Cultura

CAUSO DOMINGUEIRO (74): BEIJANDO E PASSANDO RECOMENDA O PADRE

Vide
| 20/12/2008 às 23:55
  Sexta feira santa no interior da Bahia.

  Causo narrado pelo jornalista Chico Ribeiro Neto

  Como sabe todo bom cristão, nesse dia não tem missa, apenas a exposição da imagem do Senhor Morto. Os fiéis fazem fila para beijar os pés do Senhor Morto, agradecer umas graças e pedir outras.

   Sem jantar, o padre começa a ter pressa empurrado pela barriga. Vê que a fila está dando voltas em torno da igreja e que tão cedo não estará liberado. O pior: há umas beatas que parecem querer contar a vida toda aos pés do Senhor, que pegam, abraçam e lambuzam de beijos e lágrimas.

  "É pra ter fé, mas aí também já é abusar; temos que dar oportunidade aos outros que estão atrás na fila. Eles também merecem receber as graças", diz o padre ao microfone enquanto o estômago dá o primeiro ronco. Lembra da moqueca de peixe, com vatapá e caruru, feita por Dona Lourdes, velha cozinheira da paróquia, quem faz o jantar do arcebispo de ano em ano, quando a cidade toda é uma festa.

  As beatas continuam adorando o Senhor Morto, e demorando demais. Depois do segundo ronco, o padre resolve dar uma providência naquela demora toda. Vai para junto do Senhor, bem perto de quem se ajoelha para beijar a imagem.
 
   Quando a próxima beata ajoelha-se, ele toca na cabeça dela, empurrando-a levemente, mas com firmeza, e diz: "Beijando e passando".

   Daí em diante nenhuma delas conseguiu mais ficar choramingando e implorando graças aos pés do Senhor. Mal se ajoelhavam e lá vinha a mão do padre empurrando-as: "Beijando e passando, beijando e passando..."