Cultura

TODA INTERVENÇÃO URBANA PRODUZ CULTURA, COMENTÁRIO DE JOSIAS PIRES

Josias Pires é jornalista
| 19/08/2008 às 09:00

Quando se fazem intervenções urbanísticas numa cidade, seja uma obra para tratar esgotos, a construção de um prédio, a reforma do calçamento de uma rua também se está fazendo cultura.

A afirmação é do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, um dos mais importantes arquitetos do Brasil, de extensa folha de serviços prestados ao país e, especialmente, a Salvador, a exemplo dos projetos das secretarias de governo no Centro Administrativo e as leves passarelas interligando pontos de ônibus e estações de transbordo, como a da Rodoviária-Iguatemi.


É dele também os projetos da rede de hospitais Sarah, cujos equipamentos e mobiliários são desenhados e fabricados no centro de tecnologia da rede, dirigido até hoje por esse arquiteto de forte compromisso social.

Antes de tudo, diz Lelé, está o objetivo de produzir conforto ambiental, físico e psíquico aos usuários dos equipamentos públicos. Discípulo de Oscar Niemeyer, ele trabalhou em Brasília, como engenheiro-de-obra, à frente da aventura de construir a nova capital.


Lelé idealizou e realizou dezenas de projetos de envergadura e tornou-se o arquiteto brasileiro mais inventivo em tecnologia construtiva, levantando escolas, creches, postos de saúde, passarelas com material pré-fabricado em argamassa armada, cujos custos e tempo de construção são muito menores do que os necessários para fazer prédios com tecnologia convencional.


A idéia das reformas urbanísticas como expressão cultural, conta Lelé nas suas memórias em depoimento à jornalista Cynara Menezes ("O que é ser arquiteto", editora Record, 2004) foi adotada quando ele trabalhou na gestão de Mário Kertész na prefeitura de Salvador (1985/88).

Na época, liderou a instalação da Fábrica de Equipamentos Comunitários (Faec), conhecida também como fábrica de cidades, impiedosamente desativada pelo prefeito seguinte, apesar de ser um projeto que repercutiu e gerou frutos em todo o país.


O arquiteto lembra que, ainda em 1979, quando veio trabalhar com projetos urbanos em Salvador, na primeira gestão de MK, um dos gargalos que ele se dispôs a superar foi realizar obras de saneamento nas áreas mais pobres da cidade, comunidades muito densas para as quais não havia nem acesso para o transporte do maquinário.

A solução encontrada foi construir peças pré-moldadas em argamassa armada, de tamanhos reduzidos e de fácil transporte, chamadas na época de escadas drenantes, para fazer a água escorrer na época das chuvas. Até hoje elas funcionam em vários locais da cidade.


Se a idéia genial da fábrica de cidades - que pretendia ser um grande laboratório para recolocar todos os problemas urbanos - tivesse continuado estaríamos à salvo do monstrengo que se tornou, por exemplo, o projeto do metrô. Lelé redesenhou o sistema viário da cidade para fazer circular os veículos leves sobre trilhos, mas só viu serem implantadas as delicadas passarelas que dialogam com extrema sensibilidade com a paisagem soteropolitana.


Como seria reconfortante para esta maltratada Cidade da Baía de Todos os Santos se o próximo prefeito de Salvador convidasse Lelé para contribuir com as soluções para o desenvolvimento urbano da cidade. O bondinho que ele projetou e construiu para transportar pessoas com deficiência no Hospital Sarah, por exemplo, é uma solução perfeita para deslocamentos pelas encostas e as estações de transporte público.

Lelé é uma garantia de que podemos ter aqui mesmo - sem necessariamente precisar importar de outros países -  as melhores soluções para muitos dos nossos problemas cruciais.