Cultura

OS 30 ANOS DO GRUPO CULTURAL OLODUM COM COMENTÁRIO DE AILTON MAGIOLI

O ano das comemorações começa na sexta-feira, 25
| 22/04/2008 às 18:19

Mais jovem vocalista da banda Olodum, Lucas di Fiori, de 26 anos, é prova do sucesso do empreendimento sociomusical baiano mais conhecido no mundo. "Logo que eu entrei na Escola Criativa, minha maior inspiração era a percussão. Sempre fui vidrado por percussão, mas como eles ensaiavam na rua, eu tinha vergonha", recorda Lucas, cuja timidez acabou responsável por alçá-lo ao disputado posto de vocalista da banda, que divide com outros dois cantores. Somados, bandas (mirim e profissional), bloco, escola e bando de teatro formam a organização não-governamental cujos 30 anos de fundação - a serem comemorados de 25 deste mês a 25 de abril de 2009 - começam a ganhar força em Salvador.

"O bloco Olodum é um grande exemplo de trabalho lindo e consciente. Une a liberdade, a justiça, o amor, a beleza, a tristeza e a alegria sem perder a ideologia na luta pela igualdade", afirma Margareth Menezes, uma das intérpretes do celebrado samba-reggae que o Olodum criou e lançou mundialmente, atraindo a atenção de astros da música pop como Paul Simon (Central Park, Nova York,1991) e Michael Jackson (Pelourinho, Salvador, 1996), com os quais gravou. Convidado oficial da Fifa para a Copa do Mundo de Futebol de 2010, na África do Sul, a ONG já participou das copas da Coréia/Japão (2002) e Alemanha (2006). Além de ações de combate à discriminação racial, a ONG do movimento negro estimula a auto-estima e o orgulho de afro-brasileiros e defende e luta pelos direitos civis e humanos da população marginalizada.

Segundo Lucas di Fiori, o objetivo do Olodum é formar cidadãos. "Na realidade, o processo não é para que você permaneça dentro da organização. É para formar um grande cidadão mesmo, para a vida, para o mercado de trabalho", diz o vocalista, cuja trajetória na ONG foi ascendente: das gravações de discos às turnês ao exterior, além dos shows no Brasil. O convite para assumir um dos postos de vocalista da banda veio do presidente João Jorge. "Comecei abrindo ensaios e shows, fazendo só voz e percussão, a forma mais tradicional do Olodum". Além de Lucas, Tonho Matéria e Germano Meneghel são responsáveis pelos vocais da banda, cada qual solando em determinado momento.

Igualdade racial

Presidente da ONG, João Jorge anuncia que as celebrações dos 30 anos de samba-reggae e das ações de cidadania do Olodum deverão se estender, pelo Brasil e exterior, até 2010. "A idéia é fazer encontros musicais, publicar livros, jornais e revistas, além de gravar CDs e DVDs". Além do carnaval em si, o Olodum desenvolve uma série de atividades ligadas ao social, cultural e à identidade afro-brasileira, além de lutar pela promoção do estatuto da igualdade racial. "Aqui em Salvador, por exemplo, criamos um capítulo voltado sobre o negro na Constituição Estadual do Estado da Bahia", relata o presidente do Olodum, lembrando que a militância da organização é focada na questão dos direitos humanos da população afro-brasileira. "Só em Salvador somos 80% da população, enquanto na Bahia atingimos 77% da população", revela João Jorge, salientando que no país esta é uma questão que envolve uma demanda de 90 milhões de afro-brasileiros.

"A gente lida muito com os direitos coletivos, que são os direitos de reparação aos danos que a escravidão produziu nos afro-brasileiros, além da inclusão de novos direitos socais, como a política de cotas nas universidades e na publicidade dos governos estaduais e políticas de saúde", diz o presidente do Olodum, salientando que a música é utilizada pelo bloco como canal de divulgação de todas estas demandas. "Para mim, o Olodum é tudo", afirma Lucas di Fiori, lembrando que ele sempre teve uma base familiar muito boa. "Mas minha família não teria condições financeiras de me proporcionar o que o Olodum me proporcionou. De conhecer boa parte do mundo. Além disso, com certeza não teria uma bagagem cultural destas em uma escola comum. Lá você tem este enriquecimento de cultura, de vida. Hoje eu tenho independência total: tenho minha residência, estou formando a minha família", acrescenta, admitindo que pretende levar os futuros filhos para o Olodum.

