Cultura

NÃO BASTA SER FAMOSA, TEM QUE VENDER - COMENTADO POR MARCO GAVAZZA

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| 18/12/2008 às 11:07
A campanha de Ivete Sangalo vendendo moto e a opinião do colunista Marco Gavazza
Foto: Foto: Divulgação
   O uso de testemunhais em comerciais e campanhas sobre produtos ou serviços, feitos por personalidades conhecidas do grande público, não é nenhuma novidade. Ele é considerado um investimento menor e de retorno mais rápido que aquele necessário para criar do nada uma personalidade, como o baixinho da Kaiser ou o Garoto Bombril.

   São necessários alguns anos de mídia para que se estabeleça a ligação imediata na cabeça do consumidor entre aquele personagem criado e o produto anunciado.

David Ogilvy, o guru de parte da propaganda mundial  (sim, existe uma corrente de opiniões totalmente contrária à sua filosofia mas isso é assunto para outro artigo)  já falava sobre essa utilização em seus livros da década de 60. 


   Ironicamente quando eu trabalhava na Ogilvy em São Paulo aconteceu um fato que contrariava toda a teoria do respeitado chairman of the board. Um dos clientes da agência -a Suvinil- não se sabe lá muito bem por conta de que, acabou fechando uma permuta e  um dia informou que precisava de um comercial para suas tintas e que este comercial seria gravado com Jô Soares, de forma gratuita.


   Como dar credibilidade a Jô Soares, no papel dele mesmo, falando sobre tinta para paredes foi uma alucinação e rendeu muita discussão.  Finalmente e como era inevitável, atendeu-se a exigência do cliente, o comercial foi criado e colocado no ar. Não vendeu absolutamente nada. Era tão pouco marcante que até eu, que trabalhei no projeto, sequer lembro como era ele. Sir David Ogilvy jamais ficou sabendo que uma das suas agências havia cometido aquela campanha.


   Na propaganda brasileira uma das melhores utilizações de um famoso como porta-voz das qualidades de uma produto foi feita pela Gillette que pagou uma fortuna para o então apresentador de televisão Carlos Mièle raspar a sua volumosa barba diante dos telespectadores. 


   A adequação era perfeita. Mièle tinha uma enorme audiência na época, sua barba era a marca registrada de sua personalidade e a Gillette estava lançando o primeiro barbeador de lâmina dupla no Brasil.  A campanha vendeu tudo o que tinha pra vender e entrou para a história da propaganda brasileira. Este é um exemplo clássico de eficácia no uso de famosos na propaganda.


   Também a Antarctica usou de forma magistral o Adoniran Barbosa, emérito consumidor de cerveja, que além de dar credibilidade ao que anunciava criou um bordão que permaneceu por muito tempo no discurso popular: "Nós viemos aqui pra beber ou pra conversar?". 


   Mais recentemente a Schincariol -ou foi a Brahma?- apostou num famoso também certíssimo para anunciar cerveja: Zeca Pagodinho. Os comerciais eram convincentes e ele tinha tudo a ver com o produto. Não deu muito certo porque atrapalhado como é, Pagodinho acabou anunciando também uma marca concorrente e aí a confusão foi geral, tanto na cabeça do consumidor quanto nos escritórios de famosos advogados. Não fosse esse "pequeno detalhe" e teria sido uma grande campanha.


   Agora, alguém me diga, por favor: porque eu iria comprar uma moto anunciada por Ivete Sangalo? 


   Pelas mesmas razões que ninguém comprou a tinta anunciada por Jô Soares. 


   A fama, por si só, não transforma ninguém num vendedor ideal de produtos ou serviços.  A presença de uma celebridade em campanhas de produtos ao qual sua imagem não está visivelmente ligada é dinheiro jogado fora e se esta celebridade está disponível para anunciar qualquer coisa, o tempo todo, o dinheiro vai embora ainda mais rapidamente. 


   Podemos permanecer no exemplo de Ivete também para comentar sobre este outro aspecto dos testemunhais: a pulverização.  Muitas celebridades anunciam tanta coisa que não dá nem pra fazer uma lista.  Molho de macarrão, imóveis,  telefonia móvel, tintura de cabelo,  lingerie,  agência de viagens, óleo automotivo, sei lá.  Já vimos muitas vezes um mesmo famoso anunciando tudo que é possível anunciar.  


   Nenhum  consumidor  consegue acreditar que aquela  celebridade realmente avaliza a qualidade de tanta coisa diferente.  Ele até gosta de vê-la a todo instante num comercial de televisão, num outdoor ou num anúncio de revista.  Mas o "produto" que captura a sua atenção passa a ser a própria celebridade. 


   Assim, quando Ivete anuncia moto,  alguém poderá comentar: "Pô, as pernas dela estão cada vez melhores". Ou então "Que vestido lindo o da Ivete"  quando ela está anunciando um apartamento.  A moto, o apartamento? Que moto? Que apartamento?


  Claro que nestas considerações que faço sobre celebridades excessivamente presentes na propaganda não há qualquer crítica a elas, as celebridades. Não estão anunciando produtos proibidos, perigosos, enganosos ou coisas suspeitas.  Estão ali contratadas  por um bom cachê graças ao patrimônio de imagem que conseguiram montar e fazendo da melhor maneira o seu trabalho.  Não serão eles -os famosos- que dirão às agências ou aos anunciantes: "Olhem, não acho que eu seja a melhor pessoa para anunciar seu produto". Ou então: "Gente, eu já anunciei muita coisa neste semestre."


  Mas alguém precisa dizer.