FAQUIR SEM A CRUZ DE TODAS AS PAIXÕES, POR LUIZ MÁRIO NOGUEIRA

Luiz Mário Nogueira
29/10/2023 às 11:48
 Um longínquo chamego como bico de aves em terra coberta de matos, silvos agudos anunciavam a chegada do trem de ferro longe de agouros e sem a cruz de todas as paixões. No tempo anterior à saída do sol, cadência e compasso em duração limitada gargalhavam a tristeza do franduleiro hóspede de Serrinha..
 
  As ervas-bentas da ladeira em frêmito bulício abriam a alma entre a existência e o visível. A cama de pregos com a ponta virada, arrebito de flagelação e grande sofrimento, forrada com brim cepudo e tosco, de tão pesada convertia o chegadiço como se fora um bêbado a todo o transe.

 Moço galante e com os miolos em água, sentia raiva dos cães que ladravam, e essa ingrata sensação deixava-o azaranzado, embebido dentro de sua capa comprida até instalar-se na pensão da praça.
 
  Como um religioso mendicante, lançava-se, pálido e magro, corpo encostado na tábua de pregos cor de ferrugem, buscava o sono do esquecimento. Da janela entreaberta, os meus sinais queixosos em desvario suplicavam um tocador de cravo que coasse o mel e me rendesse aos anjos e santos. Tudo era quente e abafadiço. 

  As folhagens do oitizeiro em céus de bailado popular queimavam um pé-de-altar curvado à piedade.

   Malroupido e dores no espinhaço de modo pouco vulgar, como filósofo, dinheiro na algibeira, despia a pele em força e vigor, e desaparecia. 

 Boquiaberto, e acreditando no culto do demônio, às cegas, minhas vistas escureceram à chegada de uma Faquira doidivanas. A lua crescente tinha a sua cauda pontiaguda e enchia de suavidade as mazelas da cama medida com régua de carpinteiro. Portinhola de louva-a-DeuS desensinava qualquer doutrina e o gozo da bem-aventurança cuspia, do seu corpo gasguito e ainda com reflexos de luminosidade, rebenqueado de sorte, pedia as minhas lágrimas no estojo do kyrie eleison antes do final da tragédia.

   Cabisbaixo e contemplativo, inclinei a cabeça sobre os ombros e com vivas mãos, rosto meio chupado, postei-me a sonhar.

  Boamente, de cor e salteado em palavreado oco e sem estrondo no meu papel de ator, essa crônica é para vocês: Lício Ivan, Mara Rúbia, Alvinho, Itamar, Mário Quirino, Ana Lobo, Guto Ferraz, Ilma, Arléo, Débora Safira, Rosiel, Fernanda Murta, Narciso, Carol Bacelar, Cajazeira, Rogério, Raquel, Hélio, Vera Lúcia e
Tonho.