Cultura

CARLITOS X TEOBALDO E A PROPAGANDA NO BRASIL, POR MARCO GAVAZZA

Marco Gavazza é publicitário
| 24/11/2008 às 12:29
Carlitos, personalidade emblemática do cinema mundial (Foto/Div)
Foto:
  A propaganda persegue há séculos a capacidade do cinema de criar personagens definitivos. Embora muito mais presente no registro das pessoas que o cinema, em função da frequência e da diversidade da mídia, a propaganda raramente consegue perpetuar suas criações, perdendo por várias cabeças para os longas.

 Quem consegue lembrar o nome do personagem que durante muito tempo foi símbolo do guaraná Antarctica ?  Somente quem é do ramo -e ainda assim uma minoria- responde em menos de 30 segundos: Teobaldo. Já Daniel Craig é um nome rapidamente identificado como o novo 007, embora tenham existido dezenas de atores depois de Sean Connery, primeiro e único. Mas, isto é Hollywood. 


Para falar a linguagem mercadológica e do consumo, os personagens da propaganda são perecíveis. Enquanto Scarlett O'Hara atravessa décadas na mente de multidões, nem o sotaque e o saiote escoceses fazem o consumidor lembrar o nome daquele simpático senhor que falava sobre um whisky, qual era mesmo, Passaport ou Ballantinnes ? 


A seqüência de exemplos é enorme, desde Mickey até Rambo, sem esquecer os óbvios James Bond, o Inspetor Clouseau, Dom Vito Corleone; o clássico Gordo e o Magro, Carlitos e tantos outros. Sem falar nos seriados, onde a coisa fica ilimitada a partir de Tarzan, passando por todos os Zorros (cuja identidade secreta era Dom Diego de La Vega), Super Homens, Homem Aranha e Dino da Silva Sauro, já na animação.  Notem que estou falando de alguns personagens criados a mais de meio século.


E os heróis da propaganda, onde estão?  Aquele senhor gordo, simpático, de barba, que falava do Bamerindus, você lembra?  Aliás, nem o Bamerindus existe mais. O tempo passa, o tempo voa. Até o recordista do Guiness e já idoso apresentador do Bom Bril é um anônimo para o grande público. Mesmo que seja um artista famoso no papel dele mesmo, o herói dos comerciais vai rapidinho para a vala comum dos esquecidos. Alguém aí lembra de Luis Fernando Guimarães vendendo Rider?  Daqui a alguns meses ninguém mais lembrará de Malu Mader apresentando uma linha  de eletrodomésticos. É isso mesmo; eletrodomésticos?


Porque isso?  Simplesmente porque o herói do cinema interpreta uma personalidade com a qual nos identificamos ou rejeitamos profundamente, o que leva à assimilação e memorização. Já o herói da propaganda interpreta um sabão em pó, um sorvete, um carro ou um supermercado. E dificilmente alguém dá a isso mais importância além de verificar se o que está sendo anunciado é interessante e compensador. Por mais simpatia que se tenha por quem está anunciando. Checada a informação e realizada a compra ou não, acabou o filme e o personagem vai junto. The end.


Agora, jogando um pouco de sal na ferida: será que o cinema ainda tem esta capacidade de criar personagens imortais? Quem lembra do nome de algum personagem dos filmes de Spielberg (E.T. não vale, pois não era o nome do alienígena) um diretor que foi beber inspiração nas fontes murmurantes das agências de propaganda da Madison Ave.? Ou dos filmes de Woody Allen que herdou o espólio da ingenuidade de Chaplin, mas não herdou o lirismo e muito menos Carlitos ? 


Para ser mais amplo, quem lembra o nome de um personagem de algum filme nos últimos 5 anos?  Talvez Jack Bauer. Ou, pra radicalizar logo, alguém lembra quais os filmes que concorreram ao Oscar do ano passado? Será que o cinema está ficando tão comercial -e perecível- quanto a propaganda? 


Claro que sim. Foi a única forma que ele encontrou de enfrentar a televisão e não fechar as portas de todas as salas em todos os países. Mas longe de significar uma tragédia, isto tem seu lado positivo.


A renovação do cinema e o DVD possibilitaram a abordagem de muitos mais temas, ampliou o leque aventura/drama/terror/comédia infinitamente, permitiu grandes espetáculos e trouxe de volta  para a telona um pouco do público que ficou muito tempo na poltrona da sala de jantar.


Foram-se os anéis mas ficaram os dedos. Se a comunicação se transformou completamente nas últimas décadas, tornando-se tão transitória e descartável quanto os fatos ou produtos, paciência. O mundo está assim mesmo. Você vai guardar meu nome na memória quando terminar de ler este artigo? Claro que não.


Resta aos irmãos Lumiére o orgulho de permanecerem contemporâneos ao lado da internet e a nós, a felicidade de conviver com uma época das mais diversas emoções.