Cultura

RICARDO, VARELA E OS EDITAIS DE CONCORRÊNCIA, POR MARCO GAVAZZA

Vide
| 11/12/2008 às 11:11
Ricardo Nunes (Eletro) conversou com taxista e procurou Raimundo Varela
Foto: Foto: Divulgação
  Quem não é da área provavelmente desconhece, mas qualquer um de nós profissionais de propaganda -ou a grande maioria- já teve em suas mãos um edital de concorrência pública ou privada para a contratação de agência de propaganda e sabe que invariavelmente lá estão os três itens que envolvem o planejamento e a criação.


  Eles são chamados de Raciocínio Básico, Estratégia de Comunicação Publicitária e Idéia Criativa. Para cada um deste itens é exigida uma quantidade de texto que gira em torno de 20 páginas, justificando tudo o que a chamada licitante pensa, sendo que o último item exige ainda uma campanha completa com layouts, roteiros e o que mais for possível. Juntos geralmente valem mais de 50% dos pontos de uma concorrência.  Estas concorrências são sempre o pavor do pessoal técnico envolvido e a grande esperança do dono da agência.


  Pois bem. Há pouco mais de dois anos  numa manhã qualquer um rapaz aparentando 35 a 40 anos de idade, desembarcou no aeroporto de Salvador. Entrou num táxi e antes de dizer para onde ia perguntou ao motorista: "Qual o programa de rádio de maior audiência aqui em Salvador?".


   O motorista pensou um pouco e respondeu: "É o do Varela."  O passageiro então deu o comando: "Leve-me até ele." 


  Feito o percurso e cumpridos os trâmites para chegar até a presença de Raimundo Varela, o rapaz finalmente cumprimentou-o e se apresentou: "Eu sou Ricardo, dono de uma rede de lojas de eletrodomésticos. Estou vindo com minhas lojas para Salvador e quero conversar com você sobre propaganda." 


  O que eles conversaram e o que foi acertado entre os dois, somente eles sabem, mas esta é a história real do "raciocínio básico" usado pelo empresário proprietário da rede Ricardo Eletro para começar a anunciar em Salvador.


  Longe, muito longe dos conceitos que qualquer jovem estudante de publicidade já aprendeu e mais longe ainda dos editais de concorrência, Ricardo dispensou institutos de pesquisa,  relatórios de audiência, definição de público por veículo e todos aqueles instrumentos que conhecemos, para usar como fonte de informação um motorista de táxi e ir direto ao veículo de midia, dispensando até mesmo a agência de propaganda.


  Na própria sala de Varela o Ricardo ficou sabendo também quais os outros programas com boa audiência no rádio, os programas de maior audiência na televisão, as configurações e preferências do público consumidor baiano, os bairros mais populares, os de maior concentração de renda etc. 


  Todas as informações relevantes foram passadas por quem mais a esta altura já estava na sala além do Varela e com a maior satisfação diante daquele jovem simpático e objetivo, diferente do pessoal das agências.  Estava ali começando a ser definida portanto a sua "estratégia de comunicação publicitária"  como usualmente chamam os editais de concorrência.


   Encerrada a conversa Ricardo no mesmo dia retornou a São Paulo e poucas semanas depois inaugurava sua primeira loja e introduzia no mercado a sua "idéia criativa" usando critérios muito bem definidos. Identificação com a empresa, sugerindo a existência de alguém -o dono- que decide. É a loja "do" Ricardo, seja lá quem for Ricardo. Identidade visual gritante usando vermelho, verde e amarelo como base. Foco no preço baixo, com chamadas agressivas desafiando quem tivesse preços menores que os dele.  Uso de produtos-iscas com preços realmente baixos enquanto os outros produtos permaneciam na mesma faixa de preços da concorrência ou centavos menores.  Ricardo assumiu um posicionamento de quem não chegou para disputar e sim para vencer.


  Resultado: em pouquíssimo tempo Ricardo estava registrado na memória coletiva do consumidor baiano, disputando share of mind com empresas do mesmo setor e que já estavam no mercado há décadas.  Hoje se alguém pensar em móveis e eletrodomésticos em Salvador, suas lojas aparecem entre os três primeiros nomes lembrados. Ou dois. Ricardo inclusive obrigou algumas destas marcas tradicionais a reverem  suas linhas de comunicação, passando a enfrentá-lo com as mesmas armas.


  O que eu acho de tudo isso?  Bem, este espaço não é e nunca será usado como sala de aula.  É um lugar para trocar idéias. Assim, num caso como este, o que eu acho deixo apenas comigo.  Ficamos por aqui. Tenho um edital de concorrência em mãos e preciso escrever muito. Contei este história -absolutamente real- para que vocês achem alguma coisa. 



Contatos: gavazza@eurofort.com.br