempre aconteceu respeitando o espírito da celebração.  Até pouco tempo atrás. 


  Na metade do século 20, ao menos no Brasil e na Bahia, o Natal começou a se parecer  cada vez mais com uma festa qualquer, com muita comida, bebida, presentes, música e dança.  Surgiu também o Natal empresarial, onde sócios-diretores e funcionários uma vez ao ano podem beber generosas doses de Bell's no mesmo ambiente.


 A decoração foi mantida, mas aquela história de confraternizar, reaproximar corações e mentes, foi sumindo pouco a pouco. Hoje o Natal poderia ser o aniversário de qualquer pessoa. Meu, seu, do cunhado, do vizinho. A única coisa que permaneceu do velho Natal -além da decoração, agora made in Taiwan e repleta de luzes performistas- é que todos os convidados da festa ganham presentes e não só o aniversariante. 


  É aí que entra a propaganda, nosso tema oficial neste espaço. E entra como vilã da história. Todos que perceberam a transformação do Natal de uma celebração da fraternidade e do amor para uma festa a mais, encontraram na propaganda a culpa disso tudo. Proclamam cheios de autoridade que o Natal se transformou numa festa mercantilista onde todos se endividam para consumir produtos maldosamente anunciados pelo comércio e mais nada. 


  Não é verdade e sou obrigado a defender aqui a propaganda.  Ela segue tendências e procura transformar estas tendências em vendas. Se ninguém mais tem tempo de tricotar uma blusa para presentear o genro no Natal e compra algo semelhante numa loja, a culpa -se é que existe culpa nisso- evidentemente não é do comercial que o anunciou.


 A transformação sofrida pelo Natal  faz parte de uma transformação maior e de origem cultural. A mesma transformação que tirou do dia de Finados e da Sexta da Paixão o sentido da perda e da memória, dando a estes dias simplesmente a identidade de mais um feriado.  Ao mesmo tempo, os círculos sociais e de relacionamento se expandiram, o novo formato de família com ex-esposas, ex-maridos e filhos de outros casamentos, consolidou-se. Hoje a agenda do celular de qualquer garoto de 16 anos tem mais de cem nomes.  O hábito de presentear pessoas -que havia sido mantido- logicamente ampliou a quantidade de presenteáveis.


A pobreza aumentou demais e tornou-se uma condição visível, muito próxima de todos nós, o que gerou a inclusão de pessoas como o porteiro do prédio, o lavador de carros e a lavadeira na lista de presentes.  Mais ainda: a pobreza extrema transformou-se numa doença exposta nas ruas e pela mídia. Isso -aí sim, incentivado pela propaganda e pela mídia- fez com que todos se sentissem obrigados a acrescentar à lista de presenteados os desconhecidos que vivem nas ruas ou em abrigos públicos.


A vida no século 21 possui um ritmo desenfreado e não podemos mais escolher ou preparar cuidadosamente os presentes de uma lista que triplicou de tamanho. Somos obrigados a correr aos shoppings, geralmente na última hora e comprar dezenas de pequenos presentes para a nova lista de Natal. Claro que neste ambiente, a propaganda entra pra valer e com muitos dos seus jingles, mostra onde existem mais, melhores e mais baratas opções de presentes. Certamente não é esta a grande perda do Natal.


A lastimável perda foi a do sentido do Natal e esta se deu na alma de cada um de nós.


A lista de presentes além de crescer, passou a ser a única coisa necessária para dizermos a alguém que gostamos dele. A festa em si tornou-se um pré-reveillon, onde todos enchem a cara e dançam até a exaustão para tentar começar um novo ano com a memória limpa dos aborrecimentos anteriores.  Não era pra ser assim. 


O Natal sempre foi a única festa que permitia um reencontro com nossos próprios sentimentos e com os elos de amor, fraternidade e amizade com outras pessoas.  Uma oportunidade de reafirmar ou recuperar a beleza dos relacionamentos. 


Com certeza não foi a propaganda que acabou com isso.  Fomos nós mesmos, com a nossa moderna capacidade de fugir cada vez mais das nossas próprias emoções.