Quem consegue lembrar o nome do personagem que durante muito tempo foi símbolo do guaraná Antarctica ? Somente quem é do ramo -e ainda assim uma minoria- responde em menos de 30 segundos: Teobaldo. Já Daniel Craig é um nome rapidamente identificado como o novo 007, embora tenham existido dezenas de atores depois de Sean Connery, primeiro e único. Mas, isto é Hollywood.
Para falar a linguagem mercadológica e do consumo, os personagens da propaganda são perecíveis. Enquanto Scarlett O'Hara atravessa décadas na mente de multidões, nem o sotaque e o saiote escoceses fazem o consumidor lembrar o nome daquele simpático senhor que falava sobre um whisky, qual era mesmo, Passaport ou Ballantinnes ?
A seqüência de exemplos é enorme, desde Mickey até Rambo, sem esquecer os óbvios James Bond, o Inspetor Clouseau, Dom Vito Corleone; o clássico Gordo e o Magro, Carlitos e tantos outros. Sem falar nos seriados, onde a coisa fica ilimitada a partir de Tarzan, passando por todos os Zorros (cuja identidade secreta era Dom Diego de La Vega), Super Homens, Homem Aranha e Dino da Silva Sauro, já na animação. Notem que estou falando de alguns personagens criados a mais de meio século.
E os heróis da propaganda, onde estão? Aquele senhor gordo, simpático, de barba, que falava do Bamerindus, você lembra? Aliás, nem o Bamerindus existe mais. O tempo passa, o tempo voa. Até o recordista do Guiness e já idoso apresentador do Bom Bril é um anônimo para o grande público. Mesmo que seja um artista famoso no papel dele mesmo, o herói dos comerciais vai rapidinho para a vala comum dos esquecidos. Alguém aí lembra de Luis Fernando Guimarães vendendo Rider? Daqui a alguns meses ninguém mais lembrará de Malu Mader apresentando uma linha de eletrodomésticos. É isso mesmo; eletrodomésticos?
Porque isso? Simplesmente porque o herói do cinema interpreta uma personalidade com a qual nos identificamos ou rejeitamos profundamente, o que leva à assimilação e memorização. Já o herói da propaganda interpreta um sabão em pó, um sorvete, um carro ou um supermercado. E dificilmente alguém dá a isso mais importância além de verificar se o que está sendo anunciado é interessante e compensador. Por mais simpatia que se tenha por quem está anunciando. Checada a informação e realizada a compra ou não, acabou o filme e o personagem vai junto. The end.
Agora, jogando um pouco de sal na ferida: será que o cinema ainda tem esta capacidade de criar personagens imortais? Quem lembra do nome de algum personagem dos filmes de Spielberg (E.T. não vale, pois não era o nome do alienígena) um diretor que foi beber inspiração nas fontes murmurantes das agências de propaganda da Madison Ave.? Ou dos filmes de Woody Allen que herdou o espólio da ingenuidade de Chaplin, mas não herdou o lirismo e muito menos Carlitos ?
Para ser mais amplo, quem lembra o nome de um personagem de algum filme nos últimos 5 anos? Talvez Jack Bauer. Ou, pra radicalizar logo, alguém lembra quais os filmes que concorreram ao Oscar do ano passado? Será que o cinema está ficando tão comercial -e perecível- quanto a propaganda?
Claro que sim. Foi a única forma que ele encontrou de enfrentar a televisão e não fechar as portas de todas as salas em todos os países. Mas longe de significar uma tragédia, isto tem seu lado positivo.
A renovação do cinema e o DVD possibilitaram a abordagem de muitos mais temas, ampliou o leque aventura/drama/terror/comédia infinitamente, permitiu grandes espetáculos e trouxe de volta para a telona um pouco do público que ficou muito tempo na poltrona da sala de jantar.
Foram-se os anéis mas ficaram os dedos. Se a comunicação se transformou completamente nas últimas décadas, tornando-se tão transitória e descartável quanto os fatos ou produtos, paciência. O mundo está assim mesmo. Você vai guardar meu nome na memória quando terminar de ler este artigo? Claro que não.
Resta aos irmãos Lumiére o orgulho de permanecerem contemporâneos ao lado da internet e a nós, a felicidade de conviver com uma época das mais diversas emoções.