Cultura

QUEM É CERTINHO NÃO "PEGA" NINGUÉM, COMENTA AUGUSTO CRUZ EM ARTIGO

Augusto Cruz é advogado
| 22/06/2008 às 11:31
Quem é “certinho” não “pega” ninguém.

É com esta frase que inicio algumas aulas. Há uma inversão total de valores no Brasil.

 Costumamos reclamar diariamente dos nossos desonestos políticos, no entanto, ao nosso redor, pequenas infrações às mínimas normas de convivência social e ao Direito são flagrantemente cometidas.

  Curioso que ao chegarmos em locais mais civilizados mudamos a conduta. E não me refiro aqui aos países europeus, mas a Curitiba, capital paranaense. Lá não jogamos lixo no chão, não atendemos celular nos teatros, cinemas e auditórios como se estivéssemos em nossa sala de estar. Por que lá tem de ser diferente?

  A cultura do “faço por quê todo mundo faz”, impera. São as “roubadinhas” no trânsito, as filas duplas com os carros para pegar o filho na escola, a ponta de cigarro que voa da janela do apartamento, não importando onde ou em quem irá cair.

  Os brasileiros daqui não agem assim por maldade, ou por serem ruins, mas por que simplesmente aprenderam que é assim e ponto final! E vejam que os brasileiros de lá, que vivem noutras paragens mais civilizadas, ou mais educadas, ou mais polidas, mudam o brazilian way of life e se adaptam (às vezes na base da porrada!).

  Quando vamos ao supermercado nos deparamos com pessoas se dividindo em filas para ver qual será atendida primeiro, ou entramos na fila que supostamente será mais rápida pela quantidade de produtos que as pessoas estão portando. Ledo engano. Em geral as pessoas guardam um lugar na fila enquanto seu parceiro(a) ou patrão está rodando pelo mercado enchendo um ou dois carrinhos.

 

   Os supermercados possuem “caixas rápidos” para pessoas que adquirem poucos produtos, invariavelmente alguém se aproveita e ingressa na fila ainda que com o dobro dos produtos indicado e ainda exige o atendimento.

   Os exemplos do supermercado se repetem em cinemas, shoppings, nos edifícios de escritórios, nos bancos, nos estacionamentos, nas repartições públicas, nos eventos abertos ao público etc.

  Esses desvios acabam se tornando normas aceitáveis pelos brasileiros, as pessoas passam a achar “normal” ou “todo mundo faz”. E com isso as crianças crescem com este desvio social.

  O lixo que insistimos em depositar nas ruas entope os esgotos, que por sua vez não conseguirão atender ao fim a que se destina, com isso nossas ruas alagam nas chuvas, causando transtornos e risco à saúde e à vida de todos nós.

   Civilidade é o mínimo que se espera de uma sociedade que vive num Estado Democrático de Direito. E vejam que os temas mencionados não dizem respeito às camadas mais baixas da população, tampouco pretendo dar uma conotação maniqueísta ao meu pensamento, pois abraço nestas considerações toda a nossa população.

   Em tempos de consagração do Princípio da Boa Fé nas relações jurídicas, ainda vivemos sob o signo do medo, do receio de ser passado a perna.

   Aliás, passar a perna, pode, mas ser o otário, jamais.

   As distorções das normas de convívio social induz ao cometimento de graves infrações. Não me refiro ao trânsito, em que normas elementares são burladas a todo instante, sempre sob a justificativa de “todo mundo faz”, mas sim de violações graves: carteiras de estudante falsificadas para pagar-se meia entrada, empréstimo de carteira do plano de saúde onde uma pessoa se passa por outra, redução do valor do imóvel comprado para pagar-se menos tributos... escrevi aqui alguns crimes e muitos devem imaginar, mas “todo mundo faz” e, o mais grave, “não dá em nada!”.

   E reclamamos todos os dias que nossos dirigentes são desonestos.

   O mínimo que podemos fazer é educar nossos filhos, sobrinhos e netos a agirem de outra forma. De uma forma, no mínimo, diferente da nossa.