Caldeirão cultural

"Ocupar o tempo da criança é muito importante para ela ganhar corpo com suas próprias pernas. No meu caso, meu pai me deu a vara e eu fui pescar". Nascido e criado sob o sucesso da axé music, o percussionista diz que apesar de para o Brasil toda a qualquer forma de música feita na Bahia ser chamada de axé, o que ele faz é samba-reggae. "Hoje em dia, o axé faz muito samba-reggae sob influência do Olodum", constata. "Muitos cantores de axé no começo pegavam músicas de blocos afro, como Olodum e Ylê-Aiê - nós temos festivais anuais - que já estavam estouradas na boca do povo, faziam uma roupagem com harmonia e lançavam. Então, eles têm muito mais influências nossas do que a gente deles".

"O Olodum é um grande caldeirão, no bloco a gente está aprendendo a todo momento. Daí o fato de o projeto maior e principal ser a escolinha. Ali se formam grandes cidadãos e a base futura da banda", conclui, lembrando que a militância na organização é natural, a partir do processo vivido pelos jovens, preparados para lutar pelas causas sociais e do negro. "Falamos de tudo em nossas músicas. Cantamos o amor e a religião em uma música vibrante e dançante, que também tem o lado social. Nos preparamos para tudo. É a vivência do dia-a-dia, mesmo".

Patrimônio cultural da humanidade, reconhecido pela Unesco, o Bairro Maciel do Pelourinho ganhou visibilidade mundial graças ao Olodum. "Éramos um bairro abandonado, uma favela, um minigueto", recorda o presidente João Jorge, que atribui à presença na região do verde, vermelho, amarelo e preto - as cores oficiais do Olodum - o atrativo para a presença de turistas. Com população de cerca de 3 mil habitantes negros e mestiços, o bairro que encantou Michael Jackson, Spike Lee e outras personalidades deixou de lado a imagem de degradação para se transformar em point turístico de Salvador. Nascido na trilha dos pioneiros Moa do Catendê e Ilê Ayê, o bloco afro tem por objetivo promover o carnaval, além de integrar-se na onda black-soul americana e na reafricanização da juventude negro-mestiça baiana. Hoje, o Olodum é fonte de inspiração de grupos e blocos afros em todo o país.

Samba- reggae

Mistura do reggae caribenho com o samba baiano de origem angolana, o samba-reggae é a grande criação do Olodum, cujo ritmo envolvente conquista fãs no mundo inteiro. "O samba-reggae não tem nada a ver com axé music", faz questão de esclarecer João Jorge, ao lembrar que o samba-reggae é a música da comunidade negra, dos afro-brasileiros, originária do candomblé, capoeira, maculelê e raízes tradicionais afro-brasileiras, cuja batida forte é profundamente preocupada com a causa social, haja vista o sucesso de hits como Protesto Olodum, de 1998, e Revolta Olodum, de 1990. "A axé music é para dançar, para beijar, sem nenhum compromisso com a história", explica.

Isso é Olodum

Atualmente, além de um bloco de 4 mil integrantes, o Olodum agrupa o Bando Teatro Olodum, de 60 atores, e a Escola Criativa, com cerca de 300 alunos. E mais: além da banda mirim, a banda profissional reúne 18 músicos, viajando em média com 25 pessoas, incluindo técnica e produção. No primeiro dia do carnaval de Salvador, o bloco desfila com 100 percussionistas pelas ladeiras do Pelourinho, onde foi criado. O Olodum, que faz uma média de sete a oito shows/mês, no Brasil.