Cultura

ESTRÉIA NO BJÁ: ERAM OS DEUSES PUBLICITÁRIOS?, POR MARCO GAVAZZA


(Marco Gavazza é publicitário registrado no MTPS nº 2084, em 07.11.1977)
| 18/11/2008 às 19:01
Torii, o porta dos Deuses, na simbologia asiática (Foto/Ils)
Foto:

Revejo Don Juan DeMarco com a mesma satisfação da primeira vez. Um filme instigante, que consegue manter o tempo todo o difícil e inquietante contraponto entre humor e melancolia. Aquela estranha sensação de sorrir com o coração apertado.
 
A eliminação da fronteira entre o sonho e a realidade fundindo o paciente e o psiquiatra numa única verdade, que por sua vez não é nenhuma das duas. Isso me levou a uma associação curiosa:  o personagem de Jonnhy Depp pode tranqüilamente ser um publicitário a moda antiga, um tipo que ainda manda flores. Para si próprio.


Era assim que se faziam publicitários. Artistas plásticos, jornalistas, escritores, locutores, desenhistas, vítimas da grande tragédia que é o sucesso inacessível, acabavam transformando camisas, apartamentos e automóveis em mantos, castelos e carruagens. Para sair proclamando "eu sou Dom Juan DeMarco, o maior publicitário do mundo, já ganhei mais de mil prêmios e não tenho mais razões para criar".  Igualzinho ao filme.


Foi assim que publicitários surgidos na fase empírica acabaram por sentirem-se deuses de um olimpo mercadológico. Ou dons juans de ilusórias doñas anas.


A tecnologia da produção industrial, os novos meios de comunicação, a internet, a segmentação da sociedade e dos hábitos de consumo,  as leis naturais de mercado transformaram este tempo romântico em um passado apenas curioso.


Hoje um publicitário precisa ser um técnico com formação acadêmica, trabalhando com base em pesquisas, estatísticas, projeção de mercado, análise comportamental e psico-sociologia, com a missão de transformar camisas, apartamentos e automóveis em camisas, apartamento e automóveis indispensáveis.  Fazer propaganda não é mais uma questão de ser exótico ou ter glamour.


O campo de batalha continua sendo a tênue fronteira entre sonho e realidade do consumidor, mas os métodos são mais científicos, sensatos, realistas e exatos. A consumidora sabe que não vai ficar tão bela quanto Angelina Jolie mas ela fica convencida que aquele sabonete pode melhorar a sua pele.

O consumidor sabe que o aparelho Mach 3 não vai fazer as mulheres enlouquecerem por ele, mas tem certeza de que poderá ir à reunião das 20 h. com a barba feita de manhã, numa boa.


A própria atividade se incumbiu de um autopoliciamento saudável, preservando a credibilidade da propaganda. O Conar está aí para tirar do ar os exageros que só irritam quem leva pra casa uma caricatura do que foi anunciado. Os publicitários de carreira se reciclaram compulsoriamente -ou saíram de cena- para enfrentar não apenas um novo mercado, mas também a concorrência de gerações de jovens formados com este novo conceito.


Tudo bem, mas aqui, sem exagero; né meu rei? Na terra do axé e da felicidade, um Dom Juan DeMarco da propaganda sobrevive. Com milhares de bandas de pagode e axé music, seis meses de férias por ano, carnaval de noventa dias e feriadões pra descansar disso tudo, quem pode levar a sério sinal de trânsito, hora marcada e publicitário com discurso técnico ? 


Resta  pra quem faz parte deste mundo complexo que é a propaganda, seja como espectador ou como personagem, a certeza de que  mais dia menos dia a verdade estará esperando por nós numa praia deserta.
 
Neste momento, teremos a certeza de que conseguimos avançar mais um pouco -em slow motion-  na direção de nós mesmos. Com a voz de Marlon Brando finalmente perguntando em off: "porque não ?"