Walmir Rosário
27/01/2025 às 11:51
No nosso tempo de menino em Itabuna uma das maiores diversões era assistir ou participar dos jogos de futebol. Era a nossa mania municipal. Campinhos não faltavam nos bairros e até no centro da cidade. Bastava uma bola, a marcação das traves, muitas vezes com pedras, e a meninada com vontade de brincar. Sobravam muitos, geralmente os sem habilidade.
Agora, bom mesmo, era assistir aos jogos e treinos dos times amadores, principalmente da invencível Seleção de Itabuna. Como nem sempre estávamos providos de recursos para o ingresso, recorríamos aos jogadores amadores que possuíam a carteirinha da Liga de Desportos Atléticos (Lida), e entrávamos com eles. Claro, sem pagar nada.
E existiam os funcionários que dificultavam nosso ingresso, enquanto outros facilitavam. E uma dessas figurinhas carimbadas era Raimundo Pereira Borges, um multifuncional no Campo da Desportiva, pois
“jogava nas 11”, era bandeirinha, árbitro, goleiro, diretor da Lida e dono do bar interno da Desportiva. Uma figura alegre, brincalhona, afável, mas que sabia ser sisudo quando o assunto requeria.
Raimundo Pereira Borges poucos conheciam – só os mais velhos –, para nós era Zinho, apelido que ganhou quando em 27 de janeiro de 1950 inaugurou, junto com sua esposa Miralva, a Cantina Tico-Tico, bem próximo do Campo da Desportiva, na rua Almirante Tamandaré, ao lado do conhecido Jardim do Ó, local em que funciona até os dias de hoje.
E a escolha do nome foi pra lá de inusitado: um dia Zinho informa a seu irmão Antônio, conhecido como Tote, dono do Bar dos Operários, que iria abrir uma cantina e aproveita para pedir uma sugestão quanto ao nome que daria. Nesse momento, Tote saia de detrás do balcão e se dirigia ao banheiro com um rolo de papel higiênico, e mostrou ao irmão: “Bota o nome de Tico-Tico, como essa marca de papel higiênico”. E imediatamente foi aprovado o nome.
O local era pequeno, mas abrigava a todos, principalmente quando as empresas próximas liberavam os empregados para a “merenda” da manhã e da tarde. Bem em frente, onde hoje existe a Igreja Universal,
funcionava uma revenda Volkswagen, com cerca de 50 funcionários, muito deles com o lanche anotado no caderno.
Refrigerantes, sucos e refrescos, pastéis bem recheados de carne, banana real, bolos de milho, tapioca e aipim, além das batidas de gengibre e maracujá fazem o maior sucesso. Com o passar dos anos a Cantina Tico-Tico ganhou conceito e frequência diversificada, com mecânicos, radialistas, jornalistas, bancários, advogados, comerciários, muitos dos quais buscavam o lanche fora da hora de grande movimento.
Eu mesmo fui cliente assíduo da Cantina Tico-Tico quando a redação do Jornal Agora ficava do outro lado do Jardim do Ó. Todos os dias, eu, o saudoso colega Euclides Batista (Zoca) e o diagramador Paulo
Fumaça dávamos uma paradinha nas “Olivetes” para o lanche sagrado. Barrigas abastecidas, trocávamos uns dois dedos de prosa com Zinho e os filhos Ronaldo Deroaldo (Peu) e Deroaldo Ronaldo.
E aos poucos o nome Zinho foi sendo transferindo para Tico-Tico, um expert na área de lidar com o público e que soube repassar esse conhecimento aos filhos. Lembro-me, ainda menino, de quando ele dirigia o bar do Campo da Desportiva e num domingo o presidente da Liga o proibiu de vender cachaça, só cerveja e refrigerante. Foi uma revolta geral, mas Zinho soube tirar de letra e apaziguar.
E todo esse sucesso do Tico-Tico não subiu à cabeça da família que soube se dedicar a servir bem aos fregueses, com bebidas e comidas de boa qualidade, muitas delas fabricadas em casa. Um dos filhos,
Deroaldo Ronaldo, optou pelo trabalho na cantina e deu adeus à advocacia, num tempo em que os despachos e sentenças eram raridades, pela falta de juízes e promotores.
E por todo o sucesso dessa família à frente da Cantina Tico-Tico ao longo de 75 anos ininterruptos, o Serviço Brasil de Motivação e Marketing (Simmbra), liderado pelo empresário Valdir Ribeiro, prestará, nesta segunda-feira, 27, às 11 horas, uma homenagem à Cantina Tico-Tico, com um Certificado de Excelência. E Valdir Ribeiro ressalta que uma empresa familiar dificilmente consegue sobreviver no mercado por todo esse tempo.
Raimundo Pereira Borges, o Zinho, ou o Tico-Tico, nasceu em 7 de maio de 1930 e faleceu em 18 de janeiro de 2011, deixando um legado para a família, que soube perpetuar um empreendimento, que embora pequeno alcançou e soube se manter no patamar do sucesso. Além de Ronaldo Deroaldo e Deroaldo Ronaldo, Zinho deixou as filhas, Cássia, Clélia, Hélia e Alcimar.Vida longa à família Tico-Tico.
*Radialista, jornalista e advogado.