Estas são marcas da arte de Florival Oliveira, nascido em Riachão do Jacuípe, Bahia, onde vive, em 18 de agosto de 1953, tendo iniciado a sua carreira em 1976, e participado de várias individuais e coletivas no Brasil e no exterior.
Além de prêmios, sua obra está representada em acervos: Museu de Arte Moderna, Salvador/Ba; Museu de Arte Contemporânea, Feira de Santana/Ba; ACBEU, Salvador/Ba; Biblioteca da Universidade da Bahia; Museu Regional de Feira de Santana/Ba.
A conversa foi cedida ao Bahia Já pela Paulo Darzé Galeria de Arte onde se encontram obras desse artista:
1) Você nasceu em Riachão de Jacuípe, cidade no interior da Bahia, porta para o sertão. O que há de sua cidade, de sua gente, de sua infância como campo de referência ou de investigação na sua arte? Mas, ciente de você residir em Riachão, qual a tradução exata na sua obra de sua terra natal?
"Vejo-me dentro de um caldeirão fervente em ebulição". A minha cidade fica à beira de um rio que é afluente do Paraguaçu, formando o vale do Jacuípe. Neste espaço forjou uma vida entrelaçada com a macambira, a palmatória, a gerema etc. Rasteiro como teiú, o couro foi a vestimenta que lutou contra as intempéries, fez gado, curral, aboio e ferrão, marca de um quinto da produção. Administrando uma economia, chega-se ao barroco tardio de influências mouras, neoclássica, e eclética. A modernidade é algo que adentra pela porta do sertão, o Museu do Sertão com o seu acervo de pintores ingleses e retrato de mulata de Di Cavalcanti ficaram marcados na minha memória em 1960. Revistas e livros da biblioteca Machado de Assis, acervo particular, e o ritual de todos os dias pegar o jornal ao meio-dia vindo da Bahia, que é como se chamava cidade do Salvador, a capital, com as notícias da construção de Brasília (Lucio Costa e Oscar Niemeyer). Na escolha pelo lugar, questões de sensibilidade: o ar e o chão, "seco e quente no verão, seco e frio no inverno, e muita salinidade no chão". É um bom lugar para morar. Gosto da paisagem contrastante, seco esturricante e verde veronese, vejo o mar na minha frente e a brisa constante do nascente para o poente. As ferramentas de trabalho foram reveladoras e como aprendiz o olhar ficou em primeiro plano, quase não dando permissão para falar. Uma grande escola a céu aberto. O artista manifesta desejo absoluto, entrega constante, e um andar sempre. Como são pequenas as minhas pernas, escolhi aqui para ficar.
2) Você entra na arte baiana num momento de intensa relação dos jovens artistas com a pintura, mas você escolhe a gravura. Como foi trabalhar nesta "contramão" e após a Bahia ter vindo de uma plêiade de gravadores?
O meu inconsciente lavado por um estado de êxtase foi determinante. Sei que tinha algo a resolver e muito difícil pelo sufoco da vida solitária. Desprendida das questões materiais vindo de momentos de incertezas e restrições, teria que organizar uma linha de ação. Veio-me o cinema, o teatro, a fotografia, a gravura e neste período era necessário fazer algo para que pudéssemos avançar. Qualquer coisa é possível de gerar conceito e ser linguagem. Vi na leitura de Paulo Freire com a didática, no roteiro de pinhão de motor, com o super 8, no teatro com "Oxente Gente Cordel", e na semana experimental de arte a relação com o neo-construtivismo (Hélio Oiticica, Ligia Clark), um posicionamento político e o pensamento aberto a todas as possibilidades de ação. Um aprendizado técnico acontece: folha de madeira compensado apodrecida na parede do galpão da escola e um desenho. Recortei nestas placas soltas do entremeio a matriz da xilogravura. Foi a ação inserida no universo da gravura, finalizando o meu curso de Licenciatura em Desenho e Plástica pela EBA/UFBA em 1980.
3) Também ainda nesta escolha, a gravura ia de encontro a um mercado que se insinuava naquele momento, o que não deixava de o tornar "diferente" dos demais. A sua arte, com essa escolha, está desde sempre determinada apenas por viabilizar a sua expressão, a expressão de sua linguagem, sua aventura pessoal? O detrimento deste "mercado" seria como não trair a sua vocação?
A responsabilidade, o contesto e a escolha por determinados suportes insere-me no universo do pensamento plástico visual, "as oficinas", o suficiente para entender estas duas relações mercado e linguagem.
4) Também como "contramão", qual a razão de você realizar poucas exposições, exibir de menos os seus trabalhos, não se mostrar mais apesar de ter uma obra tão significativa? Temperamento? Características do trabalho? Visão pessoal sobre mostras de arte? Só fazer quanto possui algo bem significativo dentro da obra?
Varias exposições foram feitas em coletivos e individuais, o que perpassa aí trinta anos de trabalho interruptos. E veja você que haveria de ter algo que fosse norteador enquanto fomentador para um número cada vez maior de pessoas com interesse para as artes plásticas e visuais. Vi aí a necessidade de trabalhar para a formação de um público e espaço para que artistas tivessem possibilidades de desenvolver a sua linguagem ampliando os cursos livres e espaço de produção. O trabalho, resultado da minha pesquisa, foi todo ele mostrado na cidade do Salvador.
5) Vejo seu trabalho tratando essencialmente de problemas de linguagem da arte, formas, volumes, espaços, movimentos, materiais, a busca de uma precisão técnica através de uma pesquisa incisiva e paciente por esses terrenos. Como vê essa leitura sobre a sua obra?
São as ferramentas que tenho nas mãos. As questões teóricas servem para dar uma orientada, não tenho preocupação e sim prazer. As referências históricas estão nos livros. O percurso da arte é para mim é livre como a água das grotas que percorre os rios levando para o mar os sais da terra.
6) Como é deflagrado dentro de você o seu processo de criação. Uma imagem, um material, um gesto, uma palavra. O que?
O olhar dos movimentos rítmicos, um atleta, um dançarino, a música (percussão), faço essa relação com o tridimensional. O som para mim tem a ver com a pintura, com a poética da cor. É um gesto, uma escrita, caligrafia, o oriente dentro do ocidente, Kandinsky, Duchamp, Brancusi, Rodchenko, Max Bill, Jesus Souto, Torres Garcia, Rubem Valentin, Agnaldo dos Santos, Mario Cravo Júnior e muitos outros importantes artistas que vislumbram em minha cabeça. Assim como a fotografia e o cinema de animação tem favorecido para uma leitura do contemporâneo, garimpando nos resíduos fagulhas de realidades, a exemplo do jornal, dos objetos utilitários e descartáveis, junções estas de formas e agrupamentos de elementos seqüenciados (madeira).
7) Junto a sua obra nas artes visuais, você é professor e coordenador das Oficinas do Museu de Arte Moderna da Bahia, e há uma geração mais nova passando por este caminho. Fale um pouco sobre esta atividade docente e este contato como os mais jovens.
São de utilidade pública, prestam serviços à sociedade, é um espaço diferenciado do contexto, livre e gratuito, assim como todo ensino público, o que portanto devem ser preservadas e dotados de condições necessárias ao bom funcionamento. É gratificante por existir nas relações e nas interações, processos laboratoriais de trocas, e espaço aberto sem divisões e inter-relacionamento das atividades especificas. Observa-se a existência de um trânsito interno que circulam por todos os processos com escolhas independentes em graus e níveis de conteúdos. Aluno é o artista e o artista é o professor.