Cultura

PORQUE SOMOS TÃO HIPOTÉTICOS E MADAME BEATRIZ, POR MARCO GAVAZZA

Marco Gavazza é publicitário
| 21/12/2008 às 22:28
Ilustração mística e megalomaníaca
Foto: Ilustração
    Se por acaso você ler este artigo até o fim, gostar dele e escrever para o jornal elogiando, pode ser que eu venha a ser convidado no futuro para escrever no New York Times. Caso você escreva dizendo que detestou, eu posso nunca mais aparecer nestas páginas sendo este espaço preenchido por horóscopos ou um artigo do Paulo Coelho.  Ou não.


Por que nós brasileiros tratamos tudo desta forma ?


A gente liga a TV e lá está alguém dizendo que se o São Jerônimo ganhar do Farroupilha por mais de 3 gols e a Juventude perder da Nova Lima de 1 X 0, já estará classificado em alguma coisa. Se forem os primeiros da chave poderão enfrentar a Birmânia caso ela seja o segundo de seu grupo, ganhando para o Vera Cruz que não pode perder do Tocantins por mais de 1,5 gols.


Se a gente está mais interessada em política fica sabendo que se Wagner tiver o apoio de 30% da bancada do PDT e fechar um acordo com o PSol, que depende da adesão de Paulinho da CUT, poderá chegar a mais de 41% dos votos da próxima convenção e assim lançará o nome de Léo Kret para governador, que tem 93% a menos de intenções de voto que Geddel e este poderá assim derrotar Lídice, se ela não fechar a vaga na embaixada de Paris com ACM Neto. Por aí vai. Do "matemático" Oswald de Souza até Mãe Diná, o Brasil vive de hipóteses e adivinhações.


O antiqüíssimo caso PC Farias virou programa de TV -lembram?-  aceitando hipóteses de quem estivesse disposto a teclar o 0800 alguma coisa. Quase 200 mil pessoas entupiram os canais de satélite para dizer que se PC estivesse namorando Zélia Anysio talvez  tivesse levado uma bala por vingança de um antigo poupador confiscado que por sua vez tomou uma grana emprestada de Suzana Marcelino e não pagou, deixando assim aquele dentista azarado lá de São Paulo com um papagaio na mão.


Esta história remonta a Cabral. Ele explicou à sua tripulação que se a corrente de Benguela não estivesse descendo e sim subindo, eles poderiam talvez chegar até a Índia e em seguida mostrou que aqueles senhores pelados numa boa ali em Porto Seguro, talvez fossem mexicanos, se é que Colombo tinha chegado mesmo ao Cabo da Boa Esperança e não à Nova Inglaterra.

  

Aqui mesmo na Bahia -o paraíso da especulação sobre o futuro- os mais velhos contam a existência de uma personalidade que em tempos menos remotos que o de Cabral, era respeitadíssima pela sociedade soteropolitana. Chamava-se Madame Beatriz.


Lembram eles que a rotunda senhora, morena como os mouros e outrora bela, via na sua bola de cristal o futuro de todas as figuras importantes da política, das artes, da sociedade, da imprensa, do poder e dizem as más línguas, do clero baiano.


Instalada numa transversal da Av. Sete de Setembro a mítica Madame Beatriz pairava acima dos comuns o que é natural para quem detém em cima de uma mesa o futuro de da cidade, do Estado, do País.   Sim, porque se ela visse na sua bola que Mestre Bimba iria ser governador e achasse que isto seria bom, bastava ele se candidatar e pronto, teríamos todos aprendido rabos-de-arraia e similares no currículo escolar. Como se pode ver o futuro pertence aos futurólogos que podem ajustá-lo ao seu mais estrito interesse.


Quem a conheceu diz que Madame Beatriz viveu seus longos anos de vida e premonições, adorada como uma sacerdotisa. Nas poucas vezes em que se permitia pisar o chão da Av. Sete as pessoas respeitosamente se afastavam para sua volumosa passagem, as crianças se encolhiam diante daquela que poderia saber se elas iriam ou não passar de ano, os comerciante se apressavam em ir até à porta de suas lojas cumprimentá-la pois nunca se sabe pra onde podem ir os negócios. Foram pro Iguatemi. Não sei se Madame Beatriz sabia disso e foi consultada por Newton Rique. 


Não há comentários sobre publicitários da época entre os clientes de Madame Beatriz mas quem sabe?  Não é à toa que até hoje muitos deles possuem os seus personals pais de santos que os orientam na prospecção e conquista de clientes, além de eventualmente opinarem sobre campanhas da agência.


Registra também a enciclopédia popular que ACM ainda jovem certa  vez consultou Madame Beatriz ouvindo dela que seria no futuro o homem mais poderoso do País. Imediatamente abandonou a turma do Campo da Pólvora e a Escola de Medicina candidatando-se a vereador. Deu no que deu.


A história não deixou herdeiros do porte de Madame Beatriz, nem genealógicos nem de profissão. A modernidade não extinguiu os videntes, pelo contrário ampliou-lhes a possibilidade, mas o modismo deslocou o eixo premonitório e hoje os oráculos estão mais para o guruweb, tarô on line, os mapas astrais computadorizados, o fluxo energético e outros insondáveis caminhos.


Os jornais permanecem abrindo espaço diário para os horóscopos, para os videntes de catástrofes e estamos a poucos dias de -mais uma vez- encontrarmos cadernos inteiros nos jornais detalhando como será 2009.


A vasta população brasileira destituída de atributos visionários e principalmente de projetos pessoais se dedica às hipóteses. Se isto acontecer, aquilo ali está garantido. Se acertar no bicho a casa própria vira realidade. Se não chover, vai dar praia. Se o chefe for demitido, ele pode ganhar o cargo. Se aquela gostosura do 3º andar terminar o noivado, quem sabe? E por aí vamos. 

  

É curiosa esta atração nacional pela hipótese, como se a realidade e os fatos concretos do nosso País não indicassem claramente para onde estamos indo. Ou nos incomodassem profundamente a ponto de preferirmos não levá-los a sério.

  

Pensando bem, talvez seja exatamente por isso. Ou não? Quem sabe.