Cultura

DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA: A RESISTÊNCIA DO POVO DO CALABAR

O evento aconteceu no último dia 17
| 19/11/2007 às 10:28

   Resistência do povo negro no Calabar "Somos belos. Olhe como somos belos", disse a professora Jumara Novaes Sotto Maior, 40 anos, se referindo aos participantes e à platéia da mesa redonda promovida pelo grupo Quilombo em Ação, último dia 17 na Biblioteca Comunitária do Calabar, em Salvador.

  Antônio Sampaio, Tonico, 50 anos, ex-presidente da Associação de Moradores do bairro, também participou do evento cujo tema principal foi "Consciência e Resistência: aspectos violentos no processo histórico do negro no Calabar", como parte das discussões que antecedem o Dia Nacional da Consciência Negra.

  Sampaio fez um resumo da história da luta da comunidade. Segundo ele, as notícias que a mídia publicava sobre o Calabar em 1977 eram muito negativas. "Os jornais diziam que o bairro era um antro de marginais e de ladrões", afirma. "E aquilo mexia muito com a auto-estima minha e de meus amigos, moradores do local", completa.
 
   "A gente se reunia nos bares para debater o assunto e chegamos à conclusão que deveríamos fazer algo para mudar a situação", conclui. "Formamos um grupo de jovens que contestava a imagem negativa que a mídia publicava", relembra.

    PROTEGER
    DA POLÍCIA

  Esse grupo se reunia inicialmente na igreja, "mas não era para rezar. Nós lutávamos por melhores condições de vida". "O acolhimento que o padre nos deu serviu para nos proteger da repressão militar, que não permitia discussões políticas".

  O líder comunitário viu o bairro crescer e os problemas se multiplicarem. "Não havia água encanada, conta". "Existia um chafariz que foi construído por nós em 1958", fala orgulhoso". "Vendemos muitos jornais A TARDE para arrecadar dinheiro para a obra", lembra. Também não havia luz elétrica, rede de esgoto, posto médico, módulo policial nem asfaltamento das ruas.

  "Quando um morador adoecia, era necessário ser carregado até a avenida Centenário, onde passava carro", diz. Toda a infra-estrutura do bairro foi construída através da mobilização dos habitantes do local. Consolidação do bairro A especulação imobiliária quase afetou o bairro. A

   ntônio lembra que onde hoje se localizam o Shopping Barra, o Hotel Othon, o Instituto Pedro Melo e o Jardim Apipema eram bairros populares que foram desapropriados pelo governo. 

   TERRITÓRIO

  A luta da associação de moradores do Calabar se fortaleceu quando a população se juntou para defender seu território. O resultado foi um decreto municipal que proibiu a construção de edifícios no local, o que garantiu a permanência do bairro. Através da mobilização de amigos e parentes o grupo de jovens conseguiu a adesão e confiança da comunidade.

  O resultado foi a instalação de um telefone público comunitário, energia elétrica, água encanada, esgotamento sanitário, escola e creche comunitárias. Antônio faz questão de frisar que no bairro não existe nenhuma escola pública e a construção da escola e da creche foi feita em regime de mutirão pelos moradores do Calabar.

  A Escola Aberta trabalha com os métodos de Paulo Freire, ensina a partir da realidade de vida do aluno e tem apoio pedagógico de universidades da capital. O ensino abrange dois aspectos importantes: a formação acadêmica e a humana. Ali, segundo Sampaio, a questão da cidadania plena é debatida e ensinada.
 
  Os alunos aprendem a pensar sua história, debatê-la, reescrevê-la e agir como agentes multiplicadores na sociedade. "Várias pessoas que nasceram e foram educadas aqui dirigem escolas, sindicatos e outras instituições", assegura.

  A professora Cristiane Lima, 41 anos, nascida e criada no Calabar acredita que "a mobilização da comunidade para o conhecimento de sua própria história coloca nas mãos dos moradores os destinos do bairro", e "faz de cada um agente do próprio destino".

  "Acho positivo que todos participem", assegura. Na opinião da professora Jumara Novaes há duas frentes que precisam ser trabalhadas: "radicalização na luta pelo direito à educação em quantidade e qualidade", e "direito à auto-formação", entendida esta como o direito de a própria comunidade tomar a frente nas discussões sobre as políticas universalistas.

  "A valorização da cultura local e a correção das desigualdades historicamente construídas" devem estar sempre na pauta do dia segundo Novaes. Moradora da Cidade Baixa, negra e militante em prol de uma política educacional abrangente e inclusiva, a professora Jumara é favorável às cotas para acesso de negros à universidade. Mas acredita que "este instrumento deve ser momentâneo".
 
  "Se as cotas se perpetuarem significa que há algo errado, que a ainda há desigualdades", explica. "Deve haver investimento na qualidade da escola básica e fundamental, como forma de eliminar as diferenças na formação dos alunos das redes pública e privada", conclui.
 
  "A sociedade precisa se acostumar com a idéia de ver um professor negro, um advogado negro, um juiz negro". "O acesso a estes espaços, somente a educação pode fornecer", afirma Novaes. Concordando com ela, a estudante Luana Dandara, 20 anos, moradora do bairro da Liberdade, disse que "a educação das crianças jovens, bem como a reeducação dos adultos, pode não trazer resultados imediatos", "mas formará pessoas que servirão de modelo", disse. (Por Valdeck Almeida de Jesus